Melhores Séries da Temporada 2020/2021

I May Destroy You, Hacks, For All Mankind, Lovecraft Country, Pose e Mare of Easttown estão entre os destaques.

Mantendo a tradição pelo 11º ano consecutivo, o Previamente traz a maior e mais completa lista do universo das séries publicada no país. Mesmo em um período atípico de pandemia, com uma queda considerável na oferta de seriados, nossos colaboradores dedicaram-se para separar o suprassumo desta temporada 2020/2021 — mas, já aviso, não foi exatamente fácil.

Após uma década focado neste trabalho, o Previamente realizou algumas mudanças importantes na lista. A partir deste ano, passamos a não diferenciar as atuações por gênero, unificando as quatro categorias de performances em apenas duas: melhores atuações coadjuvantes e melhores atuações principais. Além disso, expandimos os selecionados em cada categoria de oito para 10 nomes.

Para selecionar os destaques da temporada, montamos um júri com 22 pessoas entre profissionais da área, jornalistas, críticos, estudantes e aficionados por séries. A seleção foi realizada utilizando os mesmos critérios do Emmy Awards: entram as obras que debutaram sua temporada entre 1º de junho de 2020 até 31 de maio de 2021, tendo sido exibida pelo menos 50% de seus episódios até o final de junho deste ano.

Para facilitar a sua leitura, também separamos as categorias individualmente — você pode lê-las clicando nas imagens correspondentes abaixo. Ou pode conferir o post completo, após as imagens, seguindo o texto nesta página.

Confira abaixo a lista completa com os melhores episódios, atuações e séries da TV na temporada 2020/2021.

MELHORES ATUAÇÕES COADJUVANTES

Hannah Einbinder (Hacks)

Já não é nada fácil estrear na televisão num papel complexo e de destaque como Ava. E a missão fica ainda mais ingrata quando se divide o protagonismo com uma atriz experiente e lendária como Jean Smart. Entretanto, em Hacks, a novata Hannah Einbinder faz parecer ser fácil, dando pistas de uma carreira brilhante pela frente. Além de ter um excelente timing cômico, conferindo naturalidade e autenticidade a um texto ágil e ácido, Hannah é capaz de compor uma personagem bastante identificável, cheia de vulnerabilidades e inseguranças. Os perrengues e dramas da jovem roteirista num frustrante e conturbado começo de carreira são carregados de diversão e profundidade, mérito do excelente time de roteiristas da série, mas também da atriz, que vende a sua personagem com extrema competência. 

Apresentando uma química invejável com a veterana, Hannah provou estar à altura de Jean Smart, conseguindo ser o contraponto perfeito de visões de mundo, valores e estilo que Deborah Vance tanto necessitava. Se a comediante veterana precisava de algo jovem, moderno, atual e empolgante para tentar manter os seus shows em Las Vegas na série, Hannah Einbinder foi a pessoa ideal para entregar tudo isso em Hacks, começando uma jornada como atriz que tem tudo para emplacar tanto com a crítica e em premiações quanto com o público em geral. — Diogo Pacheco

(HBO Max)

Sarah Jones (For All Mankind)

Com a nova temporada de For All Mankind, todas as personagens mudaram de cenário e passaram a viver outro momento, bastante distinto, dentro da narrativa. De ex-pilota de aeronave tentando ascender na carreira espacial e lidando com o marido infiel, Tracy Stevens tornou-se o rosto da Nasa, sendo a garota-propaganda do órgão, uma mulher sexy, dona de si mesma e separada do, agora, ex-marido, Gordo Stevens. Sua vida mudou. Ela chegou ao topo. Mas, qual é o próximo passo? O que ela quer? Para onde ela vai? Mesmo sendo o centro das atenções, uma astronauta e modelo bem-sucedida, estando até com um novo amor, algo ainda falta dentro dela. Mas o que é? Nesta mudança de cenário, Sarah Jones tem a chance de expandir sua personagem e alcança o objetivo. Ela navega com maestria entre a imagem projetada que precisa passar ao mundo e as incertezas interiores, a busca por um significado maior para si e para sua vida. Entre os dois anos da série, acompanhada do roteiro fino, a atriz passa por uma transformação completa, jogando com a força e a vulnerabilidade. E o seu ciclo, ao final da segunda temporada, fecha-se com brilhantismo, com uma performance memorável e que ainda me assombra pelo modo como se encerra. — Rodrigo Ramos

(Apple TV+)

Hannah Waddingham (Ted Lasso)

Inicialmente, posta como a antagonista em Ted Lasso, Rebecca, pouco a pouco, foi fugindo do arquétipo em que a posicionaram. O conceito de mulher cuja única motivação é se vingar do marido que a traiu se dilui conforme a narrativa é destrinchada e a personagem interpretada por Hannah Waddingham vai ganhando vida. O estereótipo se desfaz e vamos enxergando as fragilidades de Rebecca, como sua insegurança, sua dificuldade em confiar, a mágoa profunda de ter sido humilhada e exposta da forma que foi por seu marido (com a ajuda dos tabloides). A personagem vai se abrindo para as emoções novamente, seja nas amizades com Ted ou Keeley (uma das interações femininas mais bacanas da TV na temporada), seja na empolgação de fato pelo trabalho, e passa a baixar a sua guarda. A personagem mais complexa e verossímil de Ted Lasso, Rebecca inverte as expectativas e Waddingham faz um trabalho impecável na execução, dando a credibilidade que a personagem precisa para dar o peso à série para permanecer com o pé no chão. — Rodrigo Ramos

(Apple TV+)

Wunmi Mosaku (Lovecraft Country)

A atriz Wunmi Mosaku era desconhecida para a grande maioria dos telespectadores quando Lovecraft Country foi lançada, e que grata surpresa foi acompanhar a jornada de Ruby Baptiste. No início da temporada, somos levados a crer que Ruby ficaria só em volta do arco de sua meia irmã Leti, protagonista da série, mas somos surpreendidos quando Ruby se une ao arco de Christina. É nesse momento que Wunmi começa a crescer na série. No incrível episódio “Strange Case”, numa dobradinha com Hillary (Jamie Neumann), Wunmi brilha ao retratar todo o racismo e machismo que a personagem sofria e que é espelho para tantas outras mulheres até os dias de hoje. — Tammy Spinosa

(HBO)

Kathryn Hahn (WandaVision)

Após brilhar em diversas produções como Parks and Recreation, Girls, Transparent, Mrs. Fletcher, I Know This Much is True e I Love Dick, Kathryn Hahn finalmente está tendo o reconhecimento que sempre mereceu do grande público, com a primeira série da Marvel no Disney+. Apesar do competente desempenho de Elizabeth Olsen no papel da protagonista, quem rouba mesmo a cena em WandaVision é Hahn, entregando uma personagem ambígua, divertida e extremamente debochada, ao mesmo tempo que é uma importante peça do quebra cabeça que é a produção. As homenagens de WandaVision às diferente fases das sitcoms estadunidenses, o grande charme da minissérie, permitiram à atriz abraçar a caricatura, o que ela faz com bastante competência, sem nunca passar do ponto certo. Parecendo estar se divertindo muito no papel da bruxa Agatha Harkness, Kathryn Hahn navega pelos mais diversos estilos de atuação, indo de A Feiticeira a The Office ou de The Dick Van Dyke Show a Modern Family com muito carisma e solidez. É de se assumir que WandaVision conseguiu aprofundar a sua personagem principal como poucas vezes o MCU foi capaz, mas grande parte da diversão e estilo por trás da minissérie IT’S BEEN AGATHA ALL ALONG. — Diogo Pacheco

(Disney+)

Michael Kenneth Williams (Lovecraft Country)

Sendo bastante sincero, não morri de amores por Lovecraft Country e o plot do personagem de Michael Kenneth Williams é, em minha humilde opinião, o pior da série. Mais especificamente, a parte em que trata sobre a sua sexualidade. Infelizmente, a série, em sua maior fatia, trata esta questão de forma superficial, meio jogada na trama, por oras até forçando a mão — mas não é de todo mal, pois no fim até dá a volta e conserta algumas coisas. De qualquer forma, mesmo com a dificuldade do roteiro conseguir encontrar-se na maneira em que aborda o personagem como um todo, Williams possui uma força única e entrega-se ao personagem, sendo mais uma performance visceral do ator que merece um Emmy desde The Wire (isso sem contar Boardwalk Empire e, especialmente, When They See Us). Ainda que não seja meu papel favorito dele, ainda assim é ele. E isso já é motivo o suficiente para assistir ao programa e indicá-lo neste seleto grupo de performers. — Rodrigo Ramos

(HBO)

Gillian Anderson (The Crown)

Seria fácil Gillian Anderson transformar sua Margaret Thatcher em uma caricatura no nível de Saturday Night Live? Sim, especialmente levando em conta a peruca. Isso, no fim, ocorre? Não. Mas flerta. Visivelmente, os roteiristas e a própria atriz possuem certo desprezo (altamente justificável) pela pessoa retratada, logo a série pesa a mão na hora de criar seu retrato, até mesmo a ridicularizando em algumas situações, que dão um tom até cômico para a quarta temporada de The Crown. Mas isso é de bom tom? É. Afinal, não temos de sentir empatia por fascista — ou pessoa com tendências fascistoides, se preferir. Em vários momentos, Anderson tenta resgatar a humanidade dentro de Thatcher e chega muito perto de nos fazer esquecer de quem a série está se referindo. Anderson é boa nesse nível, mas também não faz milagres. Certamente, o retrato e a performance (e a peruca) são superiores aos feitos em A Dama de Ferro (devolve o Oscar, Meryl). Mesmo com o deboche por debaixo de tudo, Anderson entrega uma Thatcher com personalidade, detestável e (quase) humana. Do jeito que deveria ser. — Rodrigo Ramos

(Netflix)

Julianne Nicholson (Mare of Easttown)

Julianne Nicholson vem de uma longa carreira, tanto na TV quanto no cinema, sendo conhecida por papéis em séries como Law & Order: Criminal Intent, Boardwalk Empire e Masters of Sex, papel este que lhe rendeu uma nomeação no Critics’ Choice Television Award na categoria de melhor atriz convidada em série dramática. Em Mare of Easttown, Nicholson interpreta Lori Ross, a melhor amiga da protagonista Mare (Kate Winslet) desde a infância. Pela maior parte da temporada, Lori tem um papel pequeno, sem muito destaque, mas isso não a impede de entregar uma das maiores performances dramáticas do ano.

Mare of Easttown é uma série que acaba trazendo à tona diversas questões envolvendo o complexo papel que é ser mãe sob a ótica de Mare, de sua mãe e também de Lori. Por isso, não é de se admirar que Julianne roube a cena nos últimos momentos da temporada. A veterana atriz faz um trabalho absolutamente extraordinário, com várias sequências dignas de nota. Uma delas sendo a cena da grande revelação do assassino no series finale em que Lori direciona toda a sua revolta à Mare. Outra é um momento em que Julianne vai da apatia à grande vulnerabilidade quando aceita ser consolada pela amiga em uma cena de carga dramática intensa. Por essas razões, a performance de Nicholson, em Mare of Easttown, sem dúvida será lembrada por muitos anos. — Valeska Uchôa

(HBO)

Michael Dorman (For All Mankind)

For All Mankind, em sua segunda temporada, cresceu em todos os sentidos e se afirmou como uma das melhores séries da atualidade. Seus personagens cresceram junto da série, apresentaram novas camadas e tiveram suas complexidades aprimoradas. Dentro disso, Michael Dorman pôde mostrar um trabalho primoroso, fazendo com que a transformação física e psicológica de Gordo depois do tempo e do fim do seu casamento com Stacy (a também ótima Sarah Jones) tenha sido muito sentida. Os demônios psicológicos de Gordo são notáveis e ganham mais foco em detalhes sutis dos seus olhos, seu sotaque, jeito especifico de falar e o poder do seu corpo, que a direção da série observa tão bem em closes muito detalhados em que o ator dá uma entrega absoluta da sua depressão e do seu crescimento humano, até que isso tudo exploda numa das melhores cenas do ano. — Diego Quaglia

(Apple TV+)

Jean Smart (Mare of Easttown)

Que ano ótimo para ser Jean Smart, e para ser fã de Jean Smart. Em 2021, a atriz, de 69 camaleônicos anos, nos agraciou com toda a sua versatilidade, andando entre a comédia e o drama, e entregando sempre personagens incríveis. Em Mare of Easttown, ela faz Helen Sheehan, a mãe desbocada da protagonista, feita por Kate Winslet. Quase que um alívio cômico dentro de uma série que lida com assuntos bastante pesados, Jean consegue, ao mesmo tempo, passar toda a humanidade de uma mulher que viveu muitas dores e que, com elas, endureceu-se. Em um misto de vulnerabilidade e acidez, ela enlaça todos os que estão ao seu redor, tentando manter a tênue estabilidade de sua família e de seu mundo. Seja comendo salgadinhos, jogando em um tablet, ou revelando todo seu coração em um monólogo acertadíssimo no último episódio, ela não apenas nos mostrou todo seu poder como atriz, como conseguiu roubar a cena em uma série cujos destaques são as atuações de um elenco estrelado. Com uma carreira como a dela, é difícil dizer que Jean teria qualquer coisa a provar, mas, apesar disso, ela segue nos provando que sua presença é um trunfo para qualquer projeto no qual se insira, para o nosso prazer e deleite. — Mariana Ramos

(HBO)

Menções honrosas: John Benjamin Hickey (In Treatment), Joel Edgerton (The Underground Railroad), Dominique Jackson (Pose), Helena Bonham Carter (The Crown) e Paapa Essiedu (I May Destroy You).

MELHORES ATUAÇÕES PRINCIPAIS

Shantel VanSanten (For All Mankind)

A Karen Baldwin, de Shantel Van Santen, pode trazer uma certa estranheza no começo da primeira temporada de For All Mankind, porém, isso logo passa, pois a série começa uma completa desconstrução da personagem e daquele padrão de vida da sociedade americana. Mas é na segunda temporada que Van Santen brilha. Várias das principais tramas giram em torno de Karen, até mesmo a grande missão Pathfinder é afetada por ela, uma verdadeira força dentro da série. Um destaque para as discussões familiares com Ed, que lembram muito grandes cenas de The Americans (2013-2018), em que a atuação de Shantel nos mostra toda a evolução da personagem. — Thiago Silva

(Apple TV+)

MJ Rodriguez (Pose)

Pose constantemente investe no lado emocional para captar os espectadores. E se a última série decente cocriada por Ryan Murphy funciona, é muito graças à performance de MJ Rodriguez. Blanca Evangelista é o fio condutor, o cerne, o coração da produção. Cada cena de MJ envolve uma entrega de corpo e alma — o que pode ser irritante para alguns, eu sei, mas é o jeito brega, por vezes, das produções de Murphy. É palpável a força interior dessa mulher, a garra, a gama de emoções. MJ sabe a importância da representatividade de seu papel, mas não se deixa amedrontar por isso. Pelo contrário, é essa pressão que faz MJ pegar suas próprias experiências pessoais, como mulher trans, e usá-las a seu favor, transformando uma personagem em algo além disso, transformando-se em um símbolo. Sua Blanca é uma vitória, uma aula de representação e também de compreensão sobre a construção de um papel. MJ entrega uma performance memorável, visceral e comovente, encerrando a jornada de Blanca no auge da sua capacidade cênica. — Rodrigo Ramos

(FX)

Billy Porter (Pose)

“The Category is…. Billy Porter”. Pose já entrou para a história da TV ao colocar personagens negras e trans em destaque, e também temos Pray Tell, interpretado pela força da natureza que é Billy Porter, digno dos efeitos sonoros “TEN”, “TEN”, “TEN”, “TEN” em todas as categorias. E com a incrível atuação de Porter, Pray Tell se tornou um dos melhores personagens do mundo das séries nos últimos anos. Com ele, embarcamos em uma jornada através da terceira temporada de medos, sonhos, lutas e esperança, e isso ganha ainda mais destaque ao descobrir que Billy Porter revela ser HIV positivo há 14 anos, em uma entrevista antes da estreia da última temporada. Destaque para o avassalador episódio “Take me to Church”, que nos leva ao passado do personagem em um confronto com sua mãe, além de sua relação de amor e ódio com a igreja. Temos também o doloroso e lindo episódio de despedida do personagem, “Series Finale (Part 1)” ao som de “I Say A Little Prayer”, de Aretha Franklin. — Tammy Spinosa

(FX)

Uzo Aduba (In Treatment)

Após anos levando Orange is the New Black nas costas, mesmo quando a série respirava por ajuda de aparelhos, Uzo Aduba finalmente teve a oportunidade de sair do calabouço da Netflix para alçar voos mais altos. Felizmente, Hollywood não a transformou em uma performer de uma nota só, lhe entregando papéis semelhantes ao que a fez estourar (e conquistar dois Emmys, diga-se de passagem). Aduba teve a oportunidade de interpretar a figura história Shirley Chisholm, primeira mulher negra a se candidatar à presidência dos EUA, em Mrs. America. Sem surpresas, ela entregou uma performance irretocável, lhe garantindo seu terceiro Emmy. Porém, ela ainda precisava da chance de ser a protagonista de sua própria história e é isso que ela consegue em In Treatment.

Neste reboot da série, Aduba tem a oportunidade de mostrar que tem capacidade de carregar, agora como nome principal do elenco, uma série. E ela não deixa dúvida nenhuma sobre. Aduba é quem faz a quarta temporada de In Treatment brilhar. Posta em situações adversas e distintas entre os problemas pessoais próprios e dos pacientes, Aduba explora vários caminhos em sua performance. Ela está confortável em sua pele e domina todas as cenas em que se encontra (o que é basicamente 99% do tempo). É impossível tirar os olhos dela. Aduba tem cautela na forma como se expressa, do olhar à respiração, dos gestos às palavras ditas. A atriz passa segurança na performance e garante uma terapeuta problemática, sim, mas que não faz o espectador ter ranço (Gabriel Byrne, você é ótimo, mas Paul é péssimo). Desta forma, Aduba reforça o que todos já sabíamos: ela é uma das melhores performers da atualidade na TV. — Rodrigo Ramos

(HBO)

Anya Taylor-Joy (The Queen’s Gambit)

Seis anos se passaram desde que Anya Taylor-Joy estourou para o sucesso junto com A Bruxa. Todo esse tempo, desde então, a atriz passou com a agenda cheia. No entanto, nada de muito destaque pessoal, apesar de protagonizar várias narrativas. Faltava algo. O Gambito da Rainha é instigante não só pela condução de Scott Frank, mas porque Anya, finalmente, entrega uma atuação ao nível do qual se imaginava que ela era capaz. E é delicioso assisti-la em cena. A jornada de Beth Harmon é um amadurecimento em meio a traumas e desafios que Anya Taylor-Joy faz transparecer com maestria. As diferentes fases (ou episódios) entre os altos e baixos da vida da enxadrista, completamente ficcional, exigem coisas diferentes da atriz, e ela está sempre pronta para dar um passo além e nos fazer acreditar na personagem. Às vezes, nem é em si um passo, mas um olhar, um trejeito, algo que parece extremamente simples e banal, mas meticulosamente calculado por nossa protagonista para refletir aquela personagem e que casa perfeitamente com a ideia que a série quer transpassar.

Anya Taylor-Joy entrega alguns dos momentos mais marcantes da temporada, especialmente no finale. Nele, sua jornada é transposta a uma nova realidade, a qual a personagem enfrenta e resulta num desafio em que Anya é a chave que torna tudo tão eletrizante e encanta não só a seu mestre e seus rivais, mas ao público também. — Renan Santos

(Netflix)

Emma Corrin (The Crown)

A quarta temporada de The Crown é, sem dúvida nenhuma, a melhor temporada da série. E um dos grandes motivos (e surpresas) para elevar a série nesse momento foi a descoberta de Emma Corrin como a icônica Princesa Diana. Corrin, uma atriz desconhecida, compõe uma Diana perfeita na emulação física e corporal da figura da vida real sem que isso se torne uma imitação. Cheia de sutilezas, de tiques bem detalhistas e de um olhar doce, a voz, fragilizada e apaixonada, a Diana de Corrin é uma força de natureza que explode em momentos de vulnerabilidade e de dor que a sua personagem enfrenta com a família real, especialmente em duelos com um também ótimo Josh O’Connor. — Diego Pacheco

(Netflix)

Thuso Mbedu (The Underground Railroad)

Fascinante! Não há outra palavra melhor para descrever o que é assistir a Thuso Mbedu em cena em The Underground Railroad. Que Barry Jenkins tira de seus atores trabalhos excepcionais já é sabido, mas a relativamente pouco conhecida atriz carrega o protagonismo da série com uma força que parece verter de algo muito maior que qualquer um dos dois podia ter desejado a princípio. É uma sinergia absoluta, e em cada cena Thuso Mbedu é absoluta. É difícil para qualquer outro ator confrontar o peso que a atriz coloca em seu papel.

Ela que, por sua vez, carrega o peso absurdo que possui a série de Jenkins, e de forma alguma é uma tarefa fácil. São muitas exigências, e ela constantemente as supera. Não com facilidade, é verdade. Parece um amadurecimento conjunto a personagem e a árdua jornada pelo país que cultiva o racismo com tanto ardor. Thuso Mbedu traz consigo não só o que parece guardar em seu interior, nem Barry Jenkins consigo, mas o que toda uma população negra sofreu e sofre ao longo da história, de uma interminável história de discriminação que refuta as coisas mais básicas do que é ser humano. E nossa interprete também ressalta essas características. Quando se apaixona, quando encontra seu lar, quando encontra seu grande amor, quando encontra sua família. Quando se vê liberta. A visão de Barry Jenkins sobre sua protagonista negra faz toda a diferença, não há duvidas. Por isso mesmo, independentemente de todo o sofrimento, em nada fetichizado, o que ficará na memória é Thuso Mbedu com seu olhar determinante e vislumbrando uma esperança enquanto aquece e reconforta em seus braços o futuro. — Renan Santos

(Amazon Prime Video)

Jean Smart (Hacks)

Possuir quatro décadas de carreira em Hollywood parece algo cada vez mais ligado às figurinhas clássicas do cinema, mas no caso da excepcional Jean Smart, sua história de sucesso foi construída na TV. Meu primeiro contato com a atriz foi quando ela viveu a inesquecível Martha Logan na quinta (e melhor) temporada de 24 Horas. Desde então, descobri que mesmo uma pequena participação especial de Jean em alguma série que eu acompanhava, era certeza de sucesso.

Quando a HBO Max anunciou o elenco de Hacks com a Jean Smart encabeçando a produção, meu radar para peak comedy já ficou aceso, e não deu outra. A atriz, agora Emmy Winner Nominee por encarnar a maravilhosa Deborah Vance, entregou uma das melhores atuações de 2021 como uma rainha da comédia que precisa se reinventar para não ser abocanhada pelas tendências do showbiz. O roteiro de Hacks parece ter sido escrito sob medida para o talento de Jean Smart, que transforma Deborah Vance numa personagem cheia de nuances, até mesmo quando encarna literalmente uma versão de si mesma no Museu de Cera Madame Tussauds. Depois dos papéis mais dramáticos em Fargo, Legion e Watchmen nos últimos anos, é excelente poder acompanhar alguém como Jean Smart em algo tão bom e divertido. Desafio qualquer um a terminar a primeira temporada de Hacks e não entrar para o fã clube da atriz. Como costumam dizer: “a maior que nós temos”. — Zé Guilherme

(HBO Max)

Michaela Coel (I May Destroy You)

Para quem já havia visto Black Earth Rising e Chewing Gum, o talento de Michaela Coel não era desconhecido, mas é de se impressionar a extensão que ela atinge em I May Destroy You, em que ela também atua e escreve. A Arabella de Michaela vai de um tom de humor que exige todo o carisma da sua atriz a um drama muito sério e pesado, em que ela tem de lidar com a confusão de emoções e de um peso gigante que trazem à tona os seus sentimentos particulares, densos, dolorosos e complexos, com questões como estupro, estresse pós-traumático e o trauma disso tudo. Até por ser a autora e a codiretora da série, Michaela é uma força da natureza que se coloca em cada aspecto da série, numa presença de cena impressionante, que faz com que o seu rosto, a sua voz e a forma que ela se locomove em cena se adaptem pelos caminhos que a série segue. — Diego Quaglia

(BBC One/HBO)

Kate Winslet (Mare of Easttown)

Após uma década com papéis aquém do seu incontestável talento, Kate Winslet encontrou um projeto que faz jus a ele. Como a detetive Mare Sheehan, a atriz pôde explorar uma personagem multifacetada, com falhas, traumas, problemas familiares e insatisfação no trabalho. Ao mesmo tempo em que repete os antigos padrões, e nem todos são saudáveis, ela não consegue sair desse ciclo vicioso, tampouco da cidade onde vive. Encontrando um meio campo entre as detetives de The Killing e The Fall, a personagem de Winslet não é um estereótipo da policial masculinizada, conseguindo, inclusive, subvertê-lo em alguns momentos. Mare está de saco cheio de tudo e está machucada. E a performance de Winslet consegue encapsular tudo isso. Sua insatisfação é tamanha que acaba se transformando em uma personalidade rabugenta, que chega a ser engraçado e proporciona momentos cômicos, em especial na relação com sua mãe (interpretada brilhantemente por Jean Smart, inspiradíssima). As batalhas externas se manifestam e são refletidas também nos conflitos internos da personagem — e Winslet garante que o espectador esteja ciente disso. Ela é uma bomba relógio prestes a explodir (ou implodir). Mare pode estar num péssimo momento da vida, em todos os âmbitos, entretanto, sua intérprete encontra-se no topo do seu jogo. — Rodrigo Ramos

(HBO)

Menções honrosas: Jason Sudeikis (Ted Lasso), Kaley Cuoco (The Flight Attendant), Olivia Colman (The Crown), Joel Kinnaman (For All Mankind) e Sterling K. Brown (This Is Us).

MELHORES EPISÓDIOS

Pose — 3×04: Take Me To Church

Direção: Janet Mock | Roteiro: Janet Mock, Steven Canals, Brad Falchuk
Exibido originalmente em 16 de maio de 2021

Desde sua primeira temporada, Pose nos trouxe um frescor e abordagens muito únicas para histórias que foram estereotipadas por anos, e no quarto episódio da terceira temporada, “Take Me To Church”, temos a evolução e amadurecimento de todos esses anos de história que resultam em um dos melhores episódios de toda a série. Com uma performance digna de aplausos, Billy Porter nos mostra um lado nunca antes visto de Pray Tell, nos levando, literalmente, em uma viagem ao passado, em que explora a juventude, religião e relacionamento familiar de forma muito pessoal. Com a junção de elementos que foram utilizados desde o início do seriado, esse episódio nos faz passar por uma montanha-russa de emoções do início ao fim. — Cid Souza

(FX)

Hacks — 1×08: 1.69 Million

Direção: Paul W. Downs | Roteiro: Pat Regan
Exibido originalmente em 3 de junho de 2021

Um dos grandes trunfos de Hacks é o quanto a série faz valer cada minuto que investimos nela. Nada parece sobrar ou faltar. Temos neste episódio um dos melhores 30 minutos da temporada (tanto da série quanto de TV em geral). O episódio já inicia de maneira abrupta, da mesma forma que Deborah Vance recebe a notícia de que vai perder aquela que foi a casa dos seus shows por tantos anos. Esse golpe é o empurrão que faltava para que a nossa protagonista decidisse seguir a sugestão de Ava e mudasse o teor do seu espetáculo. A partir daí temos uma sequência da incrível dupla trabalhando no novo material. As duas dividem ainda momentos com amigas de Deborah, em que o conflito geracional entre elas é bem exposto.

Um dos temas aqui é o quão difícil é seguir nesse meio enquanto mulher devido aos constantes assédios e comentários misóginos dentre outros obstáculos. Neste episódio, vemos o quanto a relação das duas vem crescendo ao ponto que Deborah reflete sobre o que Ava diz sobre o poder que conquistou e como poderia usá-lo para facilitar a vida de mulheres que viriam a seguir seus passos. Vemos um dos pontos altos de Deborah, perdendo a paciência com um humorista machista qualquer em uma cena que dá nome ao episódio com uma boa direção, um texto maravilhoso e uma performance impecável de Jean Smart. “1.69 Million” é uma deliciosa amostra de tudo que funciona e que faz Hacks ser uma das melhores obras no ar, com um primeiro ano tão forte como há anos não presenciávamos em séries de comédia. — Valeska Uchôa

(HBO Max)

For All Mankind — 2×09: Triage

Direção: Sergio Mimica-Gezzan | Roteiro: Bradley Thompson & David Weddle
Exibido originalmente em 16 de abril de 2021

A segunda temporada de For All Mankind sabe muito bem explorar o contexto da Guerra Fria, nos anos 80. Sem dúvida, uma das principais qualidades da série é justamente saber mesclar fatos reais com fictícios de modo orgânico e criativo. “Triage” é um dos ápices do seriado. O episódio é uma consequência de toda a atmosfera de tensão criada ao longo da temporada, tensão essa presente em vários núcleos da série. Desde o incidente na base Jamestown — principal fato da temporada — até o grande embate entre Karen e Ed, além da missão Pathfinder. A direção de Sergio Mimica-Gezzan nos entrega um episódio intenso e dinâmico, que consegue muito bem gerenciar o tempo entre os núcleos. A tarefa de “Triage” era conseguir pegar o grande gancho do episódio anterior, “And Here’s to You”, desenvolver, adicionar novas questões e entregar todos os núcleos prontos para o season finale. Tarefa concluída com louvor, pois esse é um dos grandes episódios de For All Mankind e do ano. — Thiago Silva

(Apple TV+)

Small Axe — 1×02: Lovers Rock

Direção: Steve McQueen | Roteiro: Courttia Newland & Steve McQueen
Exibido originalmente em 22 de novembro de 2020

A antologia Small Axe tem como foco as experiências da comunidade oriunda dos países que compunham as Índias Ocidentais (como Jamaica e Bahamas, por exemplo) entre os anos 1969 e 1982, no Reino Unido. Se 4/5 dos episódios são focados mais em dores dessa população, “Lovers Rock” foge bastante dessa abordagem, sendo um episódio focado quase que unicamente na experiência coletiva das pessoas em uma festa.

Dirigido e coescrito por Steve McQueen, o episódio é uma celebração cultural desse povo, o que ocorre através da música. Na maior parte dos 69 minutos de metragem, “Lovers Rock” pouco diz verbalmente, deixando o espectador absorver a narrativa através dos sons, dos movimentos e das cores. Raras vezes vi a música sendo filmada de maneira tão envolvente e McQueen domina cada cena, fazendo com que sejamos sugados para dentro da tela, ocasionando um sentimento de pertencimento àquela energia, àquela festa. Lançado em um período pandêmico, em que pessoas não podem mais se reunir para dançar e celebrar a vida, o episódio acaba se tornando uma carta de amor aos baladeiros e aos amantes. — Rodrigo Ramos

(Amazon Prime Video)

Hacks — 1×10: I Think She Will

Direção: Lucia Aniello | Roteiro: Ariel Karlin, Jen Statsky
Exibido originalmente em 10 de junho de 2021

Como parte do conceito que vem ganhando Hollywood (uma mulher da velha guarda precisa aprender a trabalhar com alguém de nova geração daquela profissão), Hacks consegue ser melhor do que todas as tentativas de abordagem desse tema. A efetividade do finale só se dá porque a série foi muito competente em criar um vínculo crível nessa relação complicada entre Ava (Hannah Einbinder) e Deborah (Jean Smart), originando uma interação que envolve afetividade, ranço, admiração e receio. É quase uma relação maternal, mas é mais do que isso. Smart e Einbinder nos convencem de que essa relação é real, cujo mérito também é dividido com o brilhante roteiro da série. “I Think She Will” é a mescla perfeita entre os momentos mais humanos e vulneráveis de suas personagens juntamente com piadas afiadíssimas, que surgem em momentos inesperados e de todos do elenco. O cinismo do seriado traz flashes de Veep à mente, portanto, não há como terminar a temporada de maneira mais satisfatória do que essa, ainda mais com um gancho desgraçado e que vai deixar seu público extremamente curioso sobre o que virá pela frente. E, diferentemente de algumas ótimas séries em seus anos iniciais e que poderiam terminar satisfatoriamente ali, Hacks realmente parece que tem muito ainda a contar. — Rodrigo Ramos

(HBO Max)

Mare of Easttown — 1×07: Sacrament

Direção: Craig Zobel | Roteiro: Brad Ingelsby
Exibido originalmente em 30 de maio de 2021

Assistir Mare of Easttown, sem dúvida, é uma daquelas experiências televisivas que fazem valer a pena gostar de audiovisual. A cada episódio, a trama cresce, as reviravoltas acontecem e, em boa parte do tempo, pegam o público desprevenido. Só que em “Sacrament”, último episódio da minissérie, as coisas ultrapassam tudo o que foi mostrado até então. Poderia passar muito tempo falando sobre as reviravoltas desse último episódio e como elas funcionam bem dentro da trama e da construção narrativa na minissérie, mas Mare of Easttown é mais que uma trama cheia de pontos de virada bem feitos. Ela é um estudo de personagem excelente, e é uma narrativa sobre mulheres com muitas nuances a analisar. E este episódio é a coroação de uma temporada muito competente.

Se a história gira em torno da construção da personagem da Mare, interpretada com maestria pela Kate Winslett, em um papel que realmente faz jus a todo o seu talento como atriz, nesse último episódio vemos mais nuances da detetive e do seu comprometimento com seu trabalho. Só que com os rumos inesperados da investigação que mexem com sua própria vida, também podemos observar a desconstrução das diversas paredes que ela criou para não lidar com sua dor, para aceitar a sua perda. E como é catártico ver a Mare finalmente lidando com seu luto. E muito do episódio — e até mesmo da minissérie — é sobre isso: a dor de ser mãe e os lutos da maternidade, não importa de que forma eles venham. E isso independente de você ser uma mãe cheia de problemas como a Mare ou uma que aceita o papel materno de forma praticamente perfeita e abnegada, como Lori, a sua melhor amiga. A maternidade é difícil, independente da sua relação individual com ela. E traz pesos que ultrapassam as próprias escolhas pessoais.

Durante toda a trama, vimos Mare ser a mãe quebrada, a mulher quebrada e que não se encaixava nos padrões. No fim, ela continua sendo isso. Mare of Easttown não é o tipo de série que te dá um final irreal. É uma obra muito humana, com personagens muito humanos. Só que após toda a dor e trauma que ela passou, ao fim ela consegue seguir em frente, mesmo quebrada. E é o mesmo com Lori, a personagem que viu a vida ser completamente devastada pelo crime que ocorreu na cidade. Aquelas mulheres passaram por tanto que jamais poderão ser o que foram antes dos seus traumas. E tudo isso é construído de forma muito dolorosa, mas crível. E com interpretações brilhantes, merecedoras de reconhecimento. “Sacrament” é um daqueles episódios de série que ficam com você por muito tempo, porque é difícil deixar para trás o peso de uma narrativa tão potente. É televisão de primeira qualidade! — Carissa Vieira

(HBO)

The Underground Railroad — 1×09: Chapter 9: Indiana Winter

Direção: Barry Jenkins | Roteiro: Barry Jenkins
Exibido originalmente em 14 de maio de 2021

Essa é a América! E a música de Childish Gambino ao fim de “Inverno de Indiana” surge apenas para confirmar o que era óbvio no decorrer do episódio. De certa maneira, é o fim da história, em que se encerram as principais tramas — o décimo episódio serve mais como um epílogo. É um episódio produzido de forma brilhante, mas que se revela demasiadamente cruel por seu desfecho e, infelizmente, necessário. Expõe que o racismo é também fielmente acompanhando pelo capitalismo. Uma sociedade negra autossuficiente e mais próspera do que aquela estabelecida pelos vizinhos brancos é um filme de terror para alguns. Seja na ficção, seja na nossa realidade atual. Parece simplesmente impensável. Mas não há nada nesse mundo que o negro não possa fazer. Por isso, este nono capítulo é, em si, uma catarse.

Existem várias dentro do episódio, é verdade, mas ele, no todo, é a principal. Desde o estabelecimento de Cora (Thuso Mbedu) entre seus novos vizinhos, em sua nova sociedade, à sua escolha derradeira em relação a seu destino. E Barry Jenkins conta essa história com maestria. Primeiro, com toda a construção romântica não só da comunidade, que nos rende aquela belíssima cena de todos daquele núcleo nos encarando, mas de Cora e Royal (William Jackson Harper), quando os dois finalmente consumam seu relacionamento. Há toda a estética já conhecida da filmografia de Barry Jenkins ali. Ainda assim, é impossível não se sentir tocado pelo poder de suas imagens e de seus personagens. A sensibilidade da troca entre os dois é de um sentimento extraordinário. Parece uma eternidade de acolhimento enquanto os dois se apaixonam cada vez mais. E o imperativo ali é a alegria, a prosperidade finalmente se tornando uma realidade. Seres humanos sendo tratados como sempre deviam. Nutrindo uma força que culmina no debate na igreja, da força imensurável do negro e sua união, e a conclusão do óbvio: o homem branco não se contenta enquanto não tiver o todo.

Mas é uma coisa esplêndida a virtude do negro em construir e reconstruir através da necessidade. Porque não há nenhum lugar pré-estabelecido para ele. O “imperativo americano”, então, não passa de uma linguagem e cultura de ódio, é em si uma tragédia. Um sonho obsessivo que corrói tudo a sua frente em puro descontrole e cujo lugar no mundo é compreendido quando se é respondido na mesma língua. Na única língua que ele é capaz de compreender. Mas não na mesma moeda. Porque não há nada nesse mundo que o negro não possa fazer, inclusive se ver e ser livre. E essa é a América. — Renan Santos

(Amazon Prime Video)

Mare of Easttown — 1×05: Illusions

Direção: Craig Zobel | Roteiro: Brad Ingelsby
Exibido originalmente em 16 de maio de 2021

O quinto episódio de Mare of Easttown começa a desatar os nós das tramas criminais e pessoais de seus personagens e a apontar para a sua resolução final. Após a revelação nos últimos momentos do episódio anterior, em que a jovem Katie Bailey, filha de uma ex-amiga de Mare que havia sido raptada, ainda estava viva e sendo mantida em um cativeiro por um predador desconhecido, “Illusions” eleva a tensão com Mare supostamente afastada da força policial e, especialmente, da investigação da morte de Erin McMenamin. 

Ao mesmo tempo que lida com os diversos impasses em sua carreira, Mare começa a acessar suas memórias traumáticas com o filho e, como logo descobrimos, um histórico de depressão e suicídio que também vitimou seu pai. Como em toda a série, a atuação de Kate Winslet é um destaque. Na cena com sua analista, ela passeia por todos os seus sentimentos conflitantes e, finalmente, se abre em toda a sua vulnerabilidade, uma filha traumatizada, uma mãe devastada, uma avó aterrorizada. Ao mesmo tempo, a atriz segue nos presenteando com o jeito meio tosco, interiorano e duro da personagem, uma mulher de meia idade que só conhece essa vida e nunca tirou tempo para realmente pensar em seus traumas e tentar trabalhá-los. 

O roteiro faz um ótimo trabalho em juntar diversas pontas da história, começando com o caso da velhinha que ligava constantemente para Mare reclamando de um homem observando sua neta, e morre antes mesmo do primeiro plano do episódio, detonando uma série de eventos que culminam na maravilhosa cena entre Mare e sua mãe, Helen, cujo caso extraconjugal com o marido da senhora é revelado pelo mesmo de supetão no meio de seu velório, para a alegria de Mare, que pode finalmente virar o jogo com sua mãe. O episódio tem diversos momentos de descontração, como o embaraçoso jantar “romântico” entre Mare e Zabel, em que ela tenta diversas vezes obter informações sobre o caso e o jovem e apaixonado detetive tenta, inutilmente, construir um laço afetivo entre eles. 

Tais momentos são válvulas de escape mais do que bem vindas em um episódio que se torna progressivamente agourento, com o casamento em frangalhos de Lori (a eternamente triste, mas sempre tocante Julianne Nicholson), os arroubos de violência de seu filho, Ryan, e as ações mais do que suspeitas de Dylan, que volta a se tornar um candidato ao assassinato de Erin, mãe de seu não-filho. Bom, até escrevendo fico meio tonta com todos esses relacionamentos e olha que estou deixando muita coisa não dita, até porque se formos descrever todas as linhas que costuram a difícil, e incestuosa, história da série, bom, seria um incrível tratado psicanalítico.

Terminamos com uma morte realmente inesperada, cujo impacto sentiremos pelo resto da série (ok, são só mais dois episódios, mas mesmo assim), e uma cena de perseguição agoniante que se destaca como um dos momentos de maior tensão e imprevisibilidade da série. “Illusions” merece seu lugar nessa lista exatamente por exemplificar e aglutinar em seus 50 minutos todos os temas e movimentos dramáticos da série. Explorando a humanidade e fragilidade de seus personagens, sem perder os pequenos momentos de uma sinceridade quase ingênua, numa mistura de banalidade e seriedade por vezes encantadora, e com atuações fortes e tocantes, a série se aproxima do fim com uma grande promessa. Se ela é ou não cumprida é outra história, mas a jornada se mostrou vastamente divertida. — Mariana Ramos

(HBO)

For All Mankind — 2×10: The Grey

Direção: Sergio Mimica-Gezzan | Roteiro: Matt Wolpert & Ben Nedivi
Exibido originalmente em 23 de abril de 2021

Silenciosamente, a Apple TV+, que inicialmente era motivo de chacota por quem é aficionado por séries, foi criando algumas das principais pérolas da atualidade na TV. For All Mankind é uma delas. Cocriada por Ronald D. Moore (Battlestar Galactica, Star Trek: The Next Generation), alguém que entende como funciona o conceito de televisão, a produção abraçou o formato em que se encontra, criando assim algo que respeita o mundo seriático.

Dito isso, “The Grey” é a celebração do entretenimento seriado. São vários os plots que precisam ser resolvidos, mas deixando ali os ganchos para dar continuidade à série. Ao mesmo tempo em que precisa chegar em determinados pontos, nunca faz isso sacrificando seus personagens. As narrativas individuais se intercalam para concluir uma jornada concisa e orgânica. Em meio aos conflitos, pessoais e políticos, ação, tensão e muita emoção, For All Mankind faz tudo certo neste irretocável finale. É uma verdadeira aula de televisão. — Rodrigo Ramos

(Apple TV+)

I May Destroy You — 1×12: Ego Death

Direção: Michaela Coel, Sam Miller | Roteiro: Michaela Coel
Exibido originalmente em 13 de julho de 2020

Michaela Coel mostrou-se corajosa em abordar as temáticas de I May Destroy You da maneira que o fez, mas é no finale de sua minissérie que ela chega ao ponto mais audacioso de sua carreira e da produção. Em “Ego Death”, Coel explora as múltiplas possibilidades para o final da jornada da protagonista. Afinal, como lidar com o trauma? Existe maneira correta? Será possível superar o que lhe aconteceu? Há verdadeiramente um desfecho? Brilhantemente, Coel faz um exercício de roteiro de dar inveja e que culmina em um experimento audiovisual único, jamais visto na TV. Mesmo que as respostas não sejam definitivas, ao menos dentro do que normalmente se espera, a conclusão narrativa está lá. Entre o surrealismo e a realidade crua e dolorida, I May Destroy You encerra-se de modo inesperado, por oras chocante, e é extremamente recompensador. É a obra-prima episódica da temporada 2020/2021. — Rodrigo Ramos

(BBC One/HBO)

Menções honrosas: Hacks — 1×06: New Eyes, The Underground Railroad — 1×05: Chapter 5: Tennessee – Exodus, Lovecraft Country — 1×09: Rewind 1921, Small Axe — 1×01: Mangrove, PEN15 — 2×07: Opening Night.

MELHORES SÉRIES (COMÉDIA)

Mythic Quest (Apple TV+) — Segunda Temporada

Nós precisávamos de uma boa série que se passa dentro de um ambiente de trabalho. Com Superstore despedindo-se neste ano, o público necessitava de uma substituta. E Mythic Quest vem para assumir o posto, com muito louvor. Se a primeira temporada já dava vislumbres do que poderia ser, a segunda consolida a série como uma das melhores comédias da atualidade. Cheia de personagens irritantes (porém, carismáticos) e com deliciosos desvios de caráter, o segundo ano investe nas histórias individuais, enquanto no fundo discorre o plot principal, que acaba não sendo tão relevante quanto as interações no dia a dia deles. De um modo distorcido, a série consegue nos fazer simpatizar até com um homem branco idoso misógino. Uma das coisas bacanas da série é justamente subverter arquétipos. Outro exemplo disso é colocar uma mulher na posição de chefe insuportável e abusiva com seus funcionários, no mesmo nível do seu colega masculino. O egocentrismo é central na série, que mostra que mesmo os narcisistas possuem sentimentos — inclusive, parte do comportamento torto deles origina-se de um local de dor. Profundo, né? Por fim, o melhor elogio que posso fazer à série é dizer que ela me recorda de alguns dos momentos mais brilhantes de Community. Portanto, assistam. — Rodrigo Ramos

(Apple TV+)

The Flight Attendant (HBO Max) — Primeira Temporada

Se você se surpreendeu ao saber que Kaley Cuoco é, na verdade, uma ótima atriz, saiba que não foi o único. Após sua saída de The Big Bang Theory, que certamente lhe garantiu o financiamento para a sua aposentadoria no futuro, ela mostrou-se interessada em projetos mais audaciosos e que edificassem sua carreira. Além de fazer um trabalho excepcional de dublagem em Harley Quinn, Cuoco prova que é talentosa de corpo inteiro em The Flight Attendant, um suspense cômico que bebe um pouco da fonte de Killing Eve e prova-se superior até mesmo do que as temporadas 2 e 3 da sua referência. A chave aqui é saber manter o mistério vivo, mas sem que isso se torne o único atrativo da produção. No meio dessa comédia de erros, com personagens excêntricos e cativantes, a produção também consegue trabalhar com temas mais densos, o que até a deixa num limbo sem definição ao certo de qual gênero pertence (está listado aqui como comédia porque é o que a própria série diz ser, e nós aqui respeitamos a identificação de gênero dos outros). Honestamente, não estou muito confiante que teremos uma segunda temporada no mesmo nível da primeira, entretanto, aceito ser provado do contrário. — Rodrigo Ramos

(HBO Max)

Search Party (HBO Max) — Terceira e Quarta Temporadas

Com duas temporadas lançadas neste período de elegibilidade, Search Party é obrigação em qualquer lista das melhores comédias da atualidade. A série satiriza a geração dos millennials abusando do nonsense e do exagero para criticar de maneira ácida os jovens adultos de classe média e alta. Num momento em que a realidade flerta tanto com o absurdo, Seach Party consegue entregar o seu melhor, principalmente em sua terceira temporada. O julgamento de Dory Sief e Drew Gardner trouxe os momentos mais surtados e hilários dos últimos anos, a começar pela inusitada advogada de defesa vivida por Shalita Grant. Entretanto, por mais que a série proponha muitas situações inusitadas, o roteiro entrega personagens extremamente reais, cheios de hipocrisia, contradições, narcisismo e egoísmo. É preciso destacar o elenco que compõe tão bem este grupo de hipsters, desde Alia Shawkat e John Paul Reynolds, até os coadjuvantes que muitas vezes roubam a cena, Meredith Hagner e John Early. Por mais que a quarta temporada não tenha sido capaz de manter o altíssimo nível da temporada anterior, é inegável que Search Party é uma das melhores comédias no ar e divertiu bastante o seu público com inusitadas perseguições de carro, flashmobs, sequestros, casamentos, assassinatos e reviravoltas. — Diogo Pacheco

(HBO Max)

Superstore (NBC) — Sexta Temporada

Superstore acaba como começa: uma sitcom de riso rasgado que aproveita absolutamente todas as oportunidades para criticar duramente o grande capital. Nessa que é uma das melhores comédias contemporâneas, humor e política se misturam sempre, e a série esteve aí durante seis anos provando que sitcom é sim lugar de críticas e reflexões, e que é possível fazer rir com “assuntos sérios” sem perder a leveza. E estou falando de rir de gargalhar, tipo quando a Cheyenne fica nervosa.

Depois de uma quinta temporada irregular, o anúncio de que a sexta temporada seria a última não poderia ter vindo em melhor hora, embora certamente precipitado pela pandemia e pela saída de America Ferrera (a protagonista Amy Sosa) da série. Ainda assim, isso deu à sitcom – que já exibia os primeiros sinais de desgaste e enrolação por falta de um fim à vista – a chance de fechar com chave de ouro e traçar um rumo certeiro até a series finale.

A última temporada de Superstore, para mim, faz uma das melhores (e uma das poucas realmente boas) abordagens da pandemia. Com foco no tema central da série, a pandemia se torna terreno fértil para criticar duramente as grandes corporações, mais preocupadas em manter margens de lucro e proteger produtos, do que em zelar pela saúde dos funcionários. A sexta temporada navega com habilidade no limite entre não fingir que não há nada acontecendo, e não pesar demais uma série feita para fazer rir, espairecer e trazer conforto. E só deus sabe o quanto isso foi e continua sendo essencial na crise que estamos atravessando.

Os episódios dessa última temporada seguem a mesma lógica do restante da série: se fecham bastante em si, mas sem abandonar totalmente um arco narrativo. Só que dessa vez o arco aproveita construções plantadas ao longo da série inteira, não somente da temporada, evocando com desenvoltura uma sensação imediata de nostalgia. O mesmo acontece com o desenvolvimento (e desfecho) dos personagens: todos terminam na medida justa de seus desejos, personalidades e relações que vimos serem construídos ao longo de seis anos. O series finale é uma verdadeira ode à narrativa seriada. E, assim sendo, não tem como não emocionar e deixar saudades. — Luiza Conde

(NBC)

Master of None (Netflix) — Terceira Temporada

Master of None conquistou o público com suas diferentes qualidades desde sua temporada de estreia, especialmente com episódios focados em temas mais específicos, como “Parents”. Contudo, foi em sua segunda temporada que a série alçou voo completo nesse quesito, em episódios memoráveis como “New York, I Love You” e, obviamente, “Thanksgiving”. Depois de alguns anos sem qualquer esperança sobre seu futuro, fomos surpreendidos com o anúncio de uma terceira temporada focada na personagem de Lena Waithe, protagonista em “Thanksgiving”, e coescrita por ela e Aziz Ansari.

No contexto imposto pela pandemia, a influência parece se refletir não somente na produção da série, mas também em como ela funciona no todo. O clima intimista não é só nas restrições de segurança, mas na forma como o roteiro explora seus personagens. Assim, mesmo que nas temporadas anteriores houvesse um quê dramático, ainda havia humor suficiente pra se vender como comédia. Em “Moments in Love” acredito que seja difícil até vender a série como “dramédia”. Essa sendo a proposta, no entanto, não há nenhum problema. Inclusive, o único defeito em “Moments in Love” é a falta da presença de Angela Bassett, que podia ter aparecido pelo menos em uma videochamada para alegrar nossos corações. Uma pena que sua participação tenha sido reduzida a uma chamada telefônica relâmpago.

Em contrapartida, somos introduzidos à personagem de Naomie Ackie e, não somente no episódio focado nela, mas em toda a temporada, ela entrega uma das melhores atuações do ano. Sem dúvidas, é no quarto episódio que ela mais sobressai, num espectro de emoções que vão desde partir o coração a nos deixar com lágrimas de alegria. É ela sozinha quem sustenta o melhor episódio da temporada, em que a vulnerabilidade a qual a personagem é exposta é interpretada de maneira brilhante. É um episódio especial dentro de uma temporada (?) atípica, mas sua força é justamente pelo que se estabelece antes, numa exploração do romântico que faz jus ao que se espera de Master of None, não à toa uma disrupção no relacionamento das protagonistas começa quando o personagem de Aziz Ansari — sem respostas diretas sobre o fim da segunda temporada — entra em cena. Mas é em como estabelece seus personagens, seu discurso, sua reflexão, que torna o episódio protagonizado por Naomie Ackie numa força a ser reconhecida. E o episódio final vem para confirmar isso. “Moments in Love” é o amor em seu estado bruto. Ambíguo, contraditório, confuso, solitário, aconchegante, infindável, cansativo e uma outra infinidade de adjetivos. São momentos, e são para sempre. — Renan Santos

(Netflix)

How To with John Wilson (HBO) — Primeira Temporada

John Wilson é um documentarista que coloca o seu olhar nas pequenas grandes coisas da vida e que movem as suas metrópoles e ruas. Ele estuda a cidade de Nova York para trazer os mais diferentes assuntos e temas dos mais banais, esquisitos, inusitados e a participação disso em vidas cotidianas e no cotidiano urbano, passando pelos mais diferentes tons, e domina completamente diferentes abordagens de como se lidar com esses assuntos e temas, examinando com uma câmera que é distante, mas apaixonada, que diz tudo com as suas tomadas e vai se revelando uma série cada vez mais surpreendente. — Diego Quaglia

(HBO)

Dickinson (Apple TV+) — Segunda Temporada

Dickinson é uma série livremente baseada na vida e na obra da poeta de mesmo nome. Hailee Steinfeld está cada vez mais confortável em um papel que parece ter sido escrito sob medida para ela, que é dona de um timing tragicômico perfeito para o tom que a série trouxe à memorável poeta. A série segue acertando muito bem no humor anacrônico, baseado em imprimir nos personagens do século XIX estereótipos atuais. Assim como em sua temporada inicial, aqui temos a faceta do realismo mágico, que confere um tom sombrio à série. Nesse sentido, surge o personagem Nobody, que vai acompanhar Emily em seus momentos de dúvida e medo em relação à sua carreira e fama. A busca pela fama, aliás, foi o tema central da série nesse ano e quem efetivamente auxilia Emily nessa jornada é Samuel Bowles, amigo de Sue, vivido por Finn Jones, uma grata adição ao elenco.

Além de tudo, Dickinson é ainda uma série de amadurecimento. Em seu segundo ano, vemos não apenas a nossa protagonista passando por esse processo, como também seus irmãos. Lavinia se torna uma das mais divertidas personagens e sua relação com Shipley rendeu algumas das cenas mais engraçadas da temporada. Enquanto Austin apresenta um grande crescimento à medida que busca dar sentido à sua vida em meio a crises existenciais, o desejo de construir uma família e o apoio à revolução ao lado de Henry. Isso tudo aliado a boas atuações, uma trilha sonora autêntica e um texto sagaz fazem de Dickinson uma das séries mais interessantes no ar. — Valeska Uchôa

(Apple TV+)

PEN15 (Hulu) — Segunda Temporada

Pessoalmente, acho impressionante a maneira como se encerra a segunda temporada de PEN15, levando em conta como tudo tem início. Se no primeiro ano, mesmo com alguns pequenos deslizes, a série já figurava entre uma das melhores comédias da temporada, em seu reduzido retorno — infelizmente, são apenas sete episódios — a dupla de protagonistas volta não só com um texto muito mais afiado, mas com toda uma produção muito mais alinhada e que resulta diretamente em uma série de acertos que não a deixam decair em momento algum. O que quer dizer que o constrangimento em ver Maya Ishii-Peters e Anna Kone navegando pelo colegial é ainda maior. Porém, agora, o controle sobre tudo é tão grande que a maneira como a própria série navega com tanta fluidez pela comédia e mistura diversas referências e gêneros potencializa ainda mais o todo e funciona como a peça em que as melhores amigas protagonizam, cada uma à sua maneira, no final da temporada.

O ritmo é muito mais agradável neste segundo ano, o que só ressalta as inserções geniais de edição, pequenas anedotas e momentos cada vez mais lúdicos com vivências que são ou foram comuns a todos. Porque, no fundo, PEN15 fala sobre isso, esse processo de autoaceitação em um ambiente hostil e com hormônios à flor da pele onde imperam ingenuidade e ignorância. E aí vem o contraste com o fim da temporada, quando a vida dá uma rasteira em nossas personagens e o choque é um sentimento agridoce em meio ao momento de glória de Maya e Anna. Afinal, a vida toda é feita de ambientes hostis onde tropeçamos até, enfim, encontrar o jeito certo da coisa andar. Como o trio cocriador da série — Maya Erskine, Anna Konkle e Sam Zvibleman — fala sobre isso, mesclando vários temas difíceis em meio a tudo, é o que a torna tão especial.

Erskine e Konkle com certeza são o expoente disso. A maneira como se encaixam com o elenco mirim/juvenil/adolescente (como queira) é um trabalho por si só encantador. Contudo, é melhor ainda quando abre portas para discutir temas com a sensibilidade necessária sem abusar da infância/adolescência do restante do elenco e discutir diversos tabus que, com certeza, ecoam na cabeça de muita gente até hoje. É intrínseco ao que somos e ainda dá a liberdade, por exemplo, de vaginas animadas terem sua voz aos créditos finais. Ah, e o elenco jovem é excelente! É preciso ressaltar como o trabalho com eles é tão bem feito que torna tudo ali tão crível e constrangedoramente gostoso de acompanhar.

PEN15 é hilária, mas em seu segundo ano a série se define como uma das comédias mais relevantes em exibição, enquanto o talento ali permite ser algo muito além do que uma bem-vinda risada semanal. Erskine e Konkle são tão mágicas quanto suas personagens em cena e, em tempos tão sombrios, uma amizade como a das duas é mais que suficiente para alegrar e energizar qualquer coração. Só espero não me tornar uma Maura me sentindo tão próximo das duas depois de tudo que vivemos nessa segunda temporada… — Renan Santos

(Hulu)

Ted Lasso (Apple TV+) — Primeira Temporada

Ted Lasso, com sua primeira temporada, se tornou o feel-good-show de 20-21. Os mais chatos dizem (com razão) que a série não tem nenhuma grande inovação estética ou narrativa. Que, apesar de engraçada, não tem piadas especialmente originais ou brilhantes. Mas é justamente essa familiaridade que torna a série tão querida. A costura feita por Bill Lawrence (um veteranaço da indústria, produzindo comédia com regularidade a um quarto de século) é rica justamente por trazer elementos tão básicos e comuns em tão alto nível. É uma metáfora do próprio personagem principal. Jason Sudeikis está irresistível, no papel de sua vida. Do tipo que nem precisamos ter visto os outros pra afirmar isso. — Juliano Cavalca

(Apple TV+)

Hacks (HBO Max) — Primeira Temporada

Ser apaixonado por TV está ligado diretamente ao fato de que a gente sabe quando uma temporada anual foi fraca. Depois de um semestre morno como o segundo de 2020, a primeira metade de 2021 trouxe diversas surpresas boas e a maior delas, sem dúvidas, foi Hacks, da HBO Max. Com uma premissa simples e que faz referência a produções como O Diabo Veste Prada e Veep, a série narra as desventuras de uma dupla improvável: uma comediante decadente de Las Vegas e uma jovem roteirista fracassada. Deborah Vance e Ava Daniels se encontram no pior momento de suas vidas e vão aprender a se redescobrirem como mulheres independentes no mundo do showbiz.

Carregada por uma entrega primorosa das atrizes Jean Smart (uma veterana implacável) e Hannah Einbinder (o breakthrough role de 2021), Hacks é um sucesso em tudo o que se propõe. Com um texto ácido do trio de roteiristas da saudosa Broad City, a série traz aquele espírito das melhores dramédias da HBO, em que num minuto estamos rindo de uma piada escatológica com referências improváveis e no outro estamos aos prantos com uma reação emocionante de alguma das protagonistas. Genuinamente divertida, atual e magnética, Hacks é indispensável para qualquer fã de boa TV. — Zé Guilherme

(HBO Max)

Menções honrosas: WandaVision (Disney+), Girls5Eva (Peacock), Zoey’s Extraordinary Playlist (NBC), Mom (NBC) e Corporate (Comedy Central).

MELHORES SÉRIES (DRAMA)

It’s a Sin (Channel 4/HBO Max)

A efervescência da juventude é o pontapé inicial de It’s a Sin, com o descobrimento da sexualidade e a aceitação por seus amigos. Um novo mundo. Entretanto, a vibe positiva de um tradicional coming of age sorrateiramente vai se transformando em uma verdadeira história de terror. A minissérie britânica narra a chegada da epidemia da AIDS no Reino Unido na década de 1980 e a faz de modo muito maduro, sem jogar de forma desmedida a questão emocional, mas evidenciando a seriedade da doença e os efeitos na vida das pessoas, especialmente em um tempo em que a enfermidade era cercada de preconceito. Em tempos de pandemia da Covid-19, é possível até traçar alguns paralelos com a trama e o que atualmente ainda vivemos, em termos da desinformação e do negacionismo, o que resulta, naturalmente, em tragédia. It’s a Sin vai do mais puro entusiasmo, transbordando a alegria de viver, até a mais profunda dor, entregando um final que de doce não tem nada. Necessário e certeiro. — Rodrigo Ramos

(Channel 4/HBO Max)

Small Axe (BBC One/Amazon Prime Video)

O debate sobre “isso é televisão” e “isso é cinema” volta e meia aparece quando autores da sétima vão trabalhar em séries ou minisséries. Steve McQueen não é o nem o primeiro e nem será o último nome de uma lista que tem David Lynch, Krzysztof Kieślowski, Alfred Hitchcock, Lars Von Trier, Ingmar Bergman, Roberto Rossellini, Steven Soderbergh, Barry Jenkins, Jane Campion, Tobe Hooper, David Fincher, Jean Luc–Godard e diversos outros. E com a inclusão desses artistas em séries, minisséries ou experimentações na televisão, sempre surge aquele questionamento: eles estão fazendo TV ou cinema? É um questionamento tolo já que esses cineastas estão na televisão, estão contando narrativas seriadas, estão se utilizando dessa forma para construírem linguagem e é superficial demais com a própria televisão achar que uma série de TV tem que “ser cinema ou parecer cinema para ser boa” e que uma série de TV não pode ter um cuidado maior com a linguagem visual, com a imagem e ainda assim ser uma série de TV.
 
O mesmo jeito que é tolo também, na minha opinião, é a resistência de que o cinema e a televisão se conversem, afinal tudo é audiovisual, tudo é arte, tudo é lindo e é claro que uma arte sempre vai se conversar e se somar com a outra, e nem por isso um deixa de existir enquanto série ou enquanto filme, mas um pode sempre se alimentar dos benefícios de cada linguagem e experimentar desafiando o seu formato. Por isso, a mídia de séries é aberta para todos os tipos de artistas que queiram nela experimentar, como o cinema também é (vide diversos diretores de cinema que começaram a carreira na televisão, como Michael Mann, Steven Spielberg, Don Siegel, Matt Reeves, Sam Peckinpah, Robert Altman e por aí vai). Por isso esse tipo de rixa de briga é tão boba e é tão importante que o que Steve McQueen faz em Small Axe, uma antologia que passa diferentes décadas de 1960 até 1980 para retratar as vidas da comunidade preta em Londres de imigrantes das índias Ocidentes que sofrem diferentes formas de racismo, opressão e os relacionamentos entre aquelas comunidades com a sua própria negritude.
 
“Mangrove” é uma obra–prima sobre a maestria narrativa de nunca se calar mesmo quando não é ouvido, sobre nunca desistir mesmo quando a opressão interminável, sobre o poder do coletivo e sobre o domínio de te contar uma história e de te conduzir pela revolta e os sentimentos daquela situação. Já “Lovers Rock” usa da sua estética e da câmera para mostrar a liberdade – seja de vida, sexual, de ideias e de posicionamentos – para lidar com os corpos daqueles personagens num trabalho musical, sonoro e visual impecável. “Red, White, and Blue”, “Alex Wheatle” e “Education” são estudos de personagens que retomam e olham para diferentes espaços na forma de debater e usar da arte para acrescentar poder á aqueles assuntos e temas. — Diego Quaglia

(BBC One/Amazon Prime Video)

In Treatment (HBO) — Quarta Temporada

O reboot de In Treatment ecoa as questões da atualidade. Incorpora tópicos como pandemia, terapia por videochamada, o isolamento do mundo exterior, a “cultura do cancelamento” (detesto o termo num contexto que não seja meme, mas é a melhor forma de resumir o tema). Simultaneamente, não deixa de dividir os dias da semana por pacientes, com uma única modificação (o dia de terapia do próprio terapeuta, que se diluiu e virou um exclusivo de problemas pessoais da protagonista). Tudo isso em um visual mais moderno, arrojado, além de uma linguagem mais atual e menos, digamos assim, vinda de homem de meia idade. A nova temporada de In Treatment traz algumas das melhores coisas da série original, atualiza outras que necessitavam, encontra os altos e baixos com alguns pacientes não tão empolgantes, mas compensa isso com performances bastante inspiradas, principalmente de sua protagonista, Uzo Aduba (provando-se novamente uma das melhores atrizes da atualidade), e John Benjamin Hickey (ele simplesmente arrebenta, o melhor paciente deste Sophie, na primeira temporada da série). O quarto ano faz jus às temporadas clássicas, mas a série ainda pode ser aprimorada. Esperamos que haja uma nova oportunidade. — Rodrigo Ramos

(HBO)

Lovecraft Country (HBO) — Primeira Temporada

Quando a gente pensa em séries de “drama” que se tornam produtos de sucesso, raramente vem à nossa mente um show de TV com protagonistas negros. Aos negros, em geral, só é permitida a comédia ou a posição de coadjuvante nas narrativas principais de drama. Nos últimos anos, uma ou outra série traz elencos mais equilibrados com relação às questões raciais, mas ainda assim tendo criadores brancos. E só por isso Lovecraft Country já poderia ser considerada uma série marcante. Só que quando vamos analisar mais a fundo, podemos perceber que a série de Misha Green tem um grande número de detalhes que a tornam importante. Pra começar, não é todo dia que uma showrunner mulher — e negra — pode parar para contar a história do negro americano dentro de uma perspectiva de horror. E Lovecraft faz não apenas isso, como se vale de referências brancas racistas da literatura de horror cósmico, para não apenas criticar esse racismo, como subvertê-lo. E isso com um elenco de atores muito competente. Mas, para além da concepção da série, um dos pontos altos de Lovecraft Country é como ela se propõe a trazer os mais diversos subgêneros do horror para seus episódios, já que cada um traz referências de um subgênero específico para dentro da narrativa. Tudo isso sem ser apenas virtuosismo estético ou exagero de fã. Em Lovecraft Country, você tem protagonismo negro do início ao fim, com uma narrativa que faz questão de criar tramas importantes para cada personagem. Em que pessoas negras são mais do que os arquétipos que geralmente a televisão e o cinema costumam trabalhar. Na série de Misha Green, negros importam, suas vidas importam e suas histórias também. Sem dúvida, uma das criações mais interessantes e importantes de 2020. — Carissa Vieira

(HBO)

Pose (FX) — Terceira Temporada

Séries de autoria ou de cocriação de Ryan Murphy nunca foram conhecidas pela sutileza. Pose não foge da regra, com alguns discursos batidos, aquele clichê bem furreca, mas, dentro do contexto de Pose, faz até certo sentido. É quase um charme. Se algumas escolhas do roteiro não são as mais acertadas, como um todo, Pose construiu algo especial em três temporadas. Se faltava algo em técnica, a série conseguia compensar com a carga emocional que ela imprime. A terceira e última temporada é mais uma constatação disso.

Nem todas as escolhas neste último ano do seriado são corretas, mas a produção é capaz de cativar com suas personagens e seus arcos. Ao fim do dia, os defeitos não se sobrepõem às virtudes. Na terceira temporada, inclusive, os problemas são diminuídos, uma vez que a quantidade de episódios foi reduzida a somente oito (sendo dois deles compondo o finale). Com mais foco e tendo ciência de que teriam de finalizar a história contada aqui, Steven Canals, Janet Mock e Our Lady J (o trio por trás da série ao longo dos três anos) conseguem dizer adeus com sabedoria, dando finais dignos aos personagens. Nenhum caminho é fácil, todos são custosos, mas os responsáveis pela produção certificaram-se de entregar um final mais feliz do que não, uma forma até mesmo de dizer à comunidade LGBTQIA+ que há esperança e nos lembrando de que família é aquela que nós escolhemos.

Pose chega ao fim como um marco para a televisão e para a representatividade. Os Evangelistas despedem-se, mas não sem antes nos deixar um abraço caloroso. — Rodrigo Ramos

(FX)

The Crown (Netflix) — Quarta Temporada

Abrindo mão de vez do comprometimento com os fatos (nunca foi muito o forte da série, na verdade), The Crown mergulha na temporada que poderia ter o subtítulo “fofoca”. Em termos de entretenimento, isso é ruim? Absolutamente não. A liberdade criativa na hora de escrever permite que a série entregue sua temporada mais divertida, fluída e barraqueira. O período temporal usado por Peter Morgan aqui traz à trama duas figuras icônicas do Reino Unido, Margaret Thatcher e a Princesa Diana. Esta, em especial, sequestra a série para si, dividindo a atenção principal da narrativa com Charles. Para o bem e para o mal, a Rainha Elizabeth acaba tornando-se coadjuvante da própria história.

O quarto ano volta a tratar como a realeza sufoca as pessoas que participam desse quase culto, mas desta vez focando-se mais pelo olhar de quem acaba juntando-se posteriormente e não nascendo dentro deste fardo. Definitivamente, Peter Morgan não economiza nas críticas à família real, seja como um conjunto ou aos seus membros isoladamente (pegue como exemplo “The Hereditary Principle”, episódio em que aborda uma descoberta da Princesa Margaret). Não faltam socos e pontapés para Thatcher, a musa da direita extrema que Carla Zambelli e Bia Kicis nunca serão. E apesar de temas densos, a série nunca foi tão engraçada, como nos episódios em que Thatcher vai passar um fim de semana com a realeza, seu drama com o desaparecimento do filho, ou o episódio em que a rainha Elizabeth tenta decifrar se gosta de seus quatro filhos, o que foi uma das coisas mais engraçadas que acompanhei em 2020.

The Crown, aparentemente, entendeu que pode oferecer mais do que apenas um retrato histórico de gente branca que ninguém realmente se importa. Ela pode ser entretenimento de alta qualidade acima de qualquer coisa. — Rodrigo Ramos

(Netflix)

The Underground Railroad (Amazon Prime Video)

Chega a ser irônico The Underground Railroad ser lançada na Amazon Prime Video com um mês de diferença de Them, outra série original do serviço e que se faz ávida para saciar a todos os anseios racistas possíveis. E é difícil entender a quase simultaneidade porque a série de Barry Jenkins tem uma visão tão singular sobre racismo, escravidão e negros, que rechaça qualquer resquício de torture porn e mostra uma falta de tato ou bom senso dos programadores/curadores do serviço. Enfim, negócios à parte, a série de Jenkins se eleva a todos esses questionamentos porque é mais que apenas um produto. The Underground Railroad canaliza através de suas imagens toda a força do negro que resiste a sobreviver em um mundo deturpado por supremacistas abastados que difundiram suas crenças através das custas, em maior parte, do resultado do trabalho de escravos. Ainda assim, a minissérie também não é a produção definitiva ou sequer tenta ser, sobre o racismo na América. Ela entende seu lugar e seu papel, construindo uma narrativa que torna sua protagonista na protagonista da América. Ou ao menos é quem a Cora Randall de Thuso Mbedu representa.

Mas é um trabalho em que cada parte, cada função, enaltece a próxima e todas se engradecem. Cada detalhe da produção surge de maneira orgânica, porém ressaltando a visão de Jenkins para a história de seus personagens, dessas figuras históricas, ainda que fictícias. Porque se reconhecem ali traços, histórias, vivências, elementos que fazem parte de uma cultura vista geralmente sob um olhar branco. É assim que The Underground Railroad retrata seus personagens de maneira singular, com o elenco majoritariamente negro, filmado não só com uma beleza estonteante, mas da forma que merece. Com cenários e figurinos que exaltam suas características. Com roteiros que os coloca como protagonistas, mesmo que por breves momentos. É verdade que resguarda uma constante tragédia, mas é impossível fugir disso.

Barry Jenkins compreende plenamente isso, razão pela qual dá vislumbres de tanta beleza sobre uma sociedade negra desenvolvida e organizada, superior à falácia em que se sustentam aos brancos, que sucumbem à inveja regida por uma obsessão cega, personificada no personagem de Joel Edgerton. No fim de sua perseguição, temos o relato do todo. Mais uma tragédia. Mas essa não é somente a que o negro é submetido. É a tragédia de uma crença patética, enquanto Cora caminha livre para seu futuro, deixando para trás um passado que é refém da dor, do sofrimento e do ódio. Enquanto uns nutrem esse confinamento em desgraça, Cora e Barry Jenkins nos mostram que há muito mais para nós a frente. — Renan Santos

(Amazon Prime Video)

Mare of Easttown (HBO)

Mais um ano e mais uma série criminal protagonizada por uma detetive durona e com vastos problemas familiares que se vê em meio à uma complicada investigação de assassinato envolvendo uma jovem (branca, sempre branca) local, em uma cidade capturada por uma fotografia repleta de tons escuros que reforça a tristeza praticamente inerente à sua vida acinzentada e que apenas reitera e escancara todos os problemas da comunidade. Apesar de soar (e ser) familiar, Mare of Easttown, série (por enquanto) limitada da HBO, traz em seu DNA um bom humor inesperado e cativante. E que aliado a grandes atuações de um elenco estrelado e praticamente impecável, tornou a série um respiro de good tv e programa obrigatório em um ano em que as fontes foram progressivamente secando com o avançar e permanecer da pandemia mundial da Covid-19. No entanto, dizer que uma série assim passaria despercebida em outros anos é simplesmente uma mentira, e tal constatação se deve ao hype ao redor de suas estrelas, Kate Winslet de volta às telinhas, Jean Smart em sua sucessão de papéis icônicos, e ao fascínio contínuo (e aparentemente infindável) que cultivamos por histórias criminais com um lado de whodunit. Falando por mim, histórias assim sempre me capturam e sou figurinha fácil nos números de audiência. 

Contudo, alguns elementos podem ser destacados nessa trajetória. Os roteiristas e protagonistas de Mare parecem muito cientes do tropo da pequena cidade cheia de segredos, onde todos, absolutamente todos, estão implicados e envolvidos. A série, inclusive, leva tal premissa às últimas consequências em um final um tanto exagerado e aquém do resto dos episódios. Mas é no absurdo banal de uma cidade onde todo mundo é parente de todo mundo, com sotaques fortes e a certeza de uma decadência quase inerente ao interior americano (com suas famílias desestruturadas, aposentados largados, casos extraconjugais incontáveis e, para coroar, um assassino em série à solta) que suas histórias brilham. 

Nem a série nem seus personagens tentam fingir qualquer tipo de controle ou verniz sobre suas vidas. O grande feito de Mare, personagem de Winslet, é ter sido a Miss Lady Hawk em seus anos de colegial, e é essa a pressão e expectativa que ela leva consigo. Nada demais, mas é o suficiente para sobrecarregá-la. Ao mesmo tempo, todos sabemos como as expectativas externas funcionam e pesam, mesmo as mais aparentemente inofensivas. E é na sombra delas que todos os personagens da série vivem. A mulher traída, o marido que trai. A jovem que engravida, o pai que não consegue lidar. A detetive local que não consegue solucionar um crime, o detetive que vem de fora com sua própria bagagem. São todas pessoas ordinárias, quase vulgares em sua trivialidade. E é isso que encanta. Relações cheias de acidez, mas sem uma maldade sofisticada, algo extremamente familiar para qualquer um que tenha uma família. Momentos típicos da vida cotidiana, transmitidos com maestria por atores que estão em seu ápice. 

Bom, mal falei sobre o mistério central da série, pois acho que ele é apenas uma desculpa para nos capturar em uma jornada de estudos de personagens cativantes. Se o crime nos agarrou com a força que só o assassinato de uma menina (novamente, branca) consegue exercer sobre nossas mentes, é pelo desenrolar das histórias pessoas de seus personagens que seguimos com Mare of Easttown e, por isso, estou aqui escrevendo sobre ela. — Mariana Ramos

(HBO)

For All Mankind (Apple TV+) — Segunda Temporada

E, ao terceiro dia, For All Mankind ressuscitou o drama televisivo. Essa, sim, é a série da Apple que devia ter tido todos os coadjuvantes indicados ao Emmy, mas segue sendo esnobadíssima pelas grandes premiações, tal qual aquela outra série que carrega o drama televisivo nas costas, The Good Fight.

Quando eu vi os grandes críticos de TV americanos tecendo todos os elogios possíveis à finale da segunda temporada de FAM, confesso que fiquei com um pé atrás, mesmo sendo bem mundinho Battlestar Galactica BR, a queridinha sci-fi de Ronald D. Moore, um dos criadores e showrunners de FAM (o homem gosta dum negócio de espaço mesmo, né?). Mas é que estamos tão sedentos por uma boa ficção de drama há tanto tempo que qualquer Gambito da Rainha ganha status de genial.

Ainda assim, decidi embarcar em FAM, e logo depois de terminar Battlestar Galactica, um pouco reticente por estar emendando uma série “de espaço” em outra. E é curioso como as duas conseguem ser tão distantes justamente na questão do gênero (BG um sci-fi recheado de ação, FAM um drama político em que o sci-fi é muito mais pano de fundo), enquanto, por outro lado, encontram fortes ecos temáticos por se tratarem ambas, no fim das contas, de ficções especulativas. E, aliás, é uma lufada de ar fresco poder assistir a uma ficção especulativa em que o mundo não acaba, a humanidade não é destruída e mulheres não são estupradas o tempo todo. A nossa própria ficção especulativa chamada mundo real 2021 já está bem pesada, e a quantidade de narrativas distópicas da última década se tornou tão excessiva que a coisa toda ficou tediosa, repetitiva e, sinceramente, bastante preguiçosa. Não é que FAM se trate de uma utopia exatamente, nem que não dê merda na série. Dá MUITA merda, inclusive. Mas é uma novidade bem-vinda ver uma equipe de roteiristas se dar ao trabalho de pensar em soluções e caminhos mais interessantes e menos simplistas para os obstáculos que criam do que o FIM DO MUNDO™.

Isso tudo posto, For All Mankind funciona basicamente assim: a premissa é excelente e anuncia aquela crocante crítica ao capitalismo que a gente ama. Aí os dois primeiros episódios, embora tecnicamente bons, são a epítome do drama do homem branco HT, e vão te fazer achar que todo mundo que te falou pra assistir a série enlouqueceu. No terceiro episódio, a série finalmente diz a que vem, com a introdução da santíssima trindade Molly Cobb, Danielle Poole e Ellen Waverly (um dos pontos que FAM e BG têm em comum, aliás, é a qualidade excepcional das personagens femininas). E se a primeira temporada é boa, a segunda temporada de FAM é um acontecimento televisivo do início ao fim, e alcança sem dificuldade um nível de excelência técnica (tanto no roteiro, quanto na direção e atuações). Os episódios de uma hora parecem ter 15 minutos, e todos me deixaram gritando em posição fetal no chão (alguns literalmente). Os críticos, afinal, tinham razão na quantidade de elogios rasgados que fizeram à finale, para mim um dos melhores episódios televisivos que já vi na vida.

A segunda temporada de FAM é tão, mas tão, mas tão boa, que a gente se importa e se envolve até com o drama do homem branco HT. Estou falando, obviamente, de Gordo Stevens. Ed Baldwin o que tenho a ver? — Luiza Conde

(Apple TV+)

I May Destroy You (BBC One/HBO)

Abuso e violência sexual são temas centrais de I May Destroy You, mas mais do que apenas o ato ou até mesmo a busca pelos culpados, a série preocupa-se em se aprofundar em como as vítimas desses crimes lidam com o trauma originado a partir deles. Os efeitos se manifestam de maneiras distintas para cada um dos personagens e é com muita franqueza que Michael Coel pinta esse retrato, tão pessoal e distinto um do outro. E serem vítimas não faz com que os personagens em si sejam pessoas necessariamente adoráveis, responsáveis, com relações saudáveis, gostáveis. O modo como Coel conduz sua obra é da forma mais humana e realista possível, mostrando as falhas desses personagens, mas sem perder a empatia em momento algum. Coel demonstra inteligência para navegar nos temas, trazendo também elementos do cotidiano, fazendo um retrato dos jovens adultos e do impacto da tecnologia em nossas vidas — a obra que melhor faz o uso do mundo digital dentro de uma narrativa na atualidade, algo que só vi tão bem trabalhado assim no trabalho dos Kings em suas produções, como The Good Wife, Evil e The Good Fight.

A roteirista/diretora/produtora/protagonista da produção aborda tópicos bastante sensíveis, que nas mãos de 95% de Hollywood poderia ser altamente problemático. No entanto, Coel mostra uma capacidade criativa ímpar em abordar assuntos complexos, sabendo que não há respostas simples para eles e, em momento nenhum tenta respondê-los de maneira leviana ou busca algum tipo de heroísmo. Ela sabe que não está ali para resolver os problemas do mundo, tampouco suas personagens se enquadram nisso.

I May Destroy You é o tipo de experimento que somente a TV poderia nos proporcionar (e, felizmente, é uma minissérie assumida). Não há nada igual, nunca houve e não sei se haverá algum dia. Enfim, a melhor série da temporada. — Rodrigo Ramos

(BBC One/HBO)

Menções honrosas: P-Valley (Starz), This Is Us (NBC), We Are Who We Are (HBO), The Queen’s Gambit (Netflix) e The Good Lord Bird (Showtime).

O corpo de jurados citou, durante a eleição, 56 atrizes/atores coadjuvantes, 44 atrizes/atores principais, 70 episódios, 39 séries de comédia e 26 séries de drama. Na lista final, apareceram 22 séries ao todo: For All Mankind (6), Mare of Easttown (6), Hacks (5), Pose (4), Lovecraft Country (3), The Underground Railroad (3), I May Destroy You (3), The Crown (3), Ted Lasso (2), In Treatment (2), Small Axe (2), WandaVision (1), The Queen’s Gambit (1), Mythic Quest (1), The Flight Attendant (1), Search Party (1), Superstore (1), Master of None (1), How to with John Wilson (1), Dickinson (1), PEN15 (1) e It’s a Sin (1).

Onde assistir
For All Mankind, Ted Lasso, Mythic Quest, Dickinson: Apple TV+
Mare of Easttown, Hacks, Lovecraft Country, I May Destroy You, In Treatment, The Flight Attendant, Search Party, It’s a Sin: HBO Max
The Underground Railroad, Superstore (temporadas 1 a 5): Amazon Prime Video
The Crown, Pose (temporadas 1 e 2), The Queen’s Gambit, Master of None: Netflix
Small Axe: Globoplay
PEN15: Paramount+
WandaVision: Disney+
How to with John Wilson: indisponível no Brasil

Fizeram parte do júri
Angelo Bruno, estudante de Letras — Licenciatura em Português.
Breno Ribeiro, roteirista.
Caio Coletti, jornalista e repórter do site Omelete.
Carissa Vieira, roteirista, formada em Cinema e Audiovisual.
Cid Souza, criador e host do SeriousCast.
Diego Quaglia, cineasta, roteirista e crítico de cinema e audiovisual.
Diogo Pacheco, colaborador do Série Maníacos.
Eduardo Fernando Gomes Filho, colaborador do Cine Eterno.
Geovana Rodrigues, sommelier de séries.
Juliano Cavalca, bacharel em Economia, escreve sobre seriados na internet desde 2005.
Mariana Ramos, roteirista, mestre em Cinema e Audiovisual, host do podcast Isso não é um filme.
Mateus Santos, engenheiro mecânico, humildemente viciado em séries
Mikael Melo, jornalista, produtor de Jornalismo na NDTV Record.
Rafael Mattos, estudante de Jornalismo, administrador do grupo Crônicas de Séries.
Rafaela Fagundes, sommelier de séries.
Régis Regi, bacharel em Cinema, roteirista.
Renan Santos, formado em Cinema, crítico e newsposter no site Cine Eterno.
Rodrigo Ramos, jornalista, repórter/assessor de comunicação na Prefeitura de Navegantes, editor do site Previamente, foi programador de cinema na Cineramabc Arthouse.
Tammy Spinosa, host e editora do SeriousCast e quase geógrafa.
Thiago Silva, host e editor do SeriousCast e amante da TV.
Valeska Uchôa, cientista da computação, ex-colaboradora do Série Maníacos e do falecido Lizt Blog.
Zé Guilherme, farmacêutico, mestre em Ciências Fisiológicas, já colaborou nos sites LoGGado e Cine Alerta.

Também colaborou
Luiza Conde
, roteirista.

Confira também as listas anteriores
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Melhores Séries da Década de 2010
Melhores Séries da Temporada 2018/2019
Melhores Séries da Temporada 2017/2018
Melhores Séries da Temporada 2016/2017
Melhores Séries da Temporada 2015/2016
Melhores Séries da Temporada 2014/2015
Melhores Séries da Temporada 2013/2014
Melhores Séries da Temporada 2012/2013
Melhores Séries da Temporada 2011/2012
Melhores Séries da Temporada 2010/2011

Textos por Carissa Vieira, Cid Souza, Diego Quaglia, Diogo Pacheco, Juliano Cavalca, Luiza Conde, Mariana Ramos, Renan Santos, Rodrigo Ramos, Tammy Spinosa, Thiago Silva, Valeska Uchôa & Zé Guilherme

Produção, edição e redação final por Rodrigo Ramos

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