Lorde, Kendrick Lamar, Gorillaz, Dua Lipa, Arcade Fire e SZA estão entre os destaques da música do último ano.
Histórias de abuso e superação; uma drag queen quebrando barreiras; cantoras ditando novas regras; o indie não saindo de moda; da batida pop até violinos, piano e voz; rimas sobre a sociedade, violência, fama e sexo; o novo e o antigo. Tudo se mescla no mundo da música em 2017 e o resultado é esta seleção diversificada, que é apenas um recorte do que houve de melhor no meio — faltou espaço para tantos trabalhos em alto nível.
Mais uma vez, o Previamente convocou uma turma de amantes e entendedores da área e selecionou os 20 melhores discos do ano que passou. E já garantimos que o resultado é melhor do que o Grammy. Confira abaixo a relação completa!
20. Pabllo Vittar – Vai Passar Mal
Confesso que este é um álbum que me fez morder a língua e voltar atrás com relação à minha opinião sobre o artista e suas músicas. Quando conheci Pabllo pelo hit “Open Bar”, não fui surpreendido da mesma maneira que as outras pessoas. Os agudos da Pabllo me irritavam (e alguns ainda me irritam). Então vieram as inúmeras versões de músicas já famosas, das quais eu não prestei atenção, ou não dei valor. Quando, enfim, em janeiro do ano passado, foi lançado o álbum com músicas próprias e vi a quantidade de compartilhamentos sobre ele, baixei a guarda e resolvi ouvir. Lembro bem da cena, enquanto eu preparava o jantar, tomando vinho, ouvi o álbum. E conforme fui ouvindo o disco, fui sendo fisgado a cada música, até que em um ponto, parei e falei, sozinho: “eu estou gostando de Pabllo, é isso mesmo?”. Sim, era isso mesmo. A sonoridade do álbum, repleta de sons brasileiros, incluindo tecnobrega, funk, forró, entre outros, junto com a demonstração de outros nuances da voz da artista me fizeram não só passar a gostar do álbum, bem como procurar por mais músicas que não conhecia. Foi a minha primeira grande surpresa musical de 2017.
Faixas de destaque: K.O. / Tara / Todo Dia.
19. Otto – Ottomatopeia
“Eu só sei que viver não é mole não”, declara o pernambucano Otto em “Soprei”, terceira faixa de Ottomatopeia, seu sexto de disco estúdio. E a vida não é mole por conta do amor, da política e das pessoas ao redor que inspiram os temas das canções-quase-poesias que compõem o álbum. Este é talvez o melhor disco de Otto desde o divisor de águas Certa Manhã Acordei de Sonhos Intranquilos, de 2009, e mostra o músico ainda mais seguro com a sua escrita e seus versos sobre o amor. É também um trabalho de vários lados musicais, das baladas melancólicas até uma regravação de “Meu Dengo”, de Roberta Miranda, e que mostra a razão de Otto ser um dos nomes mais respeitados da música independente no Brasil.
Faixas de destaque: Carinhosa / Soprei / É Certo o Amor Imaginar?
18. The National – Sleep Well Beast
Sleep Well Beast é um álbum sustentado por caos emocional. Depois do intimista Trouble Will Find Me, a banda assume uma lógica bilateral no caótico cenário de divórcio. Apesar de menos acessível que o seu antecessor, principalmente em suas transições entre as distintas músicas que compõem o trabalho, o The National consegue encontrar naturalidade nessas mudanças. A catarse é alternada entre picos agressivos com acentuação um som cru e direto – remetendo as origens fundadas no pós punk revival – e baladas lentas que evidenciam o melancólico sentimento central do álbum. Uma adição interessante de Sleep Well Beast na discografia da banda é a participação maior de instrumentos eletrônicos e artifícios estéticos, sintetizadores e momentos de spoken word são inseridos de forma ímpar.
The National entrega um trabalho que consegue legitimar sua qualidade e importância mesmo não sendo inventivo, respirando como sucessão lógica dos trabalhos anteriores da banda. Sleep Well Beast é ambientado liricamente em um divórcio que coexiste com o período de crise política, uma constatação definitiva que mesmo nossas relações mais íntimas não são ilesas do curso da sociedade.
Faixas de destaque: Sleep Well Beast / The System only Dream in total Darkness / Carin at the liquor store.
17. Allie X – CollXtion II
O segundo compilado da Allie X vem com uma pegada mais pop, se comparado ao primeiro, mas não menos Allie X. A estética synth-pop do aclamado Collxtion I encontra diferentes formatos em Collxtion II, brincando com produções que vão do dance pop em “Paper Love” — a sonoridades que lembram até o house — até “Casanova”, que é como se Lana Del Rey, Chvrches e Disclosure tivessem uma filha. Em conteúdo, o álbum mantém um certo padrão de toda a “eXistência” de Allie. Letras que vêm de uma vibe de auto sabotagem e amores que ferraram com ela (Casanova fucked me over, left me dying for your love) mas também brinca com um certo sentimento de angústia adolescente em amores utópicos (We’ve seen eachother crazy, seen eachother cry. You make me not wanna die).
Talvez Allie X ainda não tenha encontrado o certo caminho para seus relacionamentos. Mas musicalmente, Collxtion II mostrou que suas ideias e sonoridade não só trazem uma perspectiva diferente ao pop tradicional, como suas letras e melodia grudam na cabeça de quem as ouve – tipo o pop tradicional.
Faixas de destaque: Casanova / That’s So Us / Simons Says.
16. HAIM – Something To Tell You
Foram longos e arrastados quatro anos de espera entre o primeiro e fantástico álbum de estreia das irmãs HAIM, Days are gone, em 2013, e o atual Something to tell you. A espera, no entanto, valeu cada minuto. Ainda banhando-se em suas influências musicais oitentistas e produzindo um som rejuvenescedor para qualquer ouvido, o pop de HAIM não veio para brincar; as três irmãs, com formação musical desde a infância por causa dos pais músicos, cantam, mais uma vez, essencialmente, sobre o amor; melhor dizendo: cantam sobre os sentimentos pós-relacionamento. Se elas têm algo a nos contar, como o nome do disco sugere, com certeza será por meio de batidas pegajosas, sintetizadores que ainda remetem muito bem aquele Michael Jackson de Thriller e letras com melodias intricadas, mas totalmente chicletes. Para se apaixonar de vez por elas, vale conferir os clipes lançados ao longo dessa nova fase, sua maioria dirigida pelo cineasta Paul Thomas Anderson; neles, fica mais do que claro o talento de cada uma delas, não apenas como profissionais da música, mas também como atrizes diante de uma câmera. É muito talento para três irmãs.
Faixas de destaque: Right Now / Want You Back / Little of Your Love.
15. Arcade Fire – Everything Now
Minha relação com Arcade Fire intensificou-se em 2013 quando os canadenses lançaram Reflektor, um de seus trabalhos mais ambiciosos, passando por temáticas muito caras a mim – como a mitologia clássica grega e romana. Este ano, porém, a banda mergulhou em uma onda crítica através da criação de uma corporação fictícia chamada, obviamente, Everything Now, investiu em um marketing pesado (o que transformou-se em uma autoironia deliciosa ao longo do disco) e nos presenteou com um álbum que não deixa de lado o jeito Arcade Fire de ser, ou seja, corais de vozes, arranjos de cordas que se espalham ao longo das faixas e letras cujo conteúdo deixa você para baixo quando menos espera (vide “We don’t deserve love”, a derradeira música). O vocalista Win Butler deixou claro, desde o início, a influência principal para Everything now: o grupo pop sueco ABBA, impossível de notar já nas primeiras notas do piano da faixa-título. Viajar por esse disco é passar por assuntos que variam de intensidade, mas todos apontam para a mesma direção: é preciso tomar cuidado com o mundo atual, já que queremos tudo e para já (é a mensagem inicial em “Everything now”) e, no final, nós ficamos sem aquilo que, invariavelmente, mais importa (o recado sem volta da última faixa, a já citada “We don’t deserve love”). De quebra, a primeira e última “música” do disco são, na verdade, metades de um mesmo todo, que, se ouvido em plataformas digitais, causam a sensação de infinito, de algo cíclico, algo explorado pela banda desde a divulgação embrionária de Everything now. Respire fundo e aproveite o Arcade Fire de 2017. No próximo disco eles provavelmente não serão mais os mesmos. Ainda bem.
Faixas de destaque: Everything now / Creature comfort / Electric blue.
14. Tim Bernardes – Recomeçar
A quebra de laços é algo que move a música de muitas formas. A sensação de solidão e falta após uma separação são os fios condutores de Recomeçar, o primeiro disco solo de Tim Bernardes — frontman da ótima banda O Terno. No melhor passeio possível entre MPB e música alternativa, Tim canta sobre melancolia, fins e recomeços de forma sensível e honesta ao tentar entender sentimentos. Com um toque quase onírico às vezes e uma pegada lo-fi que se mistura a pianos e violinos, o músico cria uma aura de sensações e beleza nesse incrível disco de estreia.
Faixas de destaque: Talvez / Não / Quis Mudar.
13. Feist – Pleasure
Ainda numa pegada mais independente, o novo disco da Feist já pode entrar na lista de álbuns prontos para te deixar um pouco mais na bad. Não que seja um lamento sem fim: “Pleasure”, como o próprio nome diz, vai girar em torno desse sentimento tão almejado por nós, seres humanos. Da faixa-título à última música, a cantora não deixa nada tematicamente de lado. A economia no arranjo, usando poucos instrumentos para cada música, dá um toque ainda mais rústico para o material do álbum. Substitua a Feist “animadinha” do relativo sucesso comercial “Mushaboom” (música inclusive pertencente à trilha-sonora de (500) dias com ela pela cantora mais madura e segura de si em Pleasure.
Faixas de destaque: Pleasure / Century / Get Not High, Get Not Low.
12. SZA – CTRL
Em seu álbum de estreia, SZA entrega um trabalho maduro. Autoconsciente nas palavras, a cantora consegue ilustrar em suas canções uma relação muito aberta sobre desejo, sexualidade, apego, ciúmes, entre outras emoções que envolvem o tópico sexo. Com rimas espertas, uma voz marcante (sexy, suave e afinada), SZA não parece ter restrições. Ela fala sobre problemas de autoestima (“Garden”), lidar com o fato de que não é considerada a garota normal só por fazer as coisas que faz na cama (“Normal Girl”), dividir o mesmo cara com outras e encarar isso numa boa (“The Weekend”), em outras ocasiões sentir ciúmes pelo mesmo fato (“Supermodel”), até falar que homens não merecem aquilo que as mulheres têm e o quão dispensáveis eles são por um de borracha (“Doves in the Wind”). CTRL é um disco sexy sem ser vulgar, equilibrado e honesto. O futuro de SZA parece promissor.
Faixas de destaque: Supermodel / Doves in the Wind / Normal Girl.
11. Dua Lipa – Dua Lipa
Dua Lipa é outro caso de artista que demorei para prestar atenção. Conhecia apenas pelos singles lançados nos anos anteriores, mas que não me chamaram a atenção. Apesar de já ter ouvido (muito) “Be The One” em 2016, foi com o lançamento do álbum no passado que conheci melhor. O álbum é recheado de hits, sejam os já lançados antes do álbum, bem como os posteriores ou em potencial. Não há quem não foi fisgado pelo refrão de “New Rules”, ou não tenha cantado “Blow Your Mind (Mwah)” em plenos pulmões na balada em 2017. Depois de lançar um primeiro álbum como esse, Dua Lipa mostrou que tem muito talento e que veio pra ficar. E a gente agradece.
Faixas de destaque: Be the One / New Rules / Blow Your Mind (Mwah).
10. Drake – More Life
É difícil explicar o que Drake tem que joga a seu favor e me fez o escolher entre os melhores lançamentos de 2017. Acho que começa no reconhecimento que ele tem de seu momento na carreira, seu lugar no mercado, e passa pela escolha do formato — uma mixtape de respeito, com mais de 80 minutos (!), que foge da pomposidade de um álbum e da despretensão com que trabalham alguns de seus contemporâneos. Depois de um fraco Views, que apontava para uma direção genérica e sem muita inspiração, com poucos bons momentos e tempo perdido de sobra, More Life traz alívio para o fã que ansiava por voltar a ver mais de sua personalidade e sua sensibilidade em abraçar ideias novas.
A primeira música que tive contato, “Passionfruit”, veio junto com um sorriso que se repetiu em várias das vezes seguintes em que a ouvi tocar no rádio, em festas, na rua, no trabalho. Talvez o encanto se dê por ela resgatar, de certa forma, o que funcionou em “One Dance”, uma das poucas que se salvam em Views, e, claro, pelas ótimas melodias e timbres. Seu flow, em geral, não o qualifica para o patamar monstruoso de Kendrick Lamar, mas a sensibilidade é um destaque positivo e muito bem-vindo no ramo, apesar de já ter virado piada até nas redes sociais do Taco Bell. No mais, o disco apresenta bons momentos líricos de Drake e reafirma suas qualidades como compositor. A produção, apesar de ainda contar com um dos principais responsáveis pelo caminho questionável que a carreira vinha tomando, foi injetada com ideias novas e referências como Skepta, Partynextdoor e Travis $cott. Não sei se Drake, enquanto artista, tem data de validade, mas as escolhas em More Life apontam bons caminhos.
Faixas de destaque: Passionfruit / Glow / Can’t Have Everything.
9. Kesha – Rainbow
Despida do pop farofa e sujo que a tornou notória, Kesha abandona sua faceta mais vendável para descobrir sua verdadeira voz em Rainbow, um disco que flerta com outros gêneros como punk trash, rock com vibe dos anos 2000, country, sem nunca deixar o pop de lado, é claro. A primeira metade do álbum é superior à segunda, pois é quando a cantora expõe sua carga emocional. “Praying” é uma balada poderosa, que exibe o poderio vocal da loira, num desabafo belíssimo sobre sua situação com o produtor Dr. Luke — uma das 10 melhores faixas de 2017. “Learn to Let Go” é mais comercial, um hino sobre como todos somos mais fortes do que nossos traumas, e como devemos e precisamos aprender a deixar o passado para trás para continuarmos. O álbum inteiro é uma maneira de Kesha se desprender da sua dor e dos males que a assombraram por algum tempo, e está mais do que provado aqui que ela, musicalmente, superou, e entrega seu melhor trabalho da carreira.
Faixa de destaque: Praying / Learn to Let Go / Woman.
8. Phoenix – Ti Amo
Os franceses do Phoenix já têm uma carreira sólida, diga-se de passagem. Talvez seja essa segurança que forneceu ao grupo a vontade de criar um álbum como Ti amo. Repleto de referências ao verão europeu, o disco é, assim sendo, uma homenagem à estação do ano dedicada às praias, calor, suor, sorvetes e férias. Aliás, ouvir Ti amo é ser transportado a uma praia italiana, com direito a um gelato nas mãos, óculos escuros no rosto e protetor solar na ponta do nariz. É um som refrescante e animador, com a presença óbvia dos já famosos sintetizadores do Phoenix, além da voz ardida do vocalista Thomas Mars. Não se engane, apesar do grande sucesso, Phoenix vai muito além do hit “1901”.
Faixas de destaque: J-Boy / Ti Amo / Tuttifrutti.
7. Father John Misty – Pure Comedy
Pure Comedy, o terceiro disco de Father John Misty, é seu melhor trabalho. Ainda que o arranjo musical seja suave e um tanto simples (piano e voz compõem boa parte dos arranjos, com um ou outro instrumento complementando a canção, e às vezes nem isso), o grande mérito do álbum está no brilhantismo de suas composições, que refletem sobre nossa época, crenças, tecnologia, amor, o comportamento humano, a vida e tudo o que nos cerca. A complexidade emocional das letras traz tanto paz de espírito quanto tira o seu sossego. É um disco lindíssimo e ainda assim pesado. É fácil de ouvi-lo, ao mesmo tempo que incomoda. É pura poesia. É incrível. Uma experiência sentimental única.
Faixas de destaque: Pure Comedy / Ballad of the Dying Man / When the God of Love Returns There’ll Be Hell to Pay.
6. St. Vincent – MASSEDUCTION
Annie Clark não decepciona. Depois de lançar alguns singles do álbum, já preparando o terreno do que estava a caminho, o disco veio. Mesmo já tendo ouvido as músicas de trabalho, não estava preparado totalmente para a obra completa. Foi um impacto forte, num ótimo sentido. Já na segunda música, “Pills”, sabia que ali tinha o potencial para ser um material no mesmo nível ou melhor que os anteriores. E não estava errado. Cada música é uma demonstração da qualidade musical dela. O álbum é coeso e cresce a cada vez que você o ouve. Por mais álbuns assim em 2018.
Faixas de destaque: Los Angeless / Pills / New York.
5. Queens of the Stone Age – Villains
Gutural, dilacerante, grave. São bons adjetivos para definir o novo disco dos QOFTSA. A entrada triunfal com “Feet don’t fail me” só é a ponta do iceberg, pois há toda uma progressão temática e musical ao longo das nove faixas. Espere por guitarras inspiradas e baixos comandando o tom de cada música, numa sinfonia digna da palavra rock’n’roll. Não é um disco longo porém: em menos de 50 minutos, os Queens of the Stone Age dirão o que têm pra dizer. E bem dito.
Faixas de destaque: Feet Don’t Fail Me / The Way You Used To Do / The Evil Has Landed.
4. Lorde – Melodrama
A evolução sonora de Lorde e a maturidade em suas letras ficam evidentes em seu segundo álbum. Indicado ao Grammy de álbum do ano, Melodrama pode ser conceituado como uma jornada de coração partido disfarçado de disco de música pop para festas e vice-versa. As canções nos levam para uma aventura na noite, começando com a empolgante “Green Light”, o tipo de faixa que dá vontade de sair cantando no meio da rua com o fone no ouvido, como se não houvesse ninguém ao redor. Noite adentro, passamos pelos agitos de “Sober” e “Homemade Dynamite”, até que a bad começa a bater com “The Louvre” e “Liability”, afinal o crush de uma noite normalmente não é para sempre, não é mesmo? A partir de “Sober II (Melodrama)” é como se Lorde analisasse a noite anterior sob efeito da ressaca, moral e física. Ela consegue fazer uma balada pop grudenta e viciante, ao mesmo tempo que aposta em algo mais cru, com voz e piano (“Writer in the Dark”). Por fim, como é de se esperar, o ser humano volta à procurar os lugares perfeitos na noite, como ilustra “Perfect Places”, apesar de ter a ciência que é apenas uma forma de preencher o vazio — mas pode também ser apenas uma maneira de extravasar, numa noite deselegante. Em suma, Melodrama é um discão da porra. David Bowie parece estar coberto de razão, de fato.
Faixas de destaque: Green Light / Sober / Perfect Places.
3. Gorillaz – Humanz
Gostar de Gorillaz, muitas vezes, é mais uma memória afetiva de quem ficou intrigado, em algum momento, com a ideia de uma banda virtual; gente que ouvia as músicas, na maioria divertidas, e cresceu com essa referência. Faz parte, mas é importante reconhecer tudo que a banda representou em sua trajetória e, especialmente, o que representa hoje. Humanz é um álbum com vários problemas, da quantidade absurda de faixas (20 + 6 bônus) à participação aparentemente deslocada de alguns convidados, passando por momentos de mal gosto como em “Sex Murder Party”, mas obviamente tem méritos e acertos que falam mais alto. A lista de feats é longa: Grace Jones, Vince Staples, Kali Uchis, De La Soul, Peven Everett, Kelela, Danny Brown, Jehnny Beth e Popcaan são alguns dos convidados para essa festa estranha. Contando com o apoio de nomes desse calibre, mesmo com momentos sem muita química, o resultado é surpreendente.
Por último, mas não menos importante, vale o topo da minha lista por ser um disco que capta o zeitgeist de 2017 com maestria. Humanz é a cara da nossa época, para o bem e para o mal. Isso passa pela diversidade no finíssimo time de artistas envolvidos, a liberdade para transitar entre temas e sonoridades totalmente distintos, as mensagens de empoderamento e o fato de algumas coisas parecerem deslocadas, caóticas. Se isso tudo parece familiar, é porque o retrato foi pintado de forma fiel, mais um motivo pra ouvir de coração aberto.
Faixas de destaque: Saturnz Barz / Strobelite / Submission.
2. The xx – I See You
É oficial: The xx agora está com seus pés no pop. Mas acalme-se: sua alma indie ainda persiste. Os manejos com os diversos samples do produtor Jamie Smith dão o tom alternativo para o novo álbum da banda, enquanto as vozes dos vocalistas Romy Madley e Oliver Sim confrontam-se e entrecortam-se de maneira harmônica. É o velho esquema de The xx que não falha, mas voltado para uma proposta mais aberta, sonoramente falando. I see you, inclusive, possui um tom mais positivo e menos introspectivo como os discos anteriores do grupo, xx e Coexist.
Faixas de destaque: On Hold / I Dare You / Say Something Loving.
1. Kendrick Lamar – DAMN.
Não dá pra esperar coesão em premiações. O Grammy de 2018 pecou ao, novamente, ignorar o impacto de mais um álbum impecável e tridimensional de Kendrick Lamar, entregando o título de disco do ano para Bruno Mars, logo em seu pior trabalho até o momento. Até hoje não dá para acreditar que To Pimp a Butterfly perdeu o mesmo prêmio para 1989, de Taylor Swift, há dois anos.
Sem nenhuma surpresa, DAMN. é mais uma obra irretocável do rapper. Aos 30 anos, parece criar cada vez mais consciência do meio onde vive (ou viveu). Ainda que hoje seja um artista milionário, premiado e aclamado, ele não perdeu o senso de realidade. Suas rimas são cheias de camadas e referências, conseguindo entreter enquanto simultaneamente critica. Ao mesmo tempo, é engraçado como ele alcança o sucesso comercial falando verdades inconvenientes — algo que me faz lembrar “Fifteen Million Merits”, episódio da primeira temporada de Black Mirror. As pessoas gostam de ouvir a verdade, isso traz certo conforto, ainda que elas não façam nada com ela.
Deixando de lado a faceta mais jazzy de seu trabalho anterior, Lamar se volta para uma vertente mais urbana, dando mais abertura para o hip-hop, ainda que as influências de R&B estejam lá. Altamente pessoal, DAMN. é um álbum que fala sobre tudo, desde o excesso policial (“XXX.”, “FEAR.”, entre outras); a preocupação com a América atual, especialmente com Donald Trump no poder; a tentação de ceder ao poder e a fama e deixar o orgulho tomar conta (“PRIDE.”), em clara referência bíblica (os sete pecados capitais); a sensação de estar se isolando e estar sozinho (“FEEL.” e “ELEMENT.”); a insegurança de não saber se as pessoas estarão ao lado dele mesmo se ele não tiver mais a grana e fama de hoje (“LOYALTY.” e “LOVE.”); até as diferentes fases do medo de ser um negro, da infância com a mãe, passando pela adolescência e os riscos dela — seja pelo uso de drogas ou bebidas, ser falsamente acusado por algum crime só pela cor ou ser morto também pelo tom da pele por aqueles que deveriam proteger a sociedade — chegando à vida adulta e o receio de tudo o que vem com o dinheiro e até de perder a criatividade (“FEAR.”). É um álbum poderoso, relevante, urgente e criativo. Não é possível saber até quando irá durar esse período fértil, ainda no seu auge, mas hoje há poucas pessoas tão lúcidas no mundo da música como Lamar.
Faixas de destaque: HUMBLE. / LOYALTY. / FEAR.
Textos escritos por:
Darlan Brandt (Vai Passar Mal, Dua Lipa, Masseduction)
Lucas Paraizo (Ottomatopeia, Recomeçar)
Ewerton Mera (Something to Tell You, Everything Now, Pleasure, Ti Amo, Villains, I See You)
Léo Telles Motta (More Life, Humanz)
Matheus Pegoraro (CollXtion II)
Fellipe José Souza (Sleep Well Beast)
Rodrigo Ramos (CTRL, Rainbow, Pure Comedy, Melodrama, DAMN.)
Fizeram parte desta eleição:
Léo Telles Motta, supervisor musical, DJ e redator.
Lenon César, co-fundador da Âmbar Audiovisual e músico.
Lucas Paraizo, jornalista e repórter do Jornal de Santa Catarina.
Ewerton Mera, bacharel em Letras, mestre em Semiótica, professor de português e editor do blog Uma Estante.
Darlan Brandt, bacharel em Letras, estudante de Sistema de Informáticas e DJ.
Matheus Pegoraro, relações públicas e produtor de música eletrônica.
Stefânia Enderle, jornalista, produtora de conteúdo e social media na RenauxView.
Dane Souza, publicitário e jornalista, editor e diretor do site Blumenews.
Eliza Doré Milanezi, jornalista e assessora de comunicação.
Rodrigo Ramos, jornalista, editor do site Previamente, repórter do Jornal O Navegantes.
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