Parasita, Moonlight, A Rede Social, Elle e A Árvore da Vida são alguns dos destaques da lista.
Durante a década de 2010, a TV e os serviços de streaming meio que tomaram conta da nossa atenção e preferimos maratonar cinco temporadas de alguma série ao invés de ver um filme de duas horas. Em partes, as séries acabaram se tornando mais interessantes do que muito do que o cinema nos proporcionou — especialmente numa década em que a Disney transformou Hollywood em um monopólio gigantesco e cada vez menos tivemos opções nas salas de exibição.
Ainda assim, o cinema resistiu e entregou algumas das obras mais envolventes, ousadas e emocionantes da sétima arte durante os anos 10, oriundos dos Estados Unidos, como é de se esperar, mas também de países como Coreia do Sul, Brasil, Irã, Espanha e Alemanha. Sem mais delongas, confira os nossos 21 melhores filmes da década de 2010.
21. A Favorita (The Favourite, 2018)
Direção: Yorgos Lanthimos | Roteiro: Deborah Davis, Tony McNamara
Elenco: Olivia Colman, Emma Stone, Rachel Weisz
Desde o começo da década, o grego Yorgos Lanthimos veio se mostrando um dos cineastas mais promissores ao fazer a transição do cinema grego para o circuito de língua inglesa. Conhecido por seu estilo nada ortodoxo, sempre trabalhando no limite do bizarro e propondo um tipo de atuação quase robótica, não seria uma escolha natural para uma produção de época sobre a realeza britânica. Ao invés de priorizar a encenação de acontecimentos históricos, o filme desenvolve um estudo das relações humanas, focando nas disputas de poder entre duas damas de companhia (Rachel Weisz e Emma Stone) pelo favoritismo da Rainha Ana do Reino Unido, papel que rendeu uma série de prêmios à Olivia Colman.
Com um roteiro ágil e repleto de diálogos ácidos e marcantes, uma fotografia que valoriza a luz natural dos ambientes e exagera a distorção com o uso de lentes olho-de-peixe, uma direção de arte carregada no estilo Barroco em contraste com os figurinos numa paleta de cores bicromática, opondo o branco ao preto, e a montagem que equilibra o trio de protagonistas e se vale de sobreposições e fusões para criar sentidos, não há nada no âmbito técnico que não se destaque ou fique sobrando. É um filme que tinha tudo para ser uma grande confusão espalhafatosa e exagerada, porém graças à orquestração de Lanthimos ele se tornou uma obra-prima singular e que merece destaque na década. — Rafael Bürger
20. Elle (2016)
Direção: Paul Verhoeven | Roteiro: David Birke
Elenco: Isabelle Huppert, Laurent Lafitte, Anne Consigny, Charles Berling, Birgine Efira
Elle não é um filme fácil de digerir. Ele causa sensações das mais diversas, e o desconforto é a principal, que segue o espectador durante as duas horas de exibição. O plot parte do estupro sofrido por Elle (Isabelle Huppert) em sua casa. Após a violência sexual, ela tenta lidar do seu modo com a agressão e busca descobrir qual dos homens em sua vida seria capaz de cometer tal ato. A forma com que a protagonista lida com a situação não é a mais convencional, e não dá pra saber como algumas pessoas enxergarão essa escolha. Ao seu redor, há pessoas mais problemáticas do que ela própria, apesar do que sofreu. Em meio a tanto descontrole e escolhas duvidosas, Elle escolhe não ser a vítima e decide tomar o controle da situação. Misturando humor negro e sarcasmo com elegância, junto com sátira social, abrindo oportunidade para situações bizarras e catatônicas, Elle serve de ode para o cinema sensual e perturbador de Cronenberg e DePalma, além de gerar discussões. O filme surpreende a cada cena, parte pela direção precisa de Paul Verhoeven e parte pela atuação espetacular de Huppert, que carrega consigo um equilíbrio entre a seriedade, a sensualidade e o deboche, ou seja, o necessário para não transformar o longa em um exemplo de sexploitation e mau gosto. A linha é tênue, mas Elle prova ser milimetricamente pensado para não passar do limite, provocando e desafiando o espectador do primeiro até o último minuto. — Rodrigo Ramos
19. A Pele Que Habito (La piel que habito, 2011)
Direção: Pedro Almodóvar | Roteiro: Pedro Almodóvar, Agustín Almodóvar
Elenco: Antonio Banderas, Elena Anaya, Jan Cornet, Marisa Paredes
Em A Pele Que Habito. Almodóvar ousa e aterroriza. Surtado, ele retoma a parceria com Antonio Banderas e vai longe na trama que, de leve, fala sobre cirurgia plástica, mas que passa longe de se aprofundar no tema. Almodóvar utiliza seus personagens como meros peões num tabuleiro de xadrez. Ódio, culpa, amor, loucura, sobrevivência. São muitos os elementos com que o diretor trabalha nesta história. É uma narrativa doentia e surpreendente, em que o diretor traz para as telas o verdadeiro suspense onde não é o susto que importa, mas sim a tensão no ar. — Rodrigo Ramos
18. Aquarius (2016)
Direção & Roteiro: Kleber Mendonça Filho
Elenco: Sonia Braga, Maeve Jinkings, Irandhir Santos, Humbertão Carrão
O diretor Kleber Mendonça Filho presenteou o cinema nacional com uma obra poética e tocante no ano de 2016. Kleber, que já havia atestado sua competência anteriormente em O Som ao Redor, retorna com uma estória extremamente intimista — apesar das consequências da mesma estarem elevadas em vários pontos de nosso cotidiano — sobre a importância das memórias afetivas em nossa vida.
Nossa vida é refletida em cada ponto que passamos, cada objeto — ou lugar — pode ser parte fundamental em alguma narrativa de nossas jornadas, mesmo não passando de um coadjuvante. No longa acompanhamos Clara — brilhantemente interpretada por Sônia Braga –, uma mulher de meia idade que virou alvo em uma sociedade que o novo perdeu a delicadeza em se relacionar com antigo. A obra beira a um estudo diplomático sobre a dicotomia antagônica da convivência do novo com o antigo, frisando que não há necessidade de renunciar um pela existência do outro.
Aquarius é uma peça necessária em nossa sociedade, principalmente em tempos extremamente densos no aspecto político nacional. Sem pudor ao exibir uma geração que acredita em que sucesso financeiro define também boa visibilidade social; uma geração que não hesita em criar insegurança para vender conforto, em impor falsas necessidades e tornar inevitável para a população não aderir a elas. Sendo impecável em todos aspectos técnicos, e com uma atuação fortíssima de Braga — a explosão de Clara no desfecho do filme é uma das cenas mais impactantes de 2016 — , o filme é um retrato delicado de Kleber Mendonça Filho sobre o período em que vivemos. O que deixa extremamente melancólico pensar que foi dispensado pelo Brasil na nomeação ao Oscar por mero cunho político, mas como citado anteriormente, são períodos densos. — Fellipe José Souza
17. Toni Erdmann (2016)
Direção & Roteiro: Maren Ade
Elenco: Sandra Hüller, Peter Simonischek, Michael Wittenborn
Indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro em 2017, Toni Erdmann é um drama familiar estranho que se mistura com um humor negro peculiar. A premissa traz a reaproximação de um pai e uma filha, mas o longa vai além de um mero dramalhão de reconexão. Em quase três horas (!) de duração, o filme alemão se mostra criativo, inserindo momentos absurdos do nível de vergonha alheia que somente The Office (americana ou britânica, tanto faz) poderia oferecer. É impagável ver a dureza da filha enquanto o pai insiste em fazer algo para quebrar o gelo. Toni Erdmann é uma obra que coloca as relações humanas em evidência, sendo uma forma de se dirigir a nós mesmos, como nos comportamos e nos relacionamos, em especial, com a nossa família. É estranho, pouco convencional, mas cheio de afeto e boas intenções. — Rodrigo Ramos
16. Holy Motors (2012)
Direção & Roteiro: Leos Carax
Elenco: Denis Lavant, Edith Scob, Eva Mendes, Kylie Minogue, Elise Lhomeau, Leos Carax
Holy Motors é puro surrealismo. É uma viagem criativa, provocante e bizarra que percorre por vários gêneros do cinema (drama familiar, amoroso, crime, musical e etc..). É uma celebração da fantasia, da atuação e uma grande homenagem ao cinema. Na cena de abertura, temos uma cena de sonho, um homem levanta-se da cama e abre uma porta que o leva para uma sala de cinema. Uma cena, inclusive, com possíveis interpretações diferentes. Depois somos apresentados ao Monsieur Oscar (interpretado brilhantemente por Denis Lavant) e seu “trabalho” misterioso. Dentro de uma limusine branca (que funciona praticamente como um camarim), ele percorre Paris ao lado de Céline, chofer, se preparando para assumir muitas personalidades diferentes ao longo do dia. Ele se transforma numa criatura nojenta, num pai afetuoso, um músico de rua, um idoso em seu leito da morte, um assassino e entre outros. É muito estranho, mas fascinante ao mesmo tempo. O que rende muitas metáforas, sobre o trabalho do ator e do próprio cinema no geral. É impossível destrinchar todos os elementos de Holy Motors num breve comentário como esse. Eu vejo também como uma relação confusa entre ilusão e realidade em um mundo onde a sociedade tornou-se uma forma de “show”? É sobre as diferentes máscaras que nós seres humanos usamos no cotidiano? É um filme que fornece bastante coisas para o pensamento. O diretor Leos Carax conseguiu realizar uma obra arte, repleto de magia, imaginação e melancolia. Holy Motors é uma experiência única. — Luis Carlos
15. A Separação (Jodaeiye Nader az Simin, 2011)
Direção & Roteiro: Asghar Farhadi
Elenco: Payman Maadi, Leila Hatami, Sareh Bayat
Verdade e culpa são dois temas centrais de A Separação. A verdade se revela uma questão de perspectiva (nesse sentido lembra muito Rashomon, de Kurosawa). Ou seja, é um tipo de quebra-cabeça onde cada um dos personagens tem sua visão coerente sobre o acontecimento. A questão da culpa, por sua vez, se torna cada vez mais complicada. É um drama de conflitos conjugais e intrigas tão realista que chega a ser assustador. Nunca nos mostra o que de fato ocorreu com o incidente, fazendo com que o processo judicial crie mais suspense, pois todos podem estar mentindo. Sobre a separação de Nader (Peyman Moadi) e Simin (Leila Hatami), com cada decepção revelada, é algo que se torna ainda mais complexo, nunca um mero formalismo. E apesar de o filme em nenhum momento tentar pregar algo sobre as questões tratadas, é feliz na abordagem sobre a moralidade, pois hoje a moralidade é uma palavra estranha para muitos e geralmente associada a religião (reverências e etc…), sem falar nos preconceitos e superstições. A moralidade está oculta em nós mesmos, seja por conveniência ou induzimento. A reflexão persiste em pensar que a verdadeira moralidade pode ser aplicada em diferentes lugares, ou seja, punível em alguns e em outros não. No entanto, é algo que está em todos os nossos pensamentos e ações. Ela é alternada entre nossas expectativas e emoções. É tipo algo como “auto-identidade”. Em A Separação, os nossos personagens, principalmente Nader tem que encarar sua realidade e, assim, analisar a situação e reconhecer a sua complexidade. — Luis Carlos
14. O Grande Hotel Budapeste (The Grand Budapest Hotel, 2014)
Direção: Wes Anderson | Roteiro: Wes Anderson, Hugo Guinness
Elenco: Ralph Fiennes, F. Murray Abraham, Mathieu Amalric, Adrien Brody, Willem Dafoe, Jeff Goldblum, Harvey Keitel, Jude Law, Bill Muray, Edward Norton, Saoirse Ronan, Jason Schwartzman, Léa Seydoux, Tilda Swinton, Tom Wilkinson, Owen Wilson
Simétrico, estiloso e até mesmo um thriller adorável, O Grande Hotel Budapeste é a imagem refletida de seu diretor, Wes Anderson, que aqui utiliza sua criatividade para arquitetar uma obra esteticamente fascinante. Mesmo não se caracterizando como o seu melhor trabalho, o filme sustenta-se utilizando traços de sua direção que conhecemos previamente de outras obras. Com isso, O Grande Hotel Budapeste cria uma zona de conforto deliciosa, abrindo espaço para que Ralph Fiennes e Tony Revolori – conectados pela montagem de Barney Pilling de forma brilhante para retratar o vínculo da dupla – encontrem-se em uma aventura não somente capaz de produzir um senso de urgência cômico em momentos como suas sequências de perseguição e fuga, mas também possibilitando que a relação de afeto entre os personagens – e aqui deve-se incluir também o próprio hotel, caracterizado por um design de produção que entrega a vida ao ambiente e permite que os sentimentos da dupla principal nunca soem artificiais diante de algo inanimado – seja o alicerce perfeito para que os instantes emocionais do filme atinjam o espectador. — André Fellipe
13. Ela (Her, 2013)
Direção & Roteiro: Spike Jonze
Elenco: Joaquin Phoenix, Amy Adams, Rooney Mara, Olivia Wilde, Scarlett Johansson
Spike Jonze conseguiu, de forma bela e onírica, criar uma história de amor entre um homem e uma máquina. Talvez o detalhe mais singelo de Ela não seja a voz melódica de Scarlett Johansson, mas a forma como Jonze conduz sua câmera, registrando uma paleta de cores quentes e um sorriso melancólico na magnífica interpretação de Joaquim Phoenix. Mas o filme não estanca as possibilidades em seu lado bonito; o agridoce de Ela também está nas consequências de um amor que une um ser humano e um sistema operacional que não possui vida real – apenas na cabeça do protagonista. — Ewerton Mera
12. Amor (Amour, 2012)
Direção & Roteiro: Michael Haneke
Elenco: Jean-Louis Trintignant, Emmanuelle Riva, Isabelle Huppert
Amor é um soco no estômago. Se existe amor verdadeiro, certamente é algo muito próximo ao retratado nesta película, dolorosamente belo e melancólico. Imagine dedicar toda a sua vida ao outro. Tudo parece bem e, subitamente, uma doença atinge seu companheiro e então todas as lembranças, possibilidades de planos e felicidade desaparecem. Enquanto ela vai definhando e cada vez menos tendo momentos de lucidez, ele precisa encontrar forças para cuidar da pessoa que mais amou em vida. A devoção dele é exemplar. Enquanto isso, Emmanuelle Riva interpreta magistralmente a senhorinha. Amor não é um filme para deixar o espectador confortável. É incômodo, mas ao mesmo tempo é maravilhoso ao traduzir este sentimento tão emblemático e impossível de ser decifrado. O desfecho, controverso, é de partir o coração. Mas fica claro que tudo é feito por amor, seja lá o que for este sentimento. — Rodrigo Ramos
11. O Mestre (The Master, 2012)
Direção & Roteiro: Paul Thomas Anderson
Elenco: Joaquin Phoenix, Philip Seymour Hoffman, Amy Adams
O responsável pelo melhor filme da década passada (Sangue Negro, obviamente) começa seu trabalho na década atual de forma nada menos que incrível. Paul Thomas Anderson aproveita-se de toda a incerteza da sociedade depois da Segunda Guerra Mundial para criar uma rede de personagens que se encaixam perfeitamente para demonstrar o quanto o ser humano é capaz de correr em círculos ao tentar escapar de características tão impregnadas de sua personalidade. Joaquin Phoenix e Philip Seymour Hoffman posicionam-se de forma incrível nessa situação, demonstrando uma relação de aprendiz e mestre que termina revelando o pior e o melhor de seus personagens, representações distintas do mesmo animal conhecido como ser humano. O segundo aproveitando-se da bestialidade do primeiro para ludibriar, lucrar e mascarar o seu complexo de superioridade. Paul Thomas Anderson demonstra aqui de forma linda sua habilidade por trás das câmeras ao coloca-los em celas e enquadrá-los separados pelas barras em uma das cenas chaves do filme. Ambos tentam um caminho que se baseia demais na esperança para alcançar sossego, uma noção que vai se deteriorando com o passar do tempo para revelar justamente as reais facetas dos envolvidos com o grupo religioso montado pelo personagem de Hoffman. Esses conflitos de autodestruição são responsáveis pelo tom de uma narrativa fantasticamente bagunçada que nos proporcionou uma experiência única no cinema na década. — André Fellipe
10. Corra! (Get Out, 2017)
Direção & Roteiro: Jordan Peele
Elenco: Daniel Kaluuya, Allison Williams, Catherine Keener, Bradley Whitford, Lil Rel Howery, Betty Gabriel, LaKeith Stanfield
Entre a saída de Barack Obama e a chegada de Donald Trump à Casa Branca, Corra! pareceu ser o filme certo, na hora certa. Jordan Peele, conhecido por seus trabalho dentro da comédia, acabou realizando uma obra que dialoga com o momento atual do planeta e dos EUA. Corra! mistura crítica social com absurdos, transitando entre gêneros, passando por momentos hilários até suspense e terror psicológico. É praticamente o pesadelo de qualquer negro dentro e fora da América. De certa forma, o filme parece um excelente episódio de Black Mirror. A obra desafia o espectador a todo momento, sendo surpreendente do início ao fim, sem nunca perder seu rumo. É um trabalho que sabe pra onde vai — diferente de outros indicados ao Oscar em 2018, ano em que concorreu (cof, cof, Três Anúncios Para Um Crime). É relevante, provocador, tenso, tem uma estética apurada, um elenco primoroso, um sendo de humor peculiar e situações bizarras. É um espécime único e que colocou Peele na lista de diretores mais promissores da atualidade. — Rodrigo Ramos
9. Boyhood: Da Infância à Juventude (Boyhood, 2014)
Direção & Roteiro: Richard Linklater
Elenco: Ellar Coltrane, Patricia Arquette, Ethan Hawke, Lorelei Linklater
Richard Linklater já contou uma história que percorre o tempo, dividido em três partes, chamados Antes do Amanhecer (1995), Antes do Pôr do Sol (2004) e Antes da Meia Noite (2013). Então reunir elenco e contar uma narrativa que ultrapassa uma década não é novidade para ele. Ainda assim, ele quis contar algo além do romance em três tempos. Mais ambicioso, Boyhood é um longa-metragem filmado durante doze anos. Apesar da complexidade de conseguir manter toda a equipe e uma narrativa coesa, Linklater soube administrar o trabalho e entrega um dos mais belíssimos filmes da década. Não há nada que salte aos olhos, pois visualmente não há nada de fantástico. A beleza de Boyhood está na simplicidade. O filme nada mais é que um recorte gigante do tempo, facilmente relacionável com qualquer um de nós, independente da idade. É incrível ver como o tempo passa voando diante de nossos olhos em uma única película. São momentos aleatórios da vida desse personagem, algumas vezes sem muita importância – certamente não seriam escolhidos para contar certas biografias. Tudo é feito com sutileza, desde as atuações naturalistas aos diálogos que soam críveis. A magia fica no fato de narrar a vida como ela é e não há nada mais poético e belo do que a vida em si. — Rodrigo Ramos
8. Trama Fantasma (Phantom Thread, 2017)
Direção & Roteiro: Paul Thomas Anderson
Elenco: Daniel Day-Lewis, Vicky Krieps, Lesley Manville
O complexo e enervante Trama Fantasma retoma parceria entre o diretor Paul Thomas Anderson e o ator Daniel Day-Lewis, em Sangue Negro, e apresenta um filme de múltiplas camadas. Um longa sobre relacionamento abusivo, mas que também discute os limites da busca pela aceitação do outro. Ambientada na Londres dos anos 1950, o longa retrata o glamour e a alta costura da época e apresenta a vida de Reynolds Woodcock (Daniel Day-Lewis), um estilista confiante e focado que tira inspiração das mulheres que, constantemente, entram e saem de sua vida. Acostumado a vestir a realeza, estrelas de cinema, socialites e damas, Woodcock vê sua trama perder o rumo quando se envolve com Alma (Vicky Krieps), uma jovem forte que logo se torna um acessório necessário para sua vida e carreira, como musa e amante.
O longa possui um valor artístico imenso. Figurinos, fotografia e direção de arte trabalham em conjunto para recriar com detalhes a época em que o filme se passa, além da trilha sonora precisa de Jonny Greenwood. Oferecendo mais uma grande atuação em sua carreira, Day-Lewis encarna um costureiro renomado e metódico, uma pessoa de difícil convivência e hábitos bem peculiares. Não é uma figura para se amar e o brilhante ator mergulha profundamente na alma do costureiro obsessivo. A forma como se movimenta, passando por simples expressões e até mesmo o seu tom de voz (com o seu sotaque britânico inclusive), é uma composição de personagem mais uma vez impecável. Lesley Manville e Vicky Krieps, que interpretam a irmã e a musa do personagem de Day-Lewis, respectivamente, também entregam grandes atuações, sendo mulheres essenciais nesse universo que gira em torno do egocêntrico estilista. É um filme estranho, não convencional, elegante, único. — Leonardo Barreto
7. Cópia Fiel (Copie conforme, 2010)
Direção: Abbas Kiarostami | Roteiro: Abbas Kiarostami, Caroline Eliacheff
Elenco: Juliette Binoche, William Shimell
Falar do cinema do Abbas Kiarostami é falar da distância entre ficção e realidade e o quanto, dentro do universo cinematográfico, a ideia do que é real é sempre uma representação. Em Cópia Fiel, apesar de não ser o filme em que o diretor mais explora a intersecção entre representação e realidade, é uma das suas obras onde a discussão é mais latente. Cópia Fiel é uma obra que pega o conceito que “uma reprodução de algo tem tanto valor quanto o original” e cria um jogo entre os personagens e a própria audiência, trazendo possibilidades sem jamais entregar uma resposta absoluta. E tudo isso através de uma execução magistral da direção e de interpretações para aplaudir de pé. Um filme inesquecível. — Carissa Vieira
6. Parasita (Gisaengchung, 2019)
Direção: Bong Joon-Ho | Roteiro: Bong Joon-Ho, Jin Won Han
Elenco: Kang-ho Song, Sun-kyun Lee, Yeo-jeong Jo, Woo-sik Choi, So-dam Park, Jeong-eun Lee, Hye-jin Jang, Ji-hye Lee, Ji-so Jung, Myeong-hoon Park, Seo-joon Park
Parasita é o filme que simboliza como a Coreia do Sul se profissionalizou ao longo da década para comercializar uma imagem positiva do seu país e chamar a atenção de turistas (o k-pop também foi fundamental nisso). O que, curiosamente, serve como ironia sendo Parasita o filme que é. O longa se tornou um sucesso internacional (espere para vê-lo no Oscar com força total) estrondoso ao narrar uma história que subverte as expectativas do espectador, transita entre gêneros, é conduzido como se fosse uma orquestra ou uma ópera, com primor técnico invejável e criatividade de sobra. Acima de tudo isso, é uma obra com uma história sólida e que denuncia um lado não-comercializado da atual Coreia do Sul nos mercados internacionais; um país que acumula grandes riquezas, porém nas mãos de poucas pessoas (os 10% mais ricos do país possuem 45% da renda), criando assim uma crise de desigualdade que faz pessoas pobres morarem em locais no subsolo na capital do país e com pouquíssimas oportunidades de ascensão social. Para se ter ideia, segundo pesquisa de 2015, mais de 860 mil sul-coreanos, de uma população total de 51,4 milhões, vivem nesse tipo de moradia onde reside a família Kim. Sim, Parasita é impecável em todos os sentidos de execução, mas certamente o que fez o filme ressonar no mundo inteiro é o fato de retratar algo notado em todo o planeta: a falência do capitalismo. — Rodrigo Ramos
5. A Árvore da Vida (The Tree of Life, 2011)
Direção & Roteiro: Terrence Malick
Elenco: Brad Pitt, Jessica Chastain, Sean Penn
Um homem pensando no passado reflete sobre a vida e a morte. Um pai cria os filhos de forma rígida. Uma família perde uma criança. Crianças brincam no terreno de casa, por entre as árvores e as folhas. Uma mulher persegue uma borboleta. Momentos comuns formam um mosaico de micro vivências que através da câmera de Malick, que flutua como um fantasma nos leva ao caminho da criação, da natureza, da fé, do nascimento, da morte, do tempo e do espaço. Do Big Bang, passando pelos dinossauros, até o fim do universo. Da história comum de uma família, para o macrocosmo que observa a totalidade da existência humana. Usando de todas as armas disponíveis o diretor entrega uma obra sensorial que nos impacta emocionalmente com suas belas imagens, com a graça de uma Jessica Chastain angelical, com uma narração sussurrada que toca a alma, com os sublimes sons de Alexandre Desplat e mesmo quando a racionalidade desorientada não consegue definir exatamente o que acabamos de ver, a jornada emocional já aconteceu e ela é marcante, reflexiva, pungente e inesquecível para muita gente — porque ainda estamos falando de uma obra que já foi bastante discutida e certamente também muito odiada. O ápice narrativo e estilístico de um dos melhores diretores em atividade. — Douglas Couto
4. Carol (2015)
Direção: Todd Haynes | Roteiro: Phyllis Nagy
Elenco: Cate Blanchett, Rooney Mara, Sarah Paulson, Kyle Chandler
Alguns anos após sair de mãos vazias do Oscar, Carol ainda parece bom demais para aquela premiação, marcada pela falta alarmante de diversidade. É um filme composto com tanto cuidado pelo diretor Todd Haynes que se você piscar é capaz de perder algumas das tomadas mais bonitas dos últimos anos, do granulado do filme 16 mm à paleta de cores chapadas, quase uma relíquia do cinema da década de 50, época em que se passa. Adaptado do romance The Price of Salt, escrito por Patricia Highsmith, Carol acompanha a história de amor entre Carol Aird (Cate Blanchett), membro da elite nova-iorquina, e Theresa Belivet (Rooney Mara), uma tímida aspirante à fotografa. Como Haynes faz disso um tema é um dos principais destaques da obra: enquanto Therese observa Carol pela lente de sua câmera, nós as observamos – espiamos – através de janelas, vidraças, espelhos, quase nunca diretamente, a não ser em momentos chaves, nos quais a escolha ganha uma força extraordinária. Carol é sobre o toque, e como ele pode durar mesmo quando a mão não está mais lá; é sobre o olhar e como às vezes ele é o suficiente para comunicar uma mensagem, e é também sobre como era ser gay nos anos 50, mas é surpreendentemente um filme necessário para o agora. — Ana Carolina Nicolau
3. Moonlight: Sob a Luz do Luar (Moonlight, 2016)
Direção: Barry Jenkins | Roteiro: Barry Jenkins, Tarell Alvin McCraney
Elenco: Trevante Rhodes, Ashton Sanders, Alex R. Hibbert, Mahershala Ali, Janelle Monáe, Naomie Harris, Jharrel Jerome
Dono de um dos momentos mais memoráveis da história do Oscar — ha ha, La La Land — Moonlight é merecedor do prêmio que venceu. Dono de uma invejável aclamação mundial (média 99 no Metacritic), o filme é uma saga em três atos sobre a vida de um negro que vive na periferia de sua cidade e precisa encontrar formas de sobreviver. Ser afro-descendente e pobre já é difícil o suficiente nesse mundo, porém adicione aí ser homossexual que a situação sofre uma considerável piora. Da infância à vida adulta, são vários os testes, traumas e situações complicadas pela qual o protagonista precisa passar. A obra é poética, porém fincada com os dois pés no chão, chegando a ser brutal; ela dá voz a um povo periférico, que normalmente não possui chance de ser ouvido. É sobre crescimento, a descoberta da sexualidade, apaixonar-se, dor, política (ainda que não seja um tema direto, toda a ambientação prova-se ser uma película de cunho altamente político-social), sobre a vida de muitos. São temas universais dentro de contexto atual, sendo facilmente relacionáveis. É uma película necessária. É um presente. É uma obra de arte. — Rodrigo Ramos
2. Mad Max: Estrada da Fúria (Mad Max: Fury Road, 2015)
Direção: George Miller | Roteiro: George Miller, Brendan McCarthy, Nico Lathouris
Elenco: Tom Hardy, Charlize Theron, Nicholas Hoult, Hugh Keays-Byrne, Zoë Kravitz, Rosie Huntington-Whiteley, Riley Keough, Abbey Lee
Três décadas após o último filme da franquia, George Miller retornou para Mad Max. Mesmo não tendo sido um sucesso de bilheteria, Estrada da Fúria transcende o gênero blockbuster para se tornar uma das produções mais incríveis da última década. Utilizando com eficiência os efeitos práticos com o mínimo de recursos visuais possíveis, Miller colocou sua equipe no deserto durante três anos para chegar ao resultado que desejava. Em uma narrativa que tem poucos diálogos, mas diz muito, Miller orquestra um dos maiores espetáculos visuais já criados para o cinema, com cenas de ação e perseguições antológicas e um guitarrista inesquecível. Miller consegue que sua obra seja atual ao discutir a escassez da água, a submissão do ser humano onde aquele que tem posse da maior parte da riqueza é quem manda, e o empoderamento feminino. Liderado pela Imperadora Furiosa (Charlize Theron, magnífica), o longa deixa de ser sobre Max (Tom Hardy, bem no papel), e se trata da revolução feminina, daquelas mulheres cansadas de serem exploradas e submissas. Elas querem a independência e Furiosa é o símbolo dessa luta feminista.
Mad Max: Estrada da Fúria tem subtexto, tem personagens insanos, sequências de ação delirantes, edição precisa e oscarizada de Margaret Sixel, trilha sonora eletrizante de Junkie XL, fotografia deslumbrante, atuações condizentes com todo o resto e uma direção impecável. É cinema pipoca da melhor qualidade, mas em momento algum deixa de ser um filmaço só por ter um orçamento acima de US$ 200 milhões. Ele transcende qualquer rótulo ou preconceito cinematográfico. — Rodrigo Ramos
1. A Rede Social (The Social Network, 2010)
Direção: David Fincher | Roteiro: Aaron Sorkin
Elenco: Jesse Eisenberg, Andrew Garfield, Justin Timberlake, Armie Hammer, Max Minghella, Rooney Mara, Rashida Jones
Dez anos se passaram desde o lançamento de A Rede Social e o longa-metragem dirigido por David Fincher parece ter sobrevivido ao tempo. Não apenas resistiu, como também mostra-se após uma década um retrato certeiro de nós como sociedade. Pode não ser exatamente o filme mais fiel aos fatos (a personagem de Rooney Mara, por exemplo, nunca existiu na vida real), mas a essência dos acontecimentos estão lá — Mark Zuckerberg (Jesse Einsenberg, perfeito para o papel) é o exemplo da inabilidade de conexão, além de ser uma idealização certeira da pessoa, que hoje responde por várias ações legais e acusações com o mínimo de empatia e interesse, a exemplo de sua deposição diante do Congresso dos Estados Unidos.
Entretanto, a película escrita por Aaron Sorkin não precisa de precisão cirúrgica dos fatos quando consegue descrever tão bem e até prever como iríamos reagir ao longo desta década. As relações plásticas, muitas vezes baseadas somente em likes e numa versão de felicidade total que não corresponde à realidade — o que hoje sabe-se que é uma espécie de mal moderno, já que a tendência de pessoas jovens terem depressão pela exposição constante das redes é altíssima. A necessidade de se conectar tornou a rede social viável, mas proporcionalmente a dificuldade de se conectar de verdade e fisicamente se manteve e, por vezes, criou-se a impressão de que a distância de relações interpessoais aumentou. O que deveria conectar, acaba distanciando. Homens continuam sem saber como se expressar em geral e ter relações significativas, muito por conta da nossa sociedade patriarcal, o que resulta em pessoas que se escondem por trás de uma tela e se vingam na internet contra mulheres e todo tipo de minoria. As redes sociais podem ter e têm pontos bastante positivos (provavelmente você não leria este texto se não tivesse visto o link em uma delas), porém não há como negar que elas também catapultam o que há de pior no ser humano e servem para alimentar o egoísmo e a individualidade. Para Mark Zuckerberg e milhões de usuários de suas redes sociais, a ideia é criar a ilusão para os outros de sermos quem não somos — ou pior, de fato retratar aquilo que somos no nosso íntimo, caso de supremacistas brancos e misóginos. — Rodrigo Ramos
Fizeram parte desta eleição:
Caio Coletti, jornalista e colaborador do site UOL.
Carissa Vieira, roteirista, formada em Cinema e Audiovisual.
Diego Quaglia, cineasta, roteirista e crítico de cinema e audiovisual.
Douglas Couto, fotógrafo e estudante de áudiovisual.
Ewerton Mera, bacharel em Letras, mestre em Semiótica, professor de português.
Luis Carlos, administrador do grupo Crônicas de Séries.
Paulo Henrique de Moura, jornalista, diretor da Milk Conteúdo, professor no Senac São Paulo e no Centro Universitário Belas Artes de São Paulo.
Rafael Bürger, bacharel em Imagem e Som pela UFSCar e cineclubista.
Renan Santos, formado em cinema, crítico e newsposter no site Cine Eterno.
Roberto Sadovski, jornalista e crítico de cinema, escreve sobre cinema para o site UOL.
Rodrigo Ramos, jornalista, editor do site Previamente, foi programador de cinema na Cineramabc Arthouse.
Zé Guilherme, farmacêutico, mestre em Fisiologia, já colaborou nos sites LoGGado e Cine Alerta.
Textos por Carissa Vieira, Douglas Couto, Luis Carlos, Rafael Bürger, Ewerton Mera, Ana Carolina Nicolau, Fellipe José Souza, André Fellipe, Leonardo Barreto & Rodrigo Ramos
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