Melhores Atuações Coadjuvantes
Claire Danes (Fleishman is in Trouble)
Após os anos de Homeland, esperávamos outra série que pudesse ser grande o suficiente para caber o talento de Claire Danes. Eis que veio Fleischman is in Trouble (ou A Nova Vida de Toby, título em português). Mesmo sendo uma coadjuvante e mal dando as caras em alguns episódios (até porque ela literalmente some dentro da narrativa), Danes brilha com intensidade. Ela tem um episódio só dela – “Me-Time”, sétimo capítulo da minissérie – para extrapolar todos os limites da atuação. Numa performance arrasadora, inesperada e comovente, Danes coloca tudo de si em Rachel, passando pelos picos de alegria até o fundo do poço, a partir das frustrações, do trauma da violência obstétrica, da rejeição, do burnout (aqui um retrato bastante intrigante sobre como estamos pedindo demais das pessoas, principalmente das mulheres, que acumulam jornadas de trabalho dentro e fora de casa), do esgotamento como um todo. Todos sabem que Claire Danes sabe surtar como ninguém e seu choro é tão doloroso que é possível sentir com ela tamanha dor. E, aqui, isso não é diferente. Danes entrega tudo de si para uma personagem complexa e real. — Rodrigo Ramos
Jennifer Coolidge (The White Lotus)
Louvada por muitos, a verdade é que Tanya é mais uma personagem muito semelhante aos que Jennifer Coolidge já fez ao longo de toda sua carreira. Caricata, sexualizada, nariz empinado — lembra até seu papel em 2 Broke Girls. Principalmente no primeiro ano de The White Lotus, a personagem, particularmente, não me traz nada de memorável. Ainda assim, ela retorna para o segundo ano da antologia e, desta vez, Mike White (roteirista, diretor e criador da obra) adiciona novos elementos à personagem, que acabam fazendo com que Coolidge consiga ir mais longe e, assim, sair um pouco da mesmice de seus trabalhos — e nem estou a criticando, pois ela diverte, mesmo que os papéis sejam reprises. Tanya não é apenas mais uma paródia da mulher rica entediada. Sim, o modo como trata sua assistente continua sendo deplorável, mas há novas nuances que a tornam um ser tridimensional e não somente uma caricatura. O relacionamento que guia sua narrativa a põe em uma posição de melancolia, solidão e rejeição. E, por fim, a performance de Coolidge acaba tocando num lugar sentimental inesperado, que é quando ela consegue brilhar e transcender de vez a caricatura. Claro, no último episódio é quando ela consegue ser transformada em um meme para a eternidade na internet e arranca boas risadas do público, mas a construção dessa jornada faz com que, no fim das contas, sua Tanya, agora sim, seja memorável. — Rodrigo Ramos
Meghann Fahy (The White Lotus)
Na segunda temporada de The White Lotus, Mike White reformula estruturalmente o foco principal de sua trama, tornando assim seus hóspedes menos insossos e mais interessantes de se observar. A sátira ainda está ali, mas o tom da piada mudou. E dentro dessa mudança a personagem mais atraente é Daphne Sullivan, vivida por Meghann Fahy.
De férias com seu marido Cam (Theo James) e sem disposição em acompanhar as notícias do mundo atual, é a típica personagem que já sentimos esbarrar em outras histórias. E esta é a primeira armadilha que nos inibe de apreciar o grande subtexto que está por trás. Porém, logo fica claro para o telespectador, que sob os padrões florais e da persistente alegria, por baixo da doçura e do sorriso encantador há uma personagem calculista e astuta, com um relacionamento construído sobre desconfiança e jogos mentais. Daphne aqui subverte os clichês da TV sobre a vitimização feminina.
A complexidade da personagem culmina no final da temporada. Intitulado “Arrivederci”, o episódio se passa no último dia de viagem à Itália. Em uma cena crucial, Ethan diz à Daphne que acha que seus parceiros os traíram. Seu rosto cai brevemente, mas no verdadeiro estilo Daphne, ela o afasta. É um trabalho impecável de Meghann Fahy, em 20 segundos seus olhos nos dizem tantas coisas, ao transparecer aqui em palavras, incertezas, frustrações, inimizades, vingança e inocência… Vinte segundos. E assim como todo personagem unidimensional, é difícil saber com certeza.
Muito se fala sobre o que sobra desses personagens construídos pelo Mike White após o checkout em white lotus resort, acredito que fosse para imaginarmos Daphne agora, a sua dinâmica apresentada se mantém, e que seu estilo floral que nos ludibria não foi desviado de sua artificialidade.
Sabemos que em The White Lotus ninguém é objetivamente “bom”, mas uma personagem com mais camadas do que se espera é em suma com uma metáfora sobre serenidade que pode nos ensinar algo. Dinheiro não compra felicidade? Isso é verdade, mas como aponta Daphne pode comprar indiferença ou “… fazer aquilo que é preciso para não se sentir uma vítima da vida”. — Isabela Cândido
Brian Cox (Succession)
Em apenas três episódios (dois e meio, na verdade), Brian Cox, através do trabalho de gênio do roteirista Jesse Armstrong, faz com que seu Logan Roy se mantenha vivo e presente na memória dos espectadores, do lado de cá da tela, e de todos da companhia que deixa para trás, dentro da trama. Com sua capacidade de aterrorizar psicologicamente a todos, durante os episódios em que aparece de fato, Logan se mostra, inicialmente, por cima da carne seca, pronto para travar mais uma batalha contra os filhos, mas, por incrível que pareça, ele sente, pela primeira vez… Amor? Uma bela forma de remeter ao soberbo final da temporada anterior. Depois de humilhar, assediar e traumatizar os filhos, enfim Logan percebe que tem sentimentos positivos acerca daqueles que ele criou. Essa mudança na perspectiva, ainda que venha razoavelmente rápida na trama, não é forçada e soa bastante plausível, ainda mais na atuação sempre irretocável de Cox como o matriarca dos Roy. No breve período presente vivo na temporada, Cox explora outras vertentes do personagem, fazendo dele ainda mais complexo e difícil de compreender do que antes. É uma atuação magnética, grandiosa e, quem diria, sensível neste último ano da série. E sua capacidade cênica é imensa a ponto de sua presença ser sentida a cada cena até os instantes finais da série. É talento que não cabe na tela. — Rodrigo Ramos
Ayo Edebiri (The Bear)
Quando um jovem artista é o “breakthrough role” da temporada, não é incomum ficarmos com a pulga atrás da orelha. “Será mesmo que ele/ela foi tudo isso?”. Bem, quando o assunto é Ayo Edebiri, a resposta é sim. Responsável por conquistar o coração dos telespectadores na impressionante estreia de The Bear como a jovem sous chef Syd, Edebiri é daqueles carismas genuínos que chegam a ser magnéticos de tão confortável e relacionável. Num show em que a densidade e o nível de estresse dos personagens foi marca registrada, Syd trouxe paz, esperança e sonhos para o pessoal do The Original Beef of Chicagoland.O mais curioso é que não foi só num papel inovador que o nome da atriz despontou. Ayo alçou voos como co-roteirista (What We do in The Shadows), recebendo indicações até mesmo ao WGA Awards (Prêmio do Sindicato dos Roteiristas de Hollywood) deste ano. Ainda ouviremos muito falar dessa nova estrela e confesso que só me mostro mais e mais animado, seja para os textos da senhorita Edebiri, seja para novos papéis como o da apaixonante Sydney Adamu. — Zé Guilherme
Anthony Carrigan (Barry)
Enquanto Barry foi se esquecendo que se tratava de uma comédia, o único do elenco que se manteve ciente do gênero e respeitou a origem da série foi Anthony Carrigan. Hank foi recebendo material ainda melhor a cada temporada e, durante o quarto e derradeiro ano do seriado, se provou o refúgio cômico – e necessário – da produção. Com uma narrativa toda sua, Carrigan é magistral na arte de fazer rir. Ele é dono de um timing certeiro, interpreta o material com total devoção ao personagem, e suaviza toda a densidade do ar da série. Sua persona é tão ímpar em cena que até mesmo quando ele sofre, nós sofremos juntos – talvez a principal dor da temporada seja, justamente, a escolha difícil de seu personagem. Sem medo de nos fazer rir, Carrigan faz o seu melhor, sendo capaz de se destacar dentre dezenas de outros grandes performers da temporada 2022/2023. — Rodrigo Ramos
Sarah Goldberg (Barry)
Desde o início de Barry, Sally, vivida por Sarah Goldberg, era uma personagem que me incomodava. Talvez porque, dentre todos os personagens, ela se demonstrava tão egocêntrica quanto os demais, porém, de algum modo, ela não se via dessa forma, e até certo momento a série tentava nos convencer do contrário. No terceiro ano e, principalmente, na quarta temporada da série, Sally passa a deixar de lado essa máscara e assume de vez que é tão ruim quanto tantos outros personagens que vemos em cena em Barry – tão egomaníaca quanto Gene (Henry Winkler), por exemplo. Nesta navegação entre se colocar como vítima das circunstâncias (e na maioria dos casos não era) e ver-se como uma grande estrela, Sarah Goldberg entregou uma grande performance. Como Barry passou pela metamorfose de comédia para drama, os caminhos de Sally também seguiram essa mudança no tom, e a atriz conseguiu encaixar-se muito bem nisso, na performance mais dramática de toda a série, brilhando nos momentos em que deixa sua soberba aflorar, em meio ao caos e desespero de presenciar um assassinato, até a depressão de ter feito a escolha de deixar tudo para trás e tentar formar uma família normal, longe dos palcos, algo que se arrepende amargamente. Sally não foi feita para ficar fora dos holofotes, tampouco Sarah Goldberg. — Rodrigo Ramos
Aubrey Plaza (The White Lotus)
Com um olhar característico que diz muito sem precisar dizer nada, algo que traz consigo em todos os seus papéis – em especial, em Parks and Recreation –, Aubrey Plaza confere à Harper Spiller uma performance sofisticada. Bem menos cômica do que o costume, ainda que com um quê de deboche, mas bastante firmada no chão. É uma atuação centrada e contida, em uma personagem incomodada com o seu redor e sua posição atual, com desconfianças e um ar de mistério, uma dubiedade satisfatória de assistir. Harper enxerga-se superior em relação aos amigos do companheiro, coloca-se num pedestal, veste a armadura, mas tem diversas fragilidades – assim como Daphne, personagem de Meghann Fahy, também as possui. É uma personagem complexa, trágica, humana. Era o tipo de papel que Plaza precisava para demonstrar que suas competências vão além de comédias (terreno em que ela é excelente) e filmes de terror. — Rodrigo Ramos
Matthew Macfadyen (Succession)
É difícil enumerar os melhores personagens e as melhores atuações em Succession porque texto e elenco sempre formaram uma sintonia de excelência tão grande. O mais fácil, provavelmente, é dividir entre os melhores momentos de cada um dentro de cada temporada e no todo da série. Exatamente sobre o que ela trata, afinal, quem seria o escolhido? O vencedor, com certeza, foi o Tom Wambsgans de Matthew MacFayden. Um personagem que sempre demonstrou com clareza suas ambições, ao menos para o público, pois enquanto maquinava com Greg por debaixo dos panos, tranquilamente se dispunha a qualquer coisa, literalmente, para chegar ao poder.
Sua história de ascensão, no entanto, também é uma história de amor. Enquanto sempre foi gostoso demais assistir MacFayden em uma veia cômica com ações que beiravam o ridículo, as cicatrizes de seu romance com Shiv se sobressaem porque são nelas que ele deixa transparecer, principalmente nessa última temporada, toda a carga pela qual seu personagem passou.
O momento que sintetiza o quão brilhante é o trabalho do ator é evidente na discussão com Shiv na sacada em “Tailgate Party”. As expressões faciais de MacFayden ali são deslumbrantes e hipnotizantes. Há tanta verdade na forma como ele coloca cada palavra, e parece se arrepender antes mesmo de proferir algumas delas. É a culminação de um trabalho que, naquele momento, parece até surreal quando lembramos que se trata de uma atuação. Um ator que dá a seu personagem, o qual não devia merecer um mínimo traço de empatia nossa, uma narrativa quase trágica, regada de reviravoltas que nos enlaçam de maneira tal que parece até inevitável esboçar um sorriso quando ele é revelado o novo CEO da Waystar Royco.
Discorda da “sucessão”? E no que isso afeta Tom Wambsgans? — Renan Santos
Rhea Seehorn (Better Call Saul)
Better Call Saul só é o que é por causa de uma personagem: Kim Wexler. Portanto, é chocante Rhea Seehorn só ter recebido qualquer indicação ao Emmy pela série apenas nesta última temporada, e com chances enormes de sair de mãos vazias da premiação, assim como a série no todo. Um trabalho excepcional que não recebeu o devido reconhecimento de seus pares. Nada que em momento algum tenha abalado público, realizadores, atriz e a jornada de Kim Wexler. Personagem que é o contraponto perfeito ao Jimmy, de Bob Odenkirk, e a influência perfeita para Saul Goodman quando ela revela sua capacidade de jogar tão sujo quanto ele. Ela é, também, uma personagem que carrega toda uma espécie de retratação da misoginia com a qual Breaking Bad tratou a Skylar de Anna Gunn. Não é para simplesmente gostarmos dela, mas entendermos seu lado, suas convicções, ações e decisões. Assim, conseguimos compreender o antes e o depois da separação de MW, McGill e Wexler. E uma questão sempre perdurou na série por isso: o que teria acontecido a Kim Wexler? Depois do chocante final da primeira parte desta última temporada, a resolução do destino de Kim foi até breve, e ligada diretamente à transformação completa de Saul Goodman. E aí vêm o antes e o depois.
Com a espiral em que entram trazendo à tona para Kim o mal que são os dois juntos, com Rhea Seehorn numa despedida que nos destroça e o “eu te amo” mais doloroso possível saindo de sua boca. As nuances que ela ali entrega são devastadoras, como a personagem assumindo que estava se divertindo durante esse tempo todo. Remete, sem pestanejar, à cena do “finger gun” de temporadas anteriores. É Kim Wexler em seu estado nu e cru, a realidade do quanto a personagem tinha prazer com aquilo que fazia e o fazia de maneira tão metódica. Rhea Seehorn traduz tudo tão perfeitamente que parece não poder sair algo melhor cena após cena, no entanto, o ápice só vem mais tarde.
A resposta tão esperada do destino de Kim é revelada em “Waterworks”, episódio que, sinceramente, tem uma das cenas mais memoráveis dentre tudo que já assisti. A explosão de sentimentos de Kim no ônibus, tantos anos depois de repreendê-los, é uma cena que engloba tudo que hipérboles se referem quando queremos elogiar algo grandioso. Não há uma única palavra que sozinha seja capaz de sintetizar de maneira ideal tudo que acontece naquele momento, quando o choro de Kim Wexler se faz mais forte que qualquer barreira que ela tenha imposto à sua vida até então. E a principal responsável por isso é Rhea Seehorn, com uma atuação até além do patamar ao qual foram elevadas as produções deste universo da série. Uma atuação que faz ecoar com clareza todos os sentimentos que a personagem resguardou e deixou aflorar, uma atuação que é pura grandeza e merece todos os elogios, aplausos e laureios possíveis. — Renan Santos
Menções honrosas: Paul Walter Hauser (Black Bird), Nick Offerman (The Last of Us), Tony Shalhoub (The Marvelous Mrs. Maisel), Alex Borstein (The Marvelous Mrs. Maisel) e Molly Shannon (The Other Two).
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