Performances de Succession, I Know This Much Is True e Normal People estão na lista.
O Previamente, a partir de um júri com 21 pessoas entre profissionais da área, jornalistas, críticos, estudantes e aficionados por séries, elegeu os melhores atores da TV na temporada 2019/2020. A seleção foi realizada utilizando os mesmos critérios do Emmy Awards: entram as obras que foram exibidas em sua totalidade ou mais de 50% de sua temporada entre 1º de junho de 2019 até 31 de maio de 2020.
Confira abaixo a lista completa abaixo.
MELHORES ATORES
Mark Ruffallo (I Know This Much Is True)
Me incomoda a obsessão de I Know This Much Is True a partir de dado momento, com o mistério da paternidade dos protagonistas da série, e é chocante o quão equivocada é a realidade quando nos revelada, porque tira muito de um personagem que tanto nos oferece em um trabalho simplesmente extraordinário de Mark Ruffalo. Primeiro, na forma de Dominick Birdsey, vivendo praticamente em sua versão do mito de Sísifo. É quase inacreditável como a tragédia assombra a vida de Dominick, mas é a maneira como Ruffalo representa a crise que vive esse homem de meia idade que faz o todo convincente. O sofrimento é sua normalidade, e o conformismo só não vem pelo desafio que ele aceitou enfrentar. A naturalidade da atuação, mesmo dentro de uma narrativa um tanto melodramática, é marca registrada das obras de Derek Cianfrance, e Mark Ruffalo é mais um a colher frutos em parceria com o realizador. Existe uma certa maturidade constituída por Ruffalo no personagem, que trespassa o desgaste de uma batalha, de um rolar de rocha morro acima só para que, no dia seguinte, tenha toda a subida de novo pela frente.
Entendo perfeitamente quem disser não gostar do trabalho do ator aqui, mas a verdade é que sintetizar em suas expressões o cansaço, o abatimento da vida sobre seu personagem, é algo que chega a ser assombroso em determinadas cenas. O contrário acontece também, quando em poucos casos o personagem, através de Ruffalo, se ilumina. Sempre acontece quando vê o amor de sua vida — clichê e meloso, como Derek Cianfrance gosta, mas sincero em Ruffalo. Por vezes acontece quando ele encontra algum momento de paz em seu irmão, Thomas Birdsey. Aí nos lembramos que em nenhum momento dos gêmeos juntos existe mais de um ator em cena, pois é Mark Ruffalo quem interpreta ambos. Assim, o inacreditável se torna o fato de estas não serem duas pessoas diferentes, pois Ruffalo assume uma forma completamente adversa ao entrar na persona de Thomas, e é inquietante vê-lo em um constante conflito com si próprio e com todos ao seu redor; acuado, confuso, flagelado. É impressionante a diferença e a entrega a ambos os personagens. Ainda mais como estes irmãos, como as duas personas vividas por Ruffalo, encontram paz um no outro sem, em nenhum momento, sequer coexistirem de verdade. Uma conexão que atormenta a um, pelo sentimento de culpa e responsabilidade, mas salva a outro, até onde é possível. Os condena, porém, a uma existência melancólica, e Mark Ruffalo sintetiza isso numa das atuações mais memoráveis do ano. — Renan Santos
Ted Danson (The Good Place)
Com uma carreira tão longa, diversificada e premiada, Ted Danson não tem nada a provar pra ninguém. The Good Place havia lhe dado novas dimensões para interpretar, contudo a temporada final da série definitivamente o põe em outro patamar, provando o quanto a comédia depende do seu desempenho em cena. Mesmo quando a narrativa falha, Danson está lá, presente de fato, honrando seu papel e segurando as pontas. Há gentileza na interpretação de Danson, de uma forma que torna Michael, o demônio, não apenas humano, mas o alicerce, a fundação da série. No finale (excelente, por sinal), Danson entrega uma performance não somente convincente, mas profunda, expressando emoções que se tornam palpáveis. Entre o lado cômico e o aspecto emocional, o ator vai além do que se espera de uma mera comédia. Arranca risadas, sim, mas também aquece os corações dos espectadores. — Rodrigo Ramos
Billy Porter (Pose)
O despertar de Pray Tell para o ativismo é um dos processos mais tocantes da segunda temporada de Pose. No primeiro episódio da leva, “Acting Up”, observamos enquanto a frustração e a tragédia pela qual o personagem passou no primeiro ano se transformam em revolta, e fome por transformação. No papel, Billy Porter acerta em cheio ao mostrar o local machucado do qual vem esse ímpeto — como alguém que viveu a mesma época que a série retrata, ele entende e comunica de forma profunda o quanto o fogo ativista vem não só de uma necessidade social, mas de uma necessidade pessoal.
Esses indivíduos precisam que as coisas mudem, porque estão sendo quebrados pela forma como as coisas são. Nos olhos de Porter, Pose encontra o melhor e mais direto argumento neste sentido, e esse processo ecoa por toda a temporada, com o ator encontrando novas modulações para a personalidade indefectível que construiu para Pray no primeiro ano. Através de tramas românticas e conflitos entre amigos, ele nunca perde a linha narrativa na qual o personagem foi colocado, se mostrando uma das rochas de coerência nas quais a série pode se apoiar quando ameaça se deixar levar por caprichos superficiais. — Caio Coletti
Will Arnett (BoJack Horseman)
Ao longo de seis temporadas, Will Arnett teve o seu maior desafio como dublador ao conseguir dar personalidade e profundidade a um cavalo humanoide. Por mais que as atitudes de seu personagem sejam altamente questionáveis (e condenáveis), Arnett sempre interpretou BoJack com muita honestidade, trazendo à tona as emoções mais complicadas de se emular. Mesmo com ações deploráveis, é difícil não compadecer das dores do personagem, dos seus traumas — afinal, parte de ser quem é vem do ambiente familiar e da própria indústria hollywoodiana. A interpretação de Arnett é cuidadosa, mas não manipulativa a ponto de lhe fazer torcer para que ele saia impune, e sim o bastante para que o espectador sinta empatia por sua figura. Além de todo lado dramático, Arnett consegue arrancar sorrisos a partir do sarcasmo do personagem assim como gargalhadas em outros momentos de pura comédia que a série entrega. É uma performance minuciosa e completa. Nestas seis temporadas de BoJack Horseman, não houve tarefa que Arnett não conseguisse executar. Entre os homens difíceis da TV, talvez Arnett tenha um lugar especial ao lado de grandes performances como as de Bryan Cranston, Jon Hamm e James Gandolfini. — Rodrigo Ramos
Paul Mescal (Normal People)
Neste que é praticamente seu primeiro papel no audiovisual, Paul Mescal impressiona pela sinceridade e vulnerabilidade de sua performance. Em suas mãos, e corpo, Connell ganha uma vida emocional singular, trazendo simpatia para um personagem que, feito por qualquer outra pessoa, poderia perder qualquer traço de identificação com o público por suas ações. A entrega do ator é essencial para traduzir as dores e dificuldades de comunicação que perseguem Connell: seus gestos, mãos, rosto, postura, juntos criam um discurso paralelo que faz transparecer a perturbação interna do personagem. Muitas vezes rígido, sem muito tato social, Connell pouco fala, ao menos com outras pessoas que não Marianne (com quem os poucos momentos de troca são um claro oásis), e quando o faz, conseguimos perceber o quão difícil é para ele articular verbalmente seus pensamentos e sentimentos, que saem, na maioria das vezes, entrecortados, como pequenas explosões. Suas escolhas em cena e seu domínio de uma técnica de atuação que prima pela corporalidade são fascinantes. Mal posso esperar para ver seus próximos trabalhos. — Mariana Ramos
Jeremy Strong (Succession)
Succession é um dos atuais hits da HBO e um fator que contribui para isso é a complexidade dos personagens e a competências dos atores em dar vida a eles. Jeremy Strong vive Kendall Roy, o filho que mais demonstra interesse em ser o próximo na sucessão e sonha desde o início da série em assumir o lugar do pai. Além disso, é o membro da família Roy que mais possui algum resquício de humanidade. O Kendall que encontramos no início da temporada está assustado, acuado e abatido. Ele vem de um evento conturbado em que passou por maus bocados e por isso se encontra em um estado vulnerável perfeito para que o pai se aproveite da situação. O caminho que Kendall percorre nesse segundo ano da série fica bem definido quando fazemos um paralelo entre suas duas declarações para a imprensa no primeiro e o no último episódios da temporada. Enquanto no primeiro, Kendall é obrigado a largar a reabilitação para passar uma mensagem tranquilizadora de que tudo estava bem entre ele e Logan, no último o vemos contrariar as ordens do pai, agir por conta própria e não assumir a posição de bode expiatório em meio ao escândalo na empresa.
Kendall passeia por uma enorme gama de emoções e estados e Jeremy Strong entrega todos eles com maestria. O ator nos presenteia com todas as camadas que o personagem possui. Desde o playboy que lida com as frustrações se entregando ao vício em substâncias químicas, passando pela pessoa vulnerável arrependida das consequências de péssimas decisões que tomou e chegando no executivo capaz de jogar o próprio pai aos urubus, demonstrando ter a habilidade que Logan tanto reclamava que ele não tinha, o instinto matador. E em meio a tantos talentos, não posso deixar de citar que Strong foi responsável por uma das melhores cenas cômicas da temporada, no auge do seus daddy issues, ao interpretar uma das melhores performances de rap branco da TV com a icônica “L to the OG”. Mal podemos esperar para acompanhar o desenrolar da sua última empreitada. — Valeska Uchôa
Bob Odenkirk (Better Call Saul)
Com Saul Goodman finalmente fora da caixa, Bob Odenkirk ganha mais oportunidades para mostrar o seu lado cômico e nos lembrar o quão divertida é sua interpretação. Afinal, o ator vem da comédia e é ali que ele, em tese, se sente mais confortável. Parece fácil. E, realmente, ele fornece diversão a beça nessa quinta temporada. Ao menos, até certo ponto. Mas Saul Goodman também traz as consequências de ser um advogado amigo do cartel. O personagem chega em um estágio o qual não há mais como voltar atrás. E esse impedimento fica bastante claro na performance de Odenkirk, que expressa com louvor a quebra de todo e qualquer nível de ética e moralidade que ainda habitava nele. Saul sempre fez seus trambiques, mas nunca fez mal a outra pessoa de fato. Aqui, ele chega ao corrompimento total, estando em uma posição de ter de defender um homem que ele sabe que cometeu um assassinato e vê-lo livre, enquanto simultaneamente se depara com a família da vítima sofrendo pela perda e a injustiça. Na cena em questão, você percebe algo morrendo dentro do seu eu verdadeiro, de Jimmy. Mais tarde na temporada, depois de participar de uma situação de quase-morte e passar dois dias e uma noite no deserto, tendo até de beber a própria urina, Odenkirk extrapola o que achávamos que ele era capaz de entregar como um ator. Jimmy é tomado pelo trauma e pelo medo, ficando visivelmente abalado e vivenciando uma espécie de estresse pós-traumático. São tantas camadas e nuances na performance de Odenkirk neste quinto ano que não dá para resumi-lo de outra maneira que não seja essa: gênio. — Rodrigo Ramos
Brian Cox (Succession)
“Family, Shioban! If you don’t understand that, then fuck off!”. Poucas coisas foram tão eficientes em nos entreter do que assistir Logan Roy perseguir e aterrorizar seus familiares e subordinados nesta temporada de Succession. E nada melhor, mais vibrante e, também, metalinguístico que um ator shakespeariano para dar vida a um personagem com tantas características do mais famoso escritor inglês.
Dono de uma presença titânica em tela, Brian Cox, 74 anos, com uma carreira que percorre mais de cinco décadas no teatro, cinema e TV, nos assombra e fascina ao tornar Logan Roy um dos personagens da televisão mais memoráveis dos últimos anos. Dando vida ao magnata das comunicações, Cox nos presenteia com uma interpretação corrosiva e brutal de um homem que abusa do poder que tem sobre a empresa e os filhos. Assim, distanciando-se do padrão que há tempos habita as produções dramáticas televisivas, o homem branco anti-herói, Logan Roy carrega características vilanescas, mas que apoiadas na maestria do trabalho de Cox, não se perdem em maniqueísmos. São as nuances do intérprete que permitem o espectador amar e odiar Logan.
Numa das sequências mais aterrorizantes da temporada, Brian Cox nos conduz pelo jogo de seu personagem, o “boar on the floor”, entregando um Logan Roy que é vingativo, assustador, violento e até mesmo paranoico. No entanto, o ator não brilha apenas em suas cenas de explosão, mas também nos momentos de sutileza, nas conversas do personagem com seus filhos, e, também, na cena de encerramento da temporada: o sorriso pretensioso, um misto de surpresa e orgulho. Com intensidade severa e capacidade de ir do grandioso ao íntimo que o ator mostra todo seu talento ao construir seu personagem. É por esse trabalho genial que, Brian Cox, you are our number one boy. — Geovana Rodrigues
Menções honrosas: Ramy Youssef (Ramy), Rami Malek (Mr. Robot), Eugene Levy (Schitt’s Creek), Sterling K. Brown (This is Us), Rufus Sewell (The Man in the High Castle).
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Fizeram parte do júri
Angelo Bruno, estudante de Letras — Licenciatura em Português.
Breno Costa, roteirista.
Caio Coletti, jornalista e colaborador do site UOL.
Dana Rodrigues, editora do site Diário de Seriador.
Diego Quaglia, cineasta, roteirista e crítico de cinema e audiovisual.
Diogo Pacheco, colaborador do Série Maníacos.
Fillipe Queiroz, estudante de Psicologia, aficionado em séries.
Geovana Rodrigues, sommelier de séries.
Gustavo Marques, produtor de conteúdo e entusiasta de televisão.
Juliano Cavalcante, bacharel em Economia, escreve sobre seriados na internet desde 2005.
Leonardo Barreto, editor do Quarta Parede Pop.
Luis Carlos, administrador do grupo Crônicas de Séries e da página Cultura em Frames.
Mikael Melo, jornalista, produtor de Jornalismo na NDTV Record.
Mariana Ramos, roteirista, mestre em Cinema e Audiovisual, host do podcast Maratonistas.
Rafael Bürger, bacharel em Imagem e Som pela UFSCar e cineclubista.
Rafael Mattos, estudante de Jornalismo, administrador do grupo Crônicas de Séries.
Rafaela Fagundes, sommelier de séries.
Régis Regi, bacharel em Cinema, roteirista, host do podcast Maratonistas.
Renan Santos, formado em Cinema, crítico e newsposter no site Cine Eterno.
Rodrigo Ramos, jornalista, editor do site Previamente, repórter da Huna Comunicação Para o Bem.
Valeska Uchôa, cientista da computação, ex-colaboradora do Série Maníacos e do falecido Lizt Blog.
Textos por Caio Coletti, Geovana Rodrigues, Mariana Ramos, Renan Santos, Rodrigo Ramos & Valeska Uchôa
Produção, edição e redação final por Rodrigo Ramos