BoJack Horseman – 5ª Temporada | Crítica

A série retorna mais sombria, engraçada e ousada, reforçando o título de melhor produção original da Netflix.

A era dos homens difíceis ainda não acabou. Parte disso é culpa de BoJack Horseman, uma série que a cada temporada vai tratando de fazer com que o protagonista que dá nome ao show continue trilhando um caminho de autodestruição a qual não o atinge somente, mas também as pessoas ao seu redor. A recém lançada quinta temporada se mostra consistente do início ao fim, equilibrando a comédia e os temas mais sérios, algo que para alguns vinha faltando nos últimos dois anos. Entre risadas e momentos de tensão, a série exibe ao longo de 12 episódios maturidade de seus roteiristas na hora de escrever diálogos, criar cenários e trazer situações do cotidiano. Novamente, ela reforça o título de a melhor coisa que a Netflix já produziu até aqui.

Desde seu segundo ano, BoJack Horseman parece ter arcos muito bem planejados. Os episódios episódicos (parece redundante, eu sei) continuam ali, servindo para aquele espectador mais descompromissado, contando as narrativas micro dos personagens, mas sem deixar de mover a trama macro (dá vontade né, Atlanta). Neste quinto ano, contudo, parece que houve maior esforço para juntar todas as peças. Ao terminar a temporada, percebe-se o cuidado de deixar as pistas do que viria a acontecer, e como Philbert, a série fictícia estrelada por BoJack (Will Arnett) dentro da série serve de paralelo, até mesmo presságio, do futuro do protagonista.

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Um dos temas centrais da temporada é o movimento contra os assédios e desigualdade de gênero dentro do Hollywood, encabeçado pelo Time’s Up e #MeToo. A série aborda com eficácia a questão, mostrando a situação do homem que pode fazer tudo, da agressão até o assédio, e ainda assim sua carreira não termina, pelo contrário, de tempos em tempos a indústria se movimenta para dar uma oportunidade dele se redimir. Mesmo sendo em uma animação de meio humanos/meio animais, talvez seja a abordagem mais precisa do tema dentro da TV até agora. Dentro da temática, BoJack Horseman acaba realizando uma autocrítica nesse ponto, afinal o protagonista também fez escolhas muito erradas ao longo de sua vida, e ainda assim vai ganhando novas oportunidades.

Em questão de autocrítica, a série vai além. É notório que BoJack é um personagem cujo comportamento não é bem o tipo de modelo a ser seguido, assim como vários protagonistas masculinos, os ditos “homens difíceis”, cujas atitudes são mais do que questionáveis, e ainda assim o espectador nutre paixão por eles, mesmo que estes nunca evoluem ou procurem/achem redenção. Exemplos não faltam. Em Breaking Bad, por exemplo, quem está do lado oposto e critica as ações do “homem difícil”, Walter White, é a esposa dele, Skylar, e muitos fãs do seriado cansaram de criticá-la, porque ela era chata, atrapalhava seus planos, etc. O público passou a admirar os anti-heróis, talvez porque eles fogem do comportamento redondinho do herói clássico, e aqueles que têm falhas são mais fáceis de se relacionar. Mas até que ponto é aceitável a admiração? Alguns enxergam como mau exemplo e criticam até que a ausência de evolução (no caso, a regeneração) do personagem é algo negativo, porém a ótica pode estar equivocada. Séries como The Americans, The Wire, Breaking Bad, The Sopranos e Mad Men, só para citar algumas, não têm a intenção de dizer que seus personagens anti-heróis são exemplos a serem seguidos. Todas, de certa forma, são histórias sobre esses personagens, não um aval de que isso está ok. O que falta, no entanto, é a autoconsciência desses programas sobre as ações dos seus personagens. BoJack Horseman, por sua vez, abre aqui uma discussão sobre esse ponto.

Will Arnett, Amy Sedaris, and Rami Malek in BoJack Horseman (2014)
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Nessa espiral de escolhas erradas, BoJack toma ações questionáveis a ponto de o espectador ficar numa situação em que não sabe mais se deve ou não adorá-lo. Se o péssimo tratamento com os amigos ao seu redor, o fato de quase ter transado com uma menor de idade e ter participado diretamente na morte de Sarah Lynn não fossem o suficiente, BoJack percorre o caminho da autodestruição novamente, mas por outra via, uma ainda não explorada e que faz todo o sentido. Definitivamente, fica difícil defende-lo. Passa, então, a ser difícil gostar de fato da persona BoJack. E a quinta temporada serve de exercício para que entendamos que a ideia não é dar o aval para o comportamento controverso dele. É uma autocrítica para si e para todas as séries e seus fãs que glorificam os feitos de seus “homens difíceis”.

É compreensível quem acredite que a jornada de BoJack fique um pouco cansativa, já que ele não apresenta melhora. Neste caso, o personagem se assemelha cada vez mais com Don Draper, em Mad Men. Entretanto, a série encontra maneiras diferentes de trabalhar os problemas, traumas e vícios de BoJack. Honestamente, a essa altura, não sei se os roteiristas têm mesmo a intenção de dar ao personagem uma redenção ou um final feliz. E nem sei se deveriam.

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Ainda que em seus próprios termos, todos (exceto por Todd) trilham um caminho de autodestruição, mostrando que ninguém é 100% bom ou ruim. É outra reflexão interessante e que faz esses personagens 2D serem bem mais tridimensionais do que muitas séries, entre dramas e comédias.

Em meio a temas mais pesados, a série também encontra leveza. O quinto ano é o que obteve mais êxito ao equilibrar as piadas e os dramas. Há momentos hilários aqui, e um deles é o robô sexual criado por Todd (Aaron Paul). É daquelas piadas que normalmente teriam prazo de validade, mas os roteiristas a levaram longe demais – e dá muito certo. Nem dá pra acreditar que a mesma série que fala sobre assédio, depressão, solidão, divórcio, assexuais e morte, também consiga fazer piada com barris de lubrificante, múmias e um robô sexual. Isso sem contar as tiradas e os shades brilhantes sobre a pretensão das séries que se levam a sério demais — o que não deixa de ser uma piada com BoJack Horseman em si. Mas os alvos principais são facilmente identificados: HBO, Netflix, FX e especialmente True Detective. É importante citar, inclusive: Philbert esmurra True Detective.

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Em seu quinto ano, BoJack Horseman comprova mais uma vez que é a melhor produção original da Netflix – e com folga. Esta temporada é tanto ousada quanto brilhante. Após cinco anos, ela continua explorando novas ferramentas narrativas (destaque para os episódios 5×02, 5×07 e, especialmente, o 5×06, fácil entre os três melhores da série – é sério, Will Arnett e Raphael Bob-Waksberg, roteirista do capítulo, merecem prêmios por ele), fugindo do local comum muitas vezes, abordando assuntos espinhosos, provocando reflexões e oferecendo autocrítica. Talvez seja a única animação adulta que realmente soe adulta na maneira mais complexa possível, e não somente porque tem aval de mostrar sexo, consumo de drogas e álcool (sem a devida consequência disso) e de falar palavrão. A sexta temporada está com seu plot muito bem delineado e espero que seja a última da série, pois ela encontra-se agora numa posição em que não pode se estender por muito mais tempo sem apresentar a sensação de que já passou do ponto.

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BoJack Horseman — Quinta Temporada
EUA, 2018 — 12 episódios, de meia hora cada
Animação/Comédia/Drama

Criado por:
Raphael Bob-Waksberg
Elenco:
Will Arnett, Amy Sedaris, Alison Brie, Paul F. Tompkins, Aaron Paul

Por Rodrigo Ramos

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