Nova série do criador de The Walking Dead tem erros e acertos, mas ainda assim agrada os fãs de terror e da HQ em que se baseia.
Robert Kirkman é um nome correlacionado ao sucesso comercial. O responsável por The Walking Dead — franquia que tem méritos inquestionáveis em relação ao público, sucesso que transcendeu o mercado dos quadrinhos e transbordou para mídias distintas de entretenimento – arriscou as fichas em uma nova premissa, que o fez transitar de um universo distópico devastado por mortos vivos, para uma sociedade que lentamente toma conhecimento de um lado oculto em Outcast; existe uma diferença de tom e escala substancial entre as duas obras. O sucesso comercial de Kirkman é digno de tanta confiança, que antes do piloto da adaptação do quadrinho homônimo ser exibido na TV estadunidense pelo canal Cinemax, a série já estava renovada para uma segunda temporada.
Em Outcast acompanhamos a trajetória do melancólico Kyle Barnes (Patrick Fugit), que vive recluso na casa que passou sua infância, e precisar lidar com as memórias traumáticas ligadas ao lugar, enquanto aguenta a pressão de sofrer por uma ordem de restrição que o impossibilita de ver sua família. O ponto chave inicial da trama são os traumas relacionados à possessão de sua mãe e, posteriormente, de sua esposa. O combustor do plot da série é a busca de Kyle pela compreensão do que são essas entidades, e também o que os motiva a possuírem pessoas próximas a ele. Também há a introdução ao Reverendo Anderson (Philip Glenister), interpretado de maneira cautelosa, consegue criar uma figura religiosa que foge das convenções clássicas do gênero, alcançando apatia do espectador, ao colocá-lo no palco de uma batalha espiritual que é ofuscada pelo orgulho patológico do mesmo.
Em obras relacionadas a possessão demoníaca, geralmente o ponto chave que conduz a narrativa é o poder desconhecido do sobrenatural. Por exemplo, o filme O Exorcista (1977), clássico de William Friedkin, poderia ser resumido na cena que a protagonista possuída pelo demônio Pazuzu, fala que não se solta das amarras, pois seria uma exibição vulgar de poder. O medo de não saber o limite do antagonismo conduz uma trama fechada e curta de maneira eficaz. Mas utilizar esse mesmo artifício em uma série de televisão, que necessita prender seu público por dezenas de horas, seria cravar o fim da série. Em longo prazo esse conceito geraria perda de interesse. Felizmente, a primeira temporada de Outcast tem certa eficiência em contornar isso. Deixando as possessões e as respostas relacionadas ao sobrenatural em segundo plano, possivelmente para desenvolver no segundo ano da série, o foco da primeira temporada é a busca de aproximação de Kyle Barnes com sua família — reconquistar a confiança de sua ex-companheira Alisson –, e também na desconstrução do personagem do Reverendo Anderson — utilizando como antagonista o orgulho do próprio.
No piloto da série, um dos seres possuídos chama Kyle de “Outcast” (tradução literal da palavra é proscrito, que seria algo como banido e exilado), criando um mistério em torno da denominação. O mistério é abordado ao decorrer da primeira temporada, mas acaba se tornando um dos maiores pontos negativos da série em função da fraca abordagem que o assunto é tratado. Em diversos momentos os antagonistas falam sobre o Outcast, porém nunca é esclarecida alguma informação referente ao mesmo, tampouco se criam novas perguntas tão relevantes quanto a inicial. Os roteiristas batem na mesma tecla de maneira expositiva, sem nunca permitir uma mudança de abordagem na questão.
Outcast sofre de um problema comum em programas de TV, que seria a falta de um único diretor e roteirista em todos os episódios, gerando uma dissonância grande de qualidade entre os capítulos. Essa dissonância reflete principalmente em aspectos técnicos como fotografia e trilha sonora. Considerando que um aspecto fundamental quando se trata de terror é a atmosfera, pontuando também que o uso da fotografia e trilha sonora são recursos cruciais para eficiência nesse quesito, no momento que existe instabilidade nos referidos recursos, cria-se uma ambientação problemática, o que é um defeito infeliz na composição do terror.
Apesar das desarmonias citadas no paragrafo anterior, em alguns episódios Outcast tem uma direção eficaz. O piloto tem um trabalho de fotografia cauteloso no que se trata de referenciar os quadrinhos. Muitos dos planos são referências claras a quadros da obra original. Apesar de ser impossível a reprodução do belo trabalho que a colorista Elisabeth Bretweiser efetua na HQ, eles são eficazes em criar singelas homenagens. Nos episódios dirigidos por Howard Deutch, nota-se um trabalho interessante em relação aos aspectos técnicos. A fotografia é melhor trabalhada em relação a média da série, trabalhando com planos mais extensos, unificados a movimentos de câmeras sutis que criam boas composições da mise-en-scène, esse fator é fortalecido pela ótima trilha sonora original composta por Atticus Ross — dono de um Oscar ao lado de Trent Reznor pela trilha sonora de A Rede Social –, alcançando êxito em criar uma atmosfera condizente ao clima da série. Por outro lado, os episódios que não são presenteados por essa competência, abusam de uma fotografia escurecida genérica de filmes de terror, e arriscam jump scares que abraçam transições fracas.
Outcast tem uma primeira temporada rodeada de altos e baixos. Com um piloto que demonstra uma qualidade que se perde ao decorrer dos episódios; a esperança na série retorna no excelente nono capítulo da temporada, que é eficiente em criar um bom caminho para o season finale, estabelecendo nela uma promessa de um segundo ano mais grandioso. Outcast não é necessariamente original, muito menos estável no seu primeiro ano, mas ainda assim, em função das pontuais qualidades, é uma pedida interessante para os fãs de Robert Kirkman, terror e da obra original.
Outcast – Primeira Temporada
Outcast – Season One
EUA, 2016 – 10 episódios
Terror
Criado por:
Robert Kirkman
Elenco:
Patrick Fugit, Philip Glenister, Wrenn Schmidt, David Denman, Reg E. Cathey, Brent Spiner, Callie Brook McClincy, Melinda McGraw