Se o novo filme de Guilhermo del Toro assusta é por causa da falta de carisma, de desenvolvimento de personagens e de uma narrativa eficiente
Guilhermo Del Toro traz ao público seu tão sonhado projeto pessoal, A Colina Escarlate. Em uma homenagem ao cinema de horror romântico, gênero esquecido nas últimas duas décadas, o cineasta capricha mais uma vez no visual, costumeiramente seu ponto forte, mas acaba deixando pra trás algo de suma importância: nos fazer importar.
A Colina Escarlate traz a história de Edith Cushing (Mia Wasikowska), que ainda quando criança perdeu sua mãe e descobriu ser capaz de ver fantasmas. Desde o início, com a narração em off, ela deixa claro que fantasma são reais. O primeiro que ela vê, inclusive, é o de sua póstuma mãe. Nas palavras desse ser fantasmagórico, eis um aviso, praticamente uma profecia: cuidado com a Colina Escarlate. Os anos passam e Edith transforma-se em uma escritora, cuja primeira obra é sobre fantasmas. Como ela gosta de ressaltar, fantasmas são uma metáfora sobre o passado.
Seu pai, Carter Cushing (Jim Beaver), é um homem de negócios e acaba negociando com o baronete Sir Thomas Sharpe (Tom Hiddleston), que quer um financiamento para seu projeto de tirar argila do solo de seu terreno (?). Junto dele, está a irmã Lucille Sharpe (Jessica Chastain), com cara de poucos amigos e um tom gélido nos olhares e conversas. Dado o mistério de quem quer que seja o Sir Sharpe, Edith rapidamente se apaixona, talvez sustentada pelo interesse dele por seu manuscrito.
Eventualmente dentro da trama, Edith e Thomas se casam. O pai é assassinado (mas ela ainda não sabe que fora um crime e não um acidente) e então ela se muda para a casa de Thomas, na gigantesca mansão da qual recebe o apelido de Colina Escarlate. A mamãe fantasma, como uma verdadeira profeta, alerta mais uma vez para ela ter cuidado com o local. Não só ela, mas agora Edith começa a enxergar mais gente morta. Thomas atenua sua ambiguidade com poucas expressões e Lucille vai arregaçando as mangas e mostrando a que veio, em doses homeopáticas de loucura e frieza.
Não precisa ser muito esperto para conseguir formar uma teoria sobre o que está acontecendo na trama. Fica evidente desde o princípio que o casamento entre Edith e Thomas é meramente feito de interesses dos irmãos Sharpe para conseguir arrancar dinheiro de mais uma mulher, assim como Thomas já fizera no passado. Pelo gênero que norteia o longa, é fácil desvendar o destino das ex-esposas do personagem de Hiddleston. Os fantasmas são uma metáfora do passado, Edith nos conta. Essa frase por si só já revela o principal plot da narrativa, o que causa uma decepção imensa por já sabermos 90% do desenvolvimento da trama.
Às vezes, o desenrolar da história acaba compensando uma trama previsível, porém a falta de empatia com os protagonistas é fundamental para o fracasso da película como história. Torna-se difícil relacionar-se com Edith, uma personagem vazia e que a única relação dela com o espectador é, talvez, sentir um arrepio com a presença dos fantasmas – e olhe lá, já que a forma cuja Del Toro optou para tratar as almas penadas não convença a todos. Trabalha-se pouquíssimo na tridimensionalidade dos personagens e a falta de sustância por parte dos talentos cênicos de Mia Wasikowska acaba pesando. Tom Hiddleston segue pelo mesmo caminho. Seu personagem é misterioso a ponto de não termos quase nada para nos prendermos ao personagem dele. E o mistério em torno dele não é algo que seduza ou coloque uma pulga atrás da orelha. Ele não é o Drácula, de Francis Ford Coppola, provavelmente a maior referência de Del Toro para o longa-metragem. Seu papel sofre com a falta de background até a grande virada no final do filme, o que torna-o apenas um peão para contar uma história defasada e que não surpreende como Del Toro pensou que aconteceria. Em contra-partida, Jessica Chestain, essa sim, sabe o que faz. Se é pra falar de mistério, a irmã Sharpe é quem chama a atenção. Chestain sabe como conduzir uma personagem que, por mais que falte aquela tridimensionalidade e a revelação aos 45 minutos do segundo tempo não acrescente muito a ela, o tempo todo ela leva o trabalho a sério. Entre a frieza e a loucura, ela sabe o seu lugar e regula com cautela as emoções, mostrando-as precisamente.
Se os fantasmas são metáforas para o passado, temo dizer que Del Toro acaba criando uma película que serve como metáfora própria. Há tantos anos, pessoas vêm colocando o cineasta mexicano no patamar de “gênio”, e com A Colina Escarlate o tal título cai de vez por água abaixo. Não tem como se sustentar uma teoria dessas baseada em dois longas de alto nível – o ótimo A Espinha do Diabo e o excelente O Labirinto do Fauno, este sim sabendo tratar realidade e fantasia, além de linguagem metafórica com êxito. Olhando para o passado, vemos os bacanas Círculo de Fogo e Blade II, os divertidos Hellboy e Hellboy II, e as ficções Cronos e Mutação, que dividiram a crítica, mas definitivamente mostraram que ele entende de criação e conceitos. E está aí a resposta para tudo.
Del Toro é um cara muito preocupado com efeitos práticos, design, figurinos, direção de arte, criação no sentido mais amplo em termos de conceito. O problema é que nem sempre ele consegue pôr em prática o talento que ele tem em elaboração de cenários e até mesmo de clima nos seus roteiros. Vamos lembrar também que ele é responsável pelos scripts da trilogia O Hobbit, um dos maiores erros cinematográficos nesta década. Se Del Toro se preocupou tanto em erguer a casa que serve de cenário para A Colina Escarlate, talvez ele devesse ter o mesmo cuidado na hora de escrever falas, construir personagens e envolver o espectador em uma narrativa mais interessante, envolvente e bem menos óbvia. E devido ao fracasso de bilheteria na abertura nos EUA, esta película certamente será um fantasma que irá assombrar o cineasta daqui pra frente.
Crimson Peak
EUA, 2015 – 119 min
Romance / Terror
Direção:
Guilhermo Del Toro
Roteiro:
Guilhermo Del Toro, Matthew Robbins
Elenco:
Mia Wasikowska, Jessica Chestain, Tom Hiddleston, Charlie Hunnam, Jim Beaver