Referências diretas à mitologia de Lúcifer aprofundam o clima de terror da série
Depois de fazer um excelente ano de estreia e angariar uma legião de fãs, muitas séries entregam uma segunda leva de episódios fraca, com diversos episódios filler e personagens mal direcionados. É a famosa maldição da 2ª temporada, que causa o cancelamento de muitos programas. Bates Motel sofreu com isso, mas se reergueu no terceiro ano; Orphan Black vai para o quarto clico e ainda não conseguiu se levantar; e True Detective atualmente passa por esse mesmo problema. Havia um grande medo de Penny Dreadful sofrer esse declínio, mas com o final da temporada é possível dizer, com toda certeza, que tal fato não ocorreu. Muito pelo contrário. Em seu segundo ano, o drama da Showtime aprofundou seus personagens e os colocou em situações de risco, flertando fortemente com o terror psicológico.
Nos oito primeiros episódios da série não havia uma linha tênue na narrativa e as histórias de cada personagem demoravam a ser convergir. Não que seja um defeito, até porque a série é boa desde seu piloto. Contudo, já no primeiro episódio da segunda temporada ficou evidente qual tema seria abordado, além de mostrar uma maior união. Claro que há exceções. Dorian Gray (Reeve Carney) se afastou do núcleo principal e John Clare (Rory Kinnear) continuou deslocado.
O grande problema de Dorian foi seu relacionamento com Angelique (Jonny Beauchamp). Faltava carisma na transexual para criar apego ao casal, por mais que o relacionamento construído fosse diferente de tudo já exibido em produções audiovisuais. Ambos são bons atores individualmente. O problema era a junção em cena. A falta de química fica gritante quando compara-se a relação do imortal com Vanessa Ives (Eva Green). Eles passaram pouco tempo juntos, mas foi o suficiente para torcer. Apesar de que Vanessa tem química com todos ao seu redor – até com o cenário, se duvidar. A história de Gray só pega ritmo depois de seu reencontro com Brona/Lilly (Billie Piper), próximo do assassinato de Angelique. Foi algo totalmente inesperado, mostrando uma faceta diferente do personagem, que de bobo só a cara mesmo. Bem interessante como foi produzido o retrato, macabro e crível o suficiente para uma “pintura”.
John Clare era insuportável e continuou sendo este ano. Um possível relacionamento com Lilly era a luz no fim do túnel, mas essa luz não foi alcançada. Tudo no personagem é cansativo, chato e desinteressante – todos os adjetivos negativos possíveis se aplicam. Até sua maquiagem é a mais capenga do show. Aquela sub-trama do museu de cera era a hora de olhar o celular ou de tirar uma soneca. A outra cria do Dr. Victor Frankenstein (Harry Treadaway) foi uma grata surpresa. No começo, Lilly se mostrava ingênua e aparentava estar descobrindo o mundo. Conforme foram passando os episódios, foi criada a impressão de que o criador e sua cria estavam apaixonados. Por parte dele até era verdade, mas da moça não. A ressuscitada teve uma reviravolta incrível perto da conclusão da temporada, mostrando ser extremamente dissimulada e manipuladora. Foi um recurso muito bem planejado por John Logan (criador e principal roteirista). Ninguém esperava que Lilly fosse uma espécie de vilã – na verdade, ninguém é 100% bom em Penny Dreadful. Billie Piper conseguiu se destacar, entregando uma atuação que me surpreendeu positivamente. Ao contrário de Angelique, Brona esbanjou química com o Sr. Gray. O novo casal é forte candidato a vilão de futuras temporadas, talvez algo que ainda precise de desenvolvimento.
Sir. Malcolm Murray (Timothy Dalton) não teve tanto destaque quanto antes, já que tudo que aconteceu consigo decorreu do plot da bruxaria – que tinha Vanessa como força motriz. A riqueza na atuação do experiente ator é invejável, talento gigantesco aliado a anos de profissão. Diria que é quase impossível não se importar com a vida do antigo explorador. Na season finale é duro vê-lo encarando os cadáveres de sua família, o que gera uma tristeza extremamente mórbida. Vanessa é a única pessoa que o restou. Isso explica tamanha proteção e extinto paterno. Um dos acertos do roteiro foi nunca ter criado tensão sexual entre os dois, o que não faria o menor sentindo e seria desnecessário no contexto geral.
Ao contrário do colega, Ethan Chandler (Josh Hartnett) rouba a cena. Finalmente foi dada a chance de vermos sua transformação em Lobisomem. Confesso que fiquei um pouco decepcionado com a caracterização. Não entendendo profundamente de aspectos técnicos, mas a criatura feita pela produção não impõe o medo que deveria. Contrapondo com a atuação de Hartnett, sempre muito competente, enchendo o americano de camadas. Já ficou bem claro que Ethan não é apenas um cara agressivo, pelo contrário, ele tem muitas fragilidades, principalmente envolvendo seu passado. Um pequeno equívoco de sua trama fica por conta de Warren Roper (Stephen Lord). Foram cozinhando a tensão durante um bom tempo, porém o antagonista foi rapidamente eliminado pela Sra. Ives. Isso é um mero detalhe, que não arranha o ótimo desempenho do pistoleiro.
Deixei para o final aquela que é a razão principal de assistir Penny Dreadful: a majestosa Eva Green. Eu tenho certeza que a atriz não é um ser humano, está mais para uma força da natureza. Se existe atuação perfeita, Eva entrega com Vanessa Ives. Por mais que hajam diversos personagens interessantes, nenhum chega ao patamar aqui alcançado. Se no ano anterior, o que mais chamava a atenção eram as possessões, nesse foi a protagonista enfrentando as bruxas com seu Verbis Diablo – Green sempre com total domínio em cena. Faz tempo que a bruxaria não era bem adaptada na TV – True Blood falhou, American Horror Story e Salem também, enquanto Witches of East End…. Bem, essa nem precisa falar. Finalmente as bruxas foram realmente más e aliadas de Lúcifer, criando uma ameaça real. Eu, que dificilmente fico aterrorizado por obras do gênero, fiquei assustado em diversas situações. Em particular, as que envolviam os bonecos. Foi tudo bem arquitetado – a morte do bebê foi de cortar o coração (literalmente). Não era a forma demoníaca das bruxas que colocava respeito. Inclusive, elas ficaram muito parecidas com os vampiros (?) da temporada de estreia. Suas formas humanas eram mais ameaçadoras, isso devido às ótimas atrizes. Helen McCrory, que havia sido introduzida no ano passado, botou para fora uma feroz Madame Kali. Ela foi presunçosa, cínica e extremamente maquiavélica, deixando um legado como excelente vilã.
É complicado escolher o melhor episódio do excelente segundo ciclo, mas tenho um carinho especial por “The Nightcomers”, o terceiro capítulo dessa leva. Nele, é mostrado o primeiro contato de Vanessa junto à bruxaria, com a inesquecível participação de Patti LuPone. A influência que John Logan pegou de A Liga Extraordinária é inegável, e os vestígios estão por todos os lados. Contudo, com o final da temporada, a “liga” da série se dividiu. Cada um foi para um canto do mundo, e eu não faço a menor ideia de como funcionará a narrativa ano que vem – muito menos, como ou se eles vão se juntar. Deixo aqui meu explícito desejo de que John Clare não volte.
Penny Dreadful – Season Two
EUA, 2015 – 10 episódios
Drama/Terror
Criado por:
John Logan
Elenco:
Eva Green, Timothy Dalton, Josh Hartnett, Billie Piper, Harry Treadaway, Helen McCrory, Reeve Carney, Danny Sapani, Simon Russel Beale, Stephen Lord, Jonny Beauchamp
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