Filme funciona com seu bom humor e clima familiar, mas erra em seu vilão, ponto costumeiramente fraco da Marvel
Depois de toda a novela envolvendo a Marvel e Edgar Wright, Homem-Formiga finalmente chegou aos cinemas de todo o mundo na última semana. A mudança de diretor e o roteiro reescrito diversas vezes por diferentes pessoas me faziam ligar uma luz amarela em relação às expectativas do menor super-herói conhecido pelo homem por causa da quantidade de pessoas ligadas ao projeto. Na década passada, Edgar Wright mostrou-se um dos diretores mais brilhantes dos últimos anos com filmes cômicos cobertos de estilo, fluidez e uma comédia visual excepcional, sendo inclusive responsável por uma das minhas cenas prediletas. É uma pena que ele não tenha finalizado o que começou em 2006.
Mas, enfim, nove anos depois e com Peyton Reed na direção, a Marvel repete uma estratégia semelhante a utilizada ano passado com a dupla Capitão América 2: O Soldado Invernal e Guardiões da Galáxia, agora com Vingadores: Era de Ultron e Homem-Formiga, com o primeiro trazendo um grupo de heróis com qual o público já possui familiaridade e o segundo ampliando o universo com um novo herói. Diante do sucesso obtido pela estratégia ano passado, é difícil contestar a decisão de repetir a dose em 2015, que permite que o desgaste do universo não seja um processo acelerado e, lógico, grandes bilheterias.
Homem-Formiga acompanha Scott Lang (Paul Rudd) após o mesmo sair da cadeia em busca de viver uma vida honesta e reconciliação com sua filha Cassie (Abby Ryder Fortson). Por ser um ex-presidiário, Lang é incapaz de se estabilizar em um emprego e criar as condições que sua ex-mulher Maggie (Judy Greer) exige para que ele possa visitá-la. Nesse contexto, sua solução para o problema é voltar a cometer os roubos que o levaram a cadeia com uma equipe reunida por seu companheiro de cela Luis (Michael Peña), o que o traz ao encontro de Hank Pym (Michael Douglas), criador de uma tecnologia de encolhimento que quer evitar que Darren Cross/Jaqueta Amarela (Corey Stoll), seu pupilo e responsável pela sua saída da empresa que criou, elabore sua própria versão da tecnologia e a venda para as mãos erradas como uma arma de destruição em massa.
Não é difícil ver o quanto o roteiro assinado por Edgar Wright, Joe Cornish, Adam McKay e Paul Rudd abraça fortemente os laços familiares dos personagens como o alicerce para suas ações. Tanto Scott Lang quanto Hank Pym são motivados por suas famílias e seus fracassos com elas no passado, criando uma jornada de redenção para ambos – o personagem de Douglas também possui um conturbado relacionamento com sua filha Hope (Evangeline Lilly) e escolhe Lang para usar a armadura de encolhimento ao invés dela. Por mais que o roteiro possua momentos bobos, como ao colocar um personagem atrás da porta escutando algo que não deveria escutar para criar um conflito de forma pobre e artificial, Homem-Formiga se mostra muito competente ao conceber um núcleo emocional graças ao seu universo e as performances dos atores. É impossível não se envolver. Rudd é impressionante ao entregar um charme de idiota adorável ao seu Scott Lang, passando a ideia de que ele é o underdog em qualquer situação (com exceção dos seus encontros com sua equipe, onde ele toma as rédeas por falta de alguém melhor para lidar com seus sidekicks) enquanto busca se equilibrar para aproximar-se da filha. Torna-se incrivelmente divertido, então, vê-lo como uma pessoa que caiu no mundo de super-heróis de paraquedas, um clichê do subgênero que é aproveitado com estupenda sagacidade ao longo do filme, como quando ele recomenda que Dr. Pym chame Os Vingadores para lidar com a situação envolvendo Jaqueta Amarela, além de sua hilária invasão ao quartel-general do grupo.
Hank Pym, por outro lado, tenta colocar o protagonista nos eixos e providencia todo o contexto histórico que cria o universo a que somos apresentados. Por não cair no lugar comum de apenas servir como guia para o Homem-Formiga, Dr. Pym consegue ser um personagem que funcionaria até mesmo sem Scott Lang em uma história própria, com um passado que o assombra e um presente que ele deseja consertar por conhecer os danos que a armadura de encolhimento pode causar. A química entre Douglas e Rudd é palpável, uma daquelas relações que começa como uma troca por necessidade e passa a ter características de pai e filho que mantém um clima prazeroso e dinâmico de se acompanhar. Homem-Formiga é particularmente bem-sucedido ao nos entreter por duas horas por mostrar um cenário onde o elo entre os personagens vai crescendo e, em alguns casos, se reconstruindo de forma convincente, incluindo até mesmo as formigas como insetos de estimação carismáticos, não apenas como muletas para que o clímax do filme seja bem-sucedido.
A estrutura narrativa do filme colabora imensamente para isso. Homem-Formiga não é um longa com cenas de ação sobrepostas. As peças vão sendo estabelecidas e conectadas calmamente com bom humor até o último ato do filme, onde todos esses elementos se unem para proporcionar todas as grandes destruições que esperamos de um filme como esse. Observamos mais Scott Lang adentrando um novo e atraente mundo minúsculo do que o Homem-Formiga chutando bundas, nos colocando em posição perfeita para produzir nossa relação com o personagem e torcemos para sua vitória.
É neste ponto que Homem-Formiga acaba decepcionando. O super-herói adorável pelo qual passamos grande parte do tempo conhecendo termina enfrentando um vilão que está longe de ser o vilão que o filme merecia. De todas as peças, Jaqueta Amarela é aquela que engole uma enorme quantidade do senso de urgência que o último ato deveria possuir. O roteiro o trata como um conjunto de ideias baratas que nunca são exploradas ao ponto de termos um adversário interessante para o herói. A combinação de “pupilo que não foi apoiado pelo mestre e agora quer vingança copiando o seu trabalho” com “pessoa gananciosa que tem em suas mãos a arma de guerra perfeita e venderá para quem oferecer mais” e “o processo de encolhimento causa desequilíbrio químico que o leva a agir de forma maléfica” sobrecarrega o roteiro de ideias que não funcionam juntas e têm como resultado final um personagem raso com quem o protagonista mal interage. É um clássico caso em que o roteiro usa várias ideias na esperança de que uma funcione e o produto final sempre sai prejudicado.
No fim das contas, Homem-Formiga mostra-se extremamente competente ao adicionar mais elementos interessante ao universo Marvel sem desgastá-lo, guiado por um diretor que é excelente ao captar a essência dos seus dois personagens principais. Com o protagonista, por exemplo, temos a ótima sequência – que lembra o trabalho de Edgar Wright – onde Lang usa a armadura pela primeira vez e conhece os perigos de se tornar minúsculo com um trabalho de mixagem e edição de som que transformam a desorientação do personagem em algo tangível ao mesmo tempo em que a montagem é fluida ao passarmos por diversas situações perigosas de maneira orgânica para um ser do tamanho de uma formiga. O mundo agitado, sarcástico e redentor que Peyton Reed entrega com certeza pode ser visitado mais vezes no futuro.
Outras observações:
– O tratamento das personagens femininas por parte do roteiro também tem problemas. É difícil não ver Judy Greer como uma coadjuvante de luxo e a Hope de Evangeline Lilly é a típica casca-grossa por causa do relacionamento com a família que vai amolecendo a medida que se aproxima de Scott Lang. Para piorar, seu figurino perde pontos de sutileza, já que ela está sempre de preto.
– Como fazer do seu personagem alguém simpático: Scott Lang não rouba, pois isso indica que violência foi utilizada no processo de se apropriar indevidamente da propriedade privada alheia. Ele furta*.
*- A legenda do cinema diz que ele assalta. Não entendo de Código Penal, mas pegar algo sem que a pessoa perceba tecnicamente é furto, correto? (nota do editor: correto!)
– Como exagerar ao tentar fazer do seu personagem alguém simpático: Scott Lang tem mestrado em engenharia elétrica, sabe produzir uma impressão digital alheia como quem assa ovo e utiliza nitrogênio para arrombar um cofre antigo, mas não entende nada de física quântica?
– Homem-Formiga deve ter uma sequência onde ele interage com as formigas para salvar um formigueiro ou algo do tipo. A sequência do seu treinamento com as formigas controladas por ondas eletromagnéticas é bem feita.
– O roteiro justifica o porquê de Os Vingadores não estarem presentes aqui. Não teremos aquela mesma discussão que ocorre em quase todos os filmes da Marvel sobre isso, né? Por favor.
– Luis, o melhor sidekick que um super-herói pode ter.
– Melhor cena do filme? Homem-Formiga e Jaqueta Amarela encolhidos lutando dentro de uma maleta tocando “Disintegration” do The Cure até cair na piscina atrapalhando um jantar de família. Resumo de Homem-Formiga.
– “Ant-Man will return”.
Ant-Man
EUA, 2015 – 117 min
Aventura
Direção:
Peyton Reed
Roteiro:
Edgar Wright, Joe Cornish, Adam McKay, Paul Rudd
Elenco:
Paul Rudd, Michael Douglas, Evangeline Lilly, Corey Stoll, Bobby Cannavale, Michael Peña, Anthony Mackie, Judy Greer, Abby Ryder Fortson, David Dastmalchian, Tip ‘T.I.’ Harris, Wood Harris, Hayley Atwell, John Slattery
Parabéns André, bela crítica