Fleabag, The Good Fight, Better Call Saul, When They See Us e BoJack Horseman estão entre os destaques da tevê nos últimos 12 meses.
Neste nono ano consecutivo, o Previamente faz o principal recorte da temporada da TV. Este é o mais ambicioso e completo relatório dos destaques da televisão na imprensa brasileira, sendo um trabalho colaborativo de mais dois meses. Mas, é claro, para conseguir assistir e selecionar o melhor de quase 500 séries produzidas por ano atualmente, é um esforço constante, sem intervalos.
A temporada 2018/2019 foi marcada pelo retorno das grandes minisséries/séries limitadas, a queda brusca na qualidade geral dos dramas regulares e a devida aclamação das comédias regulares, notavelmente o que há de melhor atualmente na TV. Para selecionar os destaques da temporada, montamos um júri com 17 pessoas entre profissionais da área, jornalistas, críticos, estudantes e aficionados por séries. A seleção foi realizada utilizando os mesmos critérios do Emmy Awards: entram as obras que foram exibidas em sua totalidade ou mais de 50% de sua temporada entre 1º de junho de 2018 até 31 de maio de 2019.
Confira abaixo as melhores séries cômicas da temporada 2018/2019.
MELHORES SÉRIES (COMÉDIA)
GLOW (Netflix) — Segunda Temporada
Revendo o piloto de GLOW para escrever esse texto, me lembrei de tudo que mais me fascinava nesta série: é uma comédia (dramédia, ou seja lá o que esteja se esteja chamando esse espaço híbrido de gêneros) estranha, com um tom meio seco, arte e fotografia sujas, um humor um pouco alto depreciativo. Todo o visual da série parece “sofrer” da mesma falta de orçamento que a própria série dentro da série. Seus personagens meio “brutos” e “toscos” não tem o brilho que o título sugere, no entanto, existe outro brilho que vai para além de uma superfície polida e que claramente emana de GLOW desde seus primeiros episódios e que apenas se reforça durante essa segunda temporada: as mulheres que compõem esse grupo de lutadoras desajustadas são verdadeiras pérolas dentro de um panorama televisivo ainda muito masculino, na frente e por trás das câmeras, e esse é exatamente um dos motes de toda a série.
Seguindo a história de Ruth (Alison Brie), uma aspirante a atriz dramática que se vê há mais de 10 anos em Los Angeles sem qualquer perspectiva, em um ambiente onde os únicos papéis femininos são de secretárias e esposas, tomando diversas decisões erradas como dormir com o marido de sua melhor amiga, e encontra na luta livre um espaço para finalmente expressar sua arte. Ruth é insistente ao ponto da chatice, mas ela traz à tela uma situação muito real, uma mulher quase que desesperada por aprovação externa, especialmente de todos os homens que lhe cercam, o que lhe coloca em constantemente relações abusivas, seja com o Sam (Marc Maron), um diretor fracassado de filmes de gênero e viciado em cocaína, ou com Debbie (Betty Gilpin), a melhor amiga acima mencionada. E é na tensão constante da relação entre elas, duas mulheres colocadas em competição por uma cultura machista e masculinista, que a segunda temporada decola e que muitos dos subtemas são explorados. Debbie se utiliza de seu poder de barganha para obter um título de produtora na série, mas logo se vê distante das demais colegas e, ao mesmo tempo, excluída pelos “garotos”. Sem amigos e qualquer poder real, em meio a um divórcio doloroso, ela fica cada vez mais fragilizada. Ruth, por sua vez, tenta, de todas as formas erradas, obter a aprovação de Sam e recuperar a amizade perdida com Debbie.
Em meio à estes dramas, momentos de extrema potência, como a trama de Tammé (Kia Stevens), uma mulher negra de meia idade, mãe solteira como tantas, que já fez de tudo um pouco para se sustentar e criar seu filho, um dos únicos negros de sua turma de Stanford, e cujo personagem em GLOW é o estereótipo da “Welfare Queen” (Rainha da Assistência Social, mais ou menos), um emblema extremamente preconceituoso que persegue mulheres negras até hoje. A beleza e singularidade de GLOW está exatamente na difícil negociação que cada uma de suas personagens precisa fazer: mulheres que se empoderam em um espaço onde seus corpos são espetáculo e “armas”, mas que, para isso, precisam encarnar e abraçar os preconceitos que lhes cercam. É uma negociação complicada. De um lado, vemos a emergência de símbolos de resistência, um show que foi realmente um sucesso nacional e internacional durante boa parte das décadas de 80 e 90 (no Brasil, GLOW foi exibido pelo SBT) e que deu para essas mulheres uma projeção inesperada em um ambiente televisivo dominado por homens, em um tipo de entretenimento ainda mais masculino; por outro lado, vemos a fragilidade final de suas posições, tendo seus roteiros e destinos na mão dos homens que operam as câmeras, dirigem o show e controlam as emissoras. GLOW tem uma opacidade rara que nos leva a um ambiente ambíguo, um show claramente “feel good” com traços de um drama profundo que cerca as personagens e o próprio mundo do entretenimento que lhes entrega como espetáculo de luzes e brilho, enquanto lhes coloca em situações limite de dor e humilhação: uma reflexão a respeito das dificuldades e prazeres de ser mulher no entretenimento, onde os 30 anos que se passaram viram poucas mudanças ou quase nenhuma, entre ciclos breves de leve empoderamento que rapidamente se perdem em meio ao turbilhão da cultura pop e nossa curta memória. — Mariana Ramos
Barry (HBO) — Segunda Temporada
Ver a segunda temporada de Barry é como as flores de um já belo jardim florescendo e se tornando ainda mais lindas. É assistir a algo já muito promissor ganhando forma e se aprofundando em todos os seus elementos. Em sua segunda temporada, Barry mantém os elementos técnicos e narrativos que fizeram a primeira temporada impressionar, mas aprimora a sua habilidade em equilibrar a narrativa entre uma comedia totalmente absurda e toques de dramas existenciais pesados e profundos. Com destaque para o fantástico “ronny/lily”, episódio em que Bill Hader se prova um diretor extremamente maduro e criativo além de um ator fantástico, numa jornada que mistura perfeitamente esse humor absurdo da série num tom surrealista onde tudo é possível e a escala do caos vai se formando em cenas de ações simplesmente viscerais se superando novamente nos seus elementos técnicos quanto narrativas. A série consegue aprofundar tremendamente personagens não tão interessantes na primeira como Sally (Sarah Goldberg, fantástica), dando a ela camadas e uma trama fascinantes. Além disso, dá a oportunidade de Bill Hader continuar brilhando e coadjuvantes como Anthony Carrigan, Stephen Root e Henry Winkler roubarem a cena. Torcemos para que Alec Berg e Bill Hader continuem levando Barry por mais temporadas com essa mesma qualidade e esse crescente. — Diego Quaglia
Better Things (FX) — Terceira Temporada
Após as denúncias de má conduta sexual de Louis C.K., a FX o demitiu e Pamela Adlon, amiga pessoal do comediante, se viu sozinha no comando de Better Things, uma série extremamente pessoal, a qual ela dirige, produz, escreve e protagoniza — mas, até no segundo ano, contava com C.K. na parte do roteiro. Uma longa pausa ocorreu para que Adlon pusesse a casa em ordem. Ela montou uma sala de roteiristas e continuou, acertadamente, neste que é o trabalho de sua carreira até aqui. Novamente, Adlon dirige todos os episódios da temporada, mostrando-se uma diretora competente, além de atriz talentosa.
Sim, a série é bastante episódica (mais do que a temporada anterior, menos porém do que a primeira), mas tudo se encaixa no fim para uma narrativa maior. Ainda assim, nada pretensioso demais. É tudo mais simples do que talvez se espere em séries hoje em dia com grandes narrativas, entretanto Better Things nunca teve o objetivo de ser definitiva pra qualquer coisa. Os acontecimentos no seriado são, sinceramente, ordinários. E é isto que faz dela tão especial. Os retratos criados por Adlon soam extremamente fidedignos, e isso inclui a relação de Sam com as filhas, com a própria mãe, com as amigas, os interesses românticos e o trabalho. Alguns dos diálogos são tão realistas, como na relação problemática de Sam com Frankie, que a história envolve o espectador a ponto de fazê-lo se sentir em casa. Better Things é maduro, sincero, engraçado, poético, mágico, de aquecer o coração. Uma espécie de a vida como ela é. — Rodrigo Ramos
https://www.dailymotion.com/video/x7tnz2j
Insecure (HBO) — Terceira Temporada
O quão alarmante você acharia se eu dissesse que Issa Rae é a primeira mulher negra que criou e estrelou a sua própria série de comédia? Bastante? Pois é, ela não é a primeira (como muitos sites tem noticiado), porque Wanda Sykes criou e protagonizou a série da Fox Wanda at Large em 2003, fazendo de Rae a segunda. Mas ainda alarmante, não acha?
A terceira temporada da dramédia Insecure estreou em 2018, e aparentemente (e injustamente) foi engolida pela animação dos críticos e do público com o fenômeno Barry, além de ter ido ao ar em um momento em que todos canais sofrem para reter audiência, que é o verão norte-americano. Apesar de silenciosa, ouso dizer que foi a melhor temporada da série até então. Consistência nunca foi um problema para Insecure, porém desenvolvimento de personagem talvez. Como espectador, sempre tive a impressão que Issa tinha pouco desenvolvimento, até mesmo quando comparada com a personagem de sua melhor amiga, Molly (a maravilhosa Yvonne Orji), mas a terceira temporada não apenas soube muito bem equilibrar comédia com o drama, mas trouxe desenvolvimento de plot e personagem para literalmente todo mundo da série. Personagens secundárias como Tiffany e a ladra de cena Kelli, que nunca tiveram muito destaque e eram basicamente acessório pras duas protagonistas, agora até possuem algumas (poucas) cenas sem a presença de Issa ou Molly, e com abertura para conflitos e com possibilidade de crescimento. Issa Rae, que já possui duas outras séries em desenvolvimento na HBO (Sweet Life e Him and Her), diz que “só queria ver a si mesma e as amigas refletidas na televisão, da mesma forma que pessoas brancas são permitidas e que ninguém as questiona”. Sem mesmo sem a pretensão, conseguiu fazer uma das séries mais relevantes da atualidade e que precisa urgentemente ser assistida! — Régis Regi
Russian Doll (Netflix) — Primeira Temporada
Honestamente, quando soube da existência de Russian Doll e seu plot, era difícil imaginar que funcionaria como uma série. Bem, surpreendentemente, funciona. Criada pelo trio Leslye Headland, Natasha Lyonne e Amy Poehler, a série evidentemente se inspira pelo plot do clássico Feitiço no Tempo (Groundhog Day, 1993) e consegue ter êxito ao trazer seus próprios elementos (da comédia, com pequenos toques emotivos e até horror), se afastando de certa forma do filme e de outras tantas inspirações e cópias que vieram depois. Voltar sempre ao mesmo dia acaba se tornando uma piada dentro da série, mas as mortes, que são em geral bem divertidas, não são o chamariz da produção. A obra, em suas quatro horas, acaba contando uma história metafórica sobre a necessidade que os humanos têm de conviver com outros, como é necessário deixarmos alguns dos nossos velhos comportamentos (e pessoas) para seguir em frente, que se pode tomar decisões diferentes na vida, e como ser gentil não custa nada. A série, feita para ser consumida de uma só vez, é viciante de um jeito que a Netflix sempre quis e raras vezes conseguiu; é inusitada, engraçada, afetuosa, inteligente (mas sem nenhuma pretensão de ser cabeçuda, afinal não é Westworld), com um roteiro afiado e um elenco em sintonia, com grande destaque para Natasha Lyonne, que surpreende tanto na atuação quanto no roteiro (e também direção). — Rodrigo Ramos
BoJack Horseman (Netflix) — Quinta Temporada
BoJack Horseman acabou e tudo está pior agora. É assim que eu me sinto ao fim de cada temporada da série desse cavalo desgraçado. Enquanto a temporada passada apostou mais no drama do que de costume (quem não terminou aquele episódio da Princess Carolyn em posição fetal não respira), essa voltou ao equilíbrio entre momentos cômicos e dramáticos típicos de BoJack. Tem até um robô sexual cheio de consolos e frases de duplo sentido (que é uma alegoria aos homens no poder em Hollywood não à toa). O robô acaba morto — diferente dos homens. E essa é a tônica de BoJack Horseman que me faz gostar tanto da série (e que acaba comigo), em que de repente você está rindo e aquele momento se transforma em algo profundamente doloroso, duro e difícil. É uma puxada de tapete atrás da outra. Talvez seja isso que me deixe com essa sensação de vazio e falta ao final da temporada. Ou talvez seja o fato de que, embora os personagens tenham caminhado e evoluído bastante desde a primeira temporada, eles ainda insistem nos mesmos erros de sempre, e perdem e caem, e a gente seja confrontado constantemente com o fato de que a vida não é essa marcha sempre adiante que gostaríamos que fosse. “Free Churro” é, sem dúvida, o episódio da temporada que melhor comunica tudo isso num soco no estômago que dura 26 minutos. O episódio é tudo aquilo que a gente aprende que não deve fazer porque não vai dar certo, e dá maravilhosamente certo. E é também uma ode à construção das relações de personagem e do envolvimento emocional do público de uma narrativa seriada. Ele me faz questionar se quero que BoJack dure pra sempre ou que acabe logo para a qualidade não cair. Tudo o que eu sei é que a temporada acabou e nem um churro de graça eu ganhei. — Luiza Conde
Fleabag (Amazon Prime Video/BBC) — Segunda Temporada
Fleabag é um tipo de série que muito raramente aparece. É a exata definição pra mim de “não tem nada igual na televisão”. A série criada, escrita e protagonizada por Phoebe Waller-Bridge tem apenas duas temporadas, e a segunda (e até então, última) conseguiu a proeza de superar em qualidade a sua primeira temporada, que já era excepcional, inclusive, também entrou na lista de melhores do seu respectivo ano aqui no Previamente.
Para quem não conhece, Fleabag narra a vida de uma mulher no início dos seus 30 anos e suas lutas diárias na vida, e principalmente, na vida sendo uma mulher. Desde problemas com parentes, trabalho e com amigas, Fleabag é um retrato muito bonito de uma protagonista disfuncional que só está tentando existir e sobreviver em um mundo disfuncional com pessoas mais disfuncionais ainda. Nessa temporada, acho que o foco na protagonista diminui um pouco em relação à primeira, mas não vejo como algo negativo. Pelo contrário, acho que acrescenta muito mais para a série, tendo em vista que apesar de todos os personagens serem detestáveis, é ótimo vê-los saindo um pouco de trás da protagonista e tendo mais momentos próprios.
É muito raro ver uma comédia de nicho ultrapassar barreiras e atingir um público relativamente substancial, principalmente não sendo uma série norte-americana — ela é britânica. Phoebe Waller-Bridge consegue prender nossa atenção numa performance notável, e como criadora e roteirista, consegue tirar o melhor de cada um dos membros do elenco, dando ao espectador momentos brilhantes e extremamente memoráveis. Vale ressaltar que a série possui em seu elenco a ganhadora do Oscar deste ano, Olivia Colman, e na segunda temporada a participação de Andrew Scott (o Moriarty da série Sherlock). Minha única crítica possível à segunda temporada de Fleabag e o único problema da série é que ao contrário de quase todo o resto da TV, poderia ter mais! — Régis Regi
Amei, gosto muito de cinema, televisão e teatro!