Fleabag, The Good Fight, Better Call Saul, When They See Us e BoJack Horseman estão entre os destaques da tevê nos últimos 12 meses.
Neste nono ano consecutivo, o Previamente faz o principal recorte da temporada da TV. Este é o mais ambicioso e completo relatório dos destaques da televisão na imprensa brasileira, sendo um trabalho colaborativo de mais dois meses. Mas, é claro, para conseguir assistir e selecionar o melhor de quase 500 séries produzidas por ano atualmente, é um esforço constante, sem intervalos.
A temporada 2018/2019 foi marcada pelo retorno das grandes minisséries/séries limitadas, a queda brusca na qualidade geral dos dramas regulares e a devida aclamação das comédias regulares, notavelmente o que há de melhor atualmente na TV. Para selecionar os destaques da temporada, montamos um júri com 17 pessoas entre profissionais da área, jornalistas, críticos, estudantes e aficionados por séries. A seleção foi realizada utilizando os mesmos critérios do Emmy Awards: entram as obras que foram exibidas em sua totalidade ou mais de 50% de sua temporada entre 1º de junho de 2018 até 31 de maio de 2019.
Confira abaixo os melhores episódios da temporada 2018/2019.
MELHORES EPISÓDIOS
Insecure
S03E05: High-Like
Direção: Millicent Shelton | Roteiro: Regina Y. Hicks
Exibido originalmente em 9 de setembro de 2018.
O Beychella com toda certeza foi o evento musical mais celebrado e comentado do último ano, mas nem esse destaque nos prepararia para o melhor episódio de comédia de 2018. Issa e sua impagável entourage formada por Molly, Kelli e Tiffany chegam ao deserto californiano para curtir o icônico festival sem prever que algumas doses de bala, as colocariam nas mais embaraçosas situações. O terceiro ano de Insecure foi o mais robusto de toda a série e pela primeira vez o roteiro conseguiu levar suas protagonistas para territórios menos engessados pelo tom cômico. No entanto, “High-Like” foi um respiro merecidíssmo para uma temporada que vinha assumindo tons dramáticos que, apesar de necessários, começaram a nos divertir menos do que o habitual. O destaque dado a Molly, Kelli e Tiffany também foi um dos pontos altos, rendendo punchlines que nasceram clássicas como quando Kelli diz que ser bissexual agora tem a permissão e aprovação da musa Janelle Monáe. “Beyonce or bust, BITCHEEEES!”. — Zé Guilherme
The Haunting of Hill House
S01E06: Two Storms
Direção: Mike Flanagan | Roteiro: Mike Flanagan, Jeff Howard
Exibido originalmente em 12 de outubro de 2018.
Já virou rotina termos pelo menos um episódio anualmente que se destaque por ter um badalado plano sequência. Entretanto, a maioria dessas horas acabam sendo mais exercício estilístico do que uma decisão tomada para significar algo na história da série. Felizmente, esse não foi o caso de “Two Storms”. Escolhido para narrar o claustrofóbico funeral de Nell, o episódio em si trouxe a primeira reunião dos Crain depois de anos sem se verem. Ao funcionar como ponto de tensão máximo na trama da primeira temporada, somos induzidos a passear por diversos embates familiares durante uma tempestade, enquanto flashbacks também nos levam, sem cortes aparentes, para uma noite tempestuosa e assustadora na Hill House. A direção de Mike Flanagan entregou diversos momentos emocionantes, mas nenhum que se compare ao dramático pedido da caçula da família Crain para ser enxergada por quem ela amava. Mais do que nos deixar com medo de desligar a luz durante a noite, The Haunting of Hill House nos ensinou que a solidão ainda é o maior terror enfrentado pela humanidade. — Zé Guilherme
Fleabag
S02E01: Episode 1
Direção: Harry Bradbeer | Roteiro: Phoebe Waller-Bridge
Exibido originalmente em 4 de março de 2019.
“This is a love story”. O 2×01 de Fleabag é daqueles episódios que eu queria ter escrito. E se algum dia conseguir escrever algo próximo em qualidade, eu me considerarei uma roteirista extremamente bem-sucedida. Pra começar que ele entra na minha categoria de episódios favorita, que é a de lockdown. Lockdown episode é aquele que se passa inteiro ou quase inteiro num ambiente restrito em que o mais comum é que o personagem fique literalmente preso. E aqui já começa a genialidade desse episódio em particular: é um lockdown em que ninguém está preso de fato. A qualquer momento é só levantar e sair daquele restaurante com a garçonete irritante. Mas ao mesmo tempo não é, porque quantas pessoas de fato já simplesmente saíram de uma reunião familiar? É uma prisão subjetiva que carrega o peso de incontáveis e implícitas normas sociais, da qual só é possível escapar nas pausas pra um cigarro (é por essas e outras que eu não paro de fumar).
O episódio transcorre ao longo de um jantar. Assim são os episódios desse tipo, em que pouco de fato acontece. Muito, por outro lado, é dito sobre cada personagem ali. Presos sem escapatória uns aos outros, muito é dito e não dito sobre quem de fato são aquelas pessoas. É, logicamente, uma aula de diálogo, com espaço de sobra para pausas esquisitas, atropelamentos de fala e silêncios constrangedores. Mais do que isso, é um episódio que nega o caminho cínico (e previsível) da dramédia tradicional: tudo parece bem, mas no final BUM fica com esse drama muito dramático, profundo demais (a minha grande crítica, inclusive, à primeira temporada de Fleabag, que termina nesse tom). Na segunda, as coisas estão bem. Mesmo. Claro, haverá crises e momentos difíceis. Mas nem tudo precisa ser traumático e horrível para ser profundo. Tanto que esse episódio já estabelece a tônica do meu ponto favorito da temporada: todos os personagens são aprofundados e ganham mais camadas e complexidade, bem como se tornam mais profundas as relações que estabelecem entre si. A relação de Fleabag e Claire, que já era incrível, dá um salto nesse episódio e na temporada como um todo. Vamos da comédia ao drama de volta à comédia simultaneamente de forma orgânica e como um soco no estômago. Ou talvez esteja tudo lá ao mesmo tempo. Juro que a referência ao soco foi acidental. — Luiza Conde
Barry
S02E05: ronny/lily
Direção: Bill Hader | Roteiro: Alec Berg, Bill Hader
Exibido originalmente em 28 de abril de 2019.
Em sua segunda temporada, Barry optou em diversos momentos apostar no drama ao invés da comédia. Se isso funcionou, não vou entrar no mérito. Apesar disso, a série teve um dos momentos mais icônicos, surtados e engraçados da TV na temporada 2018/2019 com “ronny/lily”. Se Atlanta pecou na segunda temporada ao inserir tanto surrealismo que se perdeu nele e não soube desenvolver uma história de verdade, Barry consegue abrir espaço para um episódio que mergulha no absurdo, mas sem deixar de mover a trama da temporada. É extremamente bem dirigido, com cenas de ação improváveis, divertidas e bem coreografadas, enquanto o roteiro é afiado e mescla bem os momentos surtados e os diálogos. — Rodrigo Ramos
Fleabag
S02E06: Episode 6
Direção: Harry Bradbeer | Roteiro: Phoebe Waller-Bridge
Exibido originalmente em 8 de abril de 2019.
Phoebe Waller-Bridge, sem dúvida, se consolidou em Fleabag, Killing Eve e Crashing como uma das melhores roteiristas da atualidade. Criando temáticas femininas sobre a imperfeição de suas personagens e do mundo ao redor delas, Phoebe tem uma habilidade na criação de diálogos, personagens, as relações entre eles e de subtexto nisso tudo que é impressionante, conseguindo ser tão engraçada quanto comovente — algo a se apreciar em qualquer criador. Porém, não tenho medo nenhum de afirmar que a segunda temporada de Fleabag é a sua obra–prima até agora. Isto porque é onde Phoebe consegue aprofundar ainda mais questões da sua própria dramaturgia que chegam ao auge nesse fantástico “Episode 6”.
Durante a segunda temporada inteira vemos a tensão sexual crescente entre Fleabag (a própria Phoebe) e um padre (Andrew Scott, incrível como o padre gostoso) chamado apenas de “O Padre”. Essa tensão cresce, cresce e cresce a temporada inteira ganhando forma de maneira incrível, divertida, comovente, sexual e claramente trágica no seu episódio final em que a série aborda a crush da sua protagonista que virou um romance impossível com um homem com que ela não divide apenas uma atração sexual mas também uma conexão profundamente humana, emocional e até divina, enquanto ele se divide entre o amor que descobre sentir por ela e o amor a Deus.
O romance proibido entre um padre e uma mulher poderia ser um clichê se não fosse a abordagem certeira de Phoebe que usa isso para aprofundar dois pontos centrais da série: a solidão de sua protagonista e o uso de quebra da quarta parede. Fleabag tem em nós, o publico que a observa num uso sofisticado de metalinguagem com coincidência dela, algum consolo no seu mar de solidão. Somos alguém com quem ela divide suas experiencias, seus demônios, por isso shipamos e torcemos que ela fique com o tal padre gostoso. E imaginem a nossa surpresa e a dela quando a conexão entre os dois personagens é tão forte que o padre também divide a consciência que nós, o publico, existimos. É um choque e estabelece o relacionamento de ambos como essa “esperança” para se encontrar a felicidade… Porém, essa “esperança” é impossível. E nesse episodio, quando a química entre os personagens chega ao seu ápice, este romance trágico e destinado ao fracasso culmina-se em um final não feliz. É comovente ver que mesmo não ficando juntos, a conexão de ambos agregou algo de diferente nas vidas deles. E após viver essa experiencia, Fleabag está pronta para viver a sua vida. Agora, sozinha, percebe que para enfrentar o mundo ao seu redor não precisa mais de nós. E então ela finalmente se despede da câmera sem dizer nada e vai viver. Pronto para lidar com uma experiencia com pessoas de verdade, que a respondam e não apenas a observem. Essa experiencia fez Fleabag percebeu que não precisa de um recurso para se proteger e que a vida com todo o seu sofrimento, falhas e fracassos vale a pena ser vivida. É tudo tão triste, gracioso, inspirador e lindo fechando perfeitamente não apenas a temporada mas a série como um todo. — Diego Quaglia
The Good Fight
S03E04: The One with Lucca Becoming a Meme
Direção: Nelson McCormick | Roteiro: Jacquelyn Reingold
Exibido originalmente em 4 de abril de 2019.
O episódio começa com os sócios do escritório de advocacia ouvindo Maia Rindell (Rose Leslie) sobre ter sido detida pela polícia após encontrarem drogas dentro de seu carro, e ela acaba sendo temporariamente suspensa do emprego. Uma semana de gancho. Logo em seguida, os sócios começam a discutir o destino de Maia, e alguns se manifestam favoráveis à demissão dela. Logo surge exemplo de outro associado que fora demitido por uso de droga. “Zero tolerância”, lembra um deles. Mas alguns argumentam que com Maia é diferente. A situação era apenas a faísca que daria início a uma grande discussão sobre racismo estrutural. Spoiler: o rapaz demitido era negro.
Lucca Quinn (Cush Jumbo) também é vítima do racismo nosso de cada dia. Ao vê-la com um bebê que não é da mesma cor (o pai da criança é caucasiano, diferente dela), uma mãe no parque se intromete aonde não deve, liga para polícia alertando que a criança não é dela e causa um caos, já que o policial também duvida que o neném pertença à Lucca, pedindo seus documentos e do carro.
As duas situações, bem mais comuns do que se imagina para quem vive na bolha do “racismo não existe”, revela uma doença que está presente na nossa sociedade. Lucca, por exemplo, nunca havia sido alvo desse tipo de preconceito (talvez pelo tom de cor da pele mais claro), mas a partir dele toma consciência de sua negritude. Quando conversa com os sócios e outras pessoas do escritório após ter se tornar alvo de ataques na internet e até diretamente no trabalho, Lucca observa e diz: “Vocês perceberam que todos que são negros nesta sala sabem o nome das vítimas de brutalidade policial?”. A questão atinge, bem, os brancos. Marissa (Sarah Steele) questiona se ela é racista agora e adiciona: “Meus avós foram à Selma”. É a versão do “eu não sou racista, tenho até amigos que são negros”. Diane (Christine Baranski), por sua vez, começa a pesquisar os nomes das vítimas, porque a consciência bateu de fato.
Há também a questão da disparidade salarial, informação bomba que mexe ainda mais com as estruturas do escritório, já que é evidente na folha de pagamento que os brancos recebem mais do que os negros. Neste caso, Adrian (Delroy Lindo) fala sobre a verdade nua e crua: “Mulheres são menos valorizadas do que homens porque nós pensamos que homens podem nos deixar por empregos que paguem melhor. E pessoas negras são menos valorizadas do que brancos porque nós achamos que eles podem nos deixar por trabalhos mais bem remunerados. Eu odeio isso. Mas é a realidade”.
O episódio é certeiro ao conseguir ilustrar de diversas formas como a sociedade é racista em si, mesmo as pessoas mais desconstruídas, porque a fundação dela é baseada no preconceito — motivo pelo qual nem mesmo um escritório de advocacia, cujo diferencial está na diversidade racial, consegue ser totalmente desprovido de racismo estrutural. É claro que há níveis, entre a falta de consciência plena, falta de vivência (brancos nunca vão entender de fato o que é o racismo) e o puro preconceito. Apesar desses temas abordados, o episódio não perde perde o ritmo caótico e extremamente bem humorado que a série possui, além de continuar pondo a trama macro para frente. — Rodrigo Ramos
BoJack Horseman
S05E06: Free Churro
Direção: Amy Winfrey | Roteiro: Raphael Bob-Waksberg
Exibido originalmente em 14 de setembro de 2018.
Demorei uns 10 dos 26 minutos do sexto episódio da quinta temporada de BoJack Horseman, “Free Churro”, para sacar o que estava se passando na minha tela. Quando finalmente percebi, fiquei torcendo para aquilo nunca mais acabar. Mais do que um episódio que dá adeus a um de seus mais complexos personagens, “Free Churro” é uma aula de domínio narrativo. Poucos são os roteiristas em ação (ou aposentados) que teriam a maestria de segurar um episódio de quase meia hora baseado em um grande e ininterrupto monólogo, mas Raphael Bob-Waksberg, também criador e showrunner da série, conseguiu brilhantemente. O trabalho de voz de Will Arnett, cujo monólogo, dizem por aí, foi gravado todo de uma vez sem pausas, em “Free Churro” encontra seu momento mais inspirado. Mais do que isso, o episódio é uma homenagem a tudo que a série construiu até então: seria impossível esse episódio existir se a relação entre BoJack e sua mãe não tivesse sido bem trabalhada como foi desde a primeira temporada da série. — Breno Costa
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