Filmes nacionais ‘Leste Oeste’ e ‘Jovens Infelizes…’ marcam o Festival Internacional Lume de Cinema

Programação segue até o dia 8 de março, em Balneário Camboriú.

O IV Festival Internacional Lume de Cinema, atualmente em cartaz em mais de 10 municípios espalhados pelo país, vem dando espaço para o cinema nacional, tendo exibido até agora duas películas brasileiras. Leste Oeste, do diretor estreante Rodrigo Grota, lembra um pouco o duas vezes vencedor do Oscar, Manchester À Beira-Mar, dentro de suas devidas proporções. Assim como o personagem de Casey Affleck, que lhe rendeu o prêmio de melhor ator no domingo passado, o protagonista Ezequiel (Felipe Kannenberg) também internaliza seus sentimentos. Os motivos são diferentes. Não há nenhuma grande tragédia em sua vida como o que ocorre no filme oscarizado. Contudo, é um grande desafio atuar deste modo, escondendo as emoções, ao mesmo tempo que precisa transmiti-las ao espectador.

Enquanto os demais personagens enchem Ezequiel de perguntas e despejam altas cargas emocionais nele, ele se mantém quieto. Neste caso, o silêncio fala mais do que a verborragia dos demais. Sua linguagem corporal transmite o que sua boca não dispara.

leste-oeste-02

Ironicamente, para um filme que traz a vida de pilotos e aborda um esporte de alta velocidade, o longa é mais pausado. Costumeiramente, a câmera acompanha um quadro em que duas pessoas conversam — e na maioria dos casos, Ezequiel está diante da lente. A câmara não se move com frequência e tenta extrair o máximo dos seus atores. Na cena em que Ezequiel sai para comer um lanche com Pedro, um jovem de 16 anos que sonha com a carreira de piloto, é evidente que há ali certo desconforto nos personagens. Sabiamente, Grota permite que a câmera registre essa inquietude nos dois, filmando os atores por um longo tempo, sem cortar de um para o outro conforme eles falam. Aqui, ele registra-os mesmo quando não falam, o que permite vê-los não somente na ação da fala, mas também reagindo ao que é dito pelo outro.

Os últimos minutos de metragem, com tantos instantes diante de um pôr de sol e sem conseguir envolver o espectador nas cenas de corrida (está longe de ser Rush – No Limite da Emoção, de Ron Howard), pouco criativas e empolgantes, até mesmo confusas, acabam prejudicando o filme como um todo. Ainda assim, a naturalidade dos diálogos, dos personagens, as locações, e o ritmo são frutos de personalidade cinematográfica, ainda que haja limitações.

Jovens Infelizes ou Um Homem que Grita Não é um Urso que Dança, do documentarista Thiago B. Mendonça, é uma obra que faz ode ao Cinema Marginal, que existiu no período entre as décadas de 60 e 70, em que os diretores desafiavam o totalitarismo da época e faziam o que bem entendiam — e com isso tinham suas obras marginalizadas, censuradas pela ditadura. Não vivemos mais essa época, ainda que o governo, de um jeito ou de outro, acabe tentando tirar direitos do povo, seja em esfera municipal, estadual ou federal. Uma dose de fascismo acaba penetrando em nossa sociedade e, se não há aqueles em constante alerta, deixando pessoas do tipo da família Bolsonaro tomar o poder, as chances de uma possível ditadura regressar é possível.

O longa-metragem, quase todo em preto e branco, é uma afronta às pessoas de Direita e até mesmo liberais moderados. É uma Esquerda extrema representada. Enquanto alguns personagens creem que a libertação vem da pura arte contraditória ou ousada e sem vergonha, há quem pregue que a revolução seja constante, com direito até a atentados a bomba. Tamanho extremismo pode incomodar os espectadores, até mesmo aqueles com tendências esquerdistas. O que pode ser visto como defeito, talvez para os seus realizadores seja uma virtude.

Dividido em prólogo e em outros seis capítulos, o longa funciona como um programa de esquetes, a estilo de Saturday Night Live ou Tá No Ar: A TV na TV. Contudo, as escolhas são bem mais afetadas pela crença política aqui. Em alguns momentos, funciona para públicos gerais e que não se ofendem tão fácil, como a crítica aos evangélicos em meio a uma canção de funk invocando Jesus em plena rua no alto falante. A primeira meia hora beira o genial. E como é de costume, filmes com esse tipo de arquitetura acabam tendo altos e baixos, pois inevitavelmente um segmento vai acabar despontando na frente de outros.

jovens-infelizes

Em busca de sair da zona de conforto, o longa pretende chocar as plateias. Em um momento da película, um dos personagens diz que mais nada choca as pessoas, o que é a mais pura verdade. A violência diária no país, em especial o incidente no Espírito Santo, mostra como a população consegue falar da desgraça alheia e no minuto seguinte passar para o que aconteceu na novela, no futebol ou no Big Brother no dia anterior, como se nada tivesse acontecido. Portanto, a obra utiliza a libertinagem, o amor livre, o sexo como ferramenta para chocar a plateia. Se em alguns momentos estas inserções parecem pontuais e necessárias dentro da proposta inicial, em outros parece apenas um modo para chamar a atenção e se rotular como cinema contraventor.

O longa tem soluções criativas no aspecto visual e até na condução do arco narrativo, sendo difícil separar o que é ficção e o que é real (há várias tomadas em meio a protestos nas ruas de São Paulo). Ainda que o ritmo alucinante seja diminuído na segunda metade e em alguns momentos o extremismo político acabe prejudicando a experiência cinematográfica para um público que não seja somente aquele nicho específico que concorde com toda a panfletagem comunista, o filme funciona em boa parte, principalmente por ser uma experiência insana e que ecoa a história do cinema nacional.

LESTE OESTE
Brasil, 2016 – 86 min
Drama

Direção e Roteiro: 
Rodrigo Grota
Elenco:  
Felipe Kannenberg, Simone Iliescu, Bruno Silva, José Maschio, Filipe Garcia, Letícia Conde, Maria Cecília Guirado, Edu Reginato.

JOVENS INFELIZES OU UM JOVEM QUE GRITA NÃO É UM URSO QUE DANÇA 
Brasil, 2016 – 127 min
Comédia / Drama / Musical

Direção e Roteiro: 
Thiago B. Mendonça
Elenco:  
Suzana Aragão, Nani de Oliveira, Kiko Dinucci, Zé Antônio do Carmmo, Carlos Francisco, Givanildo Manoel, Bebel Mendonça, Clarissa Moser, Bira Nogueira, Cel Oliveira, Ieltxu Martinez Ortueta, Rafael Penteado, Val Pires, Stella Prata, Alex Rocha, Renan Rovida, Leandro Safatle, Helvio Tamio, Camila Urbano, Atílio Belini Vaz

Por Rodrigo Ramos

Leave a Reply

Your email address will not be published. Required fields are marked *