Atriz do filme Que Horas Ela Volta? e da peça Plano Sobre Queda fala sobre o espetáculo, feminismo e desigualdade social.
Vencedora do prêmio de melhor atriz no Festival de Sundance, em 2015, por seu papel em Que Horas Ela Volta?, Camila Márdila não mantém seu foco apenas no cinema. Em 2016, ela engatou projeto na TV — fez parte do elenco da minissérie Justiça, da Rede Globo — e se mantém engajada no teatro.
Ao lado de outras três mulheres, Camila integra o AREAS coletivo de arte, onde firmou sua parceria com Liliane Rovaris nas peças NADA — uma peça para Manoel de Barros e Plano Sobre Queda, atualmente em sua terceira temporada, passando por Paraná e Santa Catarina.
Foi durante sua passagem pelo estado catarinense que conversamos com a atriz de 28 anos sobre crenças, feminismo, desigualdade social, e o espetáculo, que encerra sua temporada nesta segunda-feira (12) com duas sessões em Balneário Camboriú (mais detalhes aqui). Confira abaixo nosso bate-papo com ela.
Essa é a terceira temporada da peça. O que fez com que a equipe da peça se reunisse para mais uma temporada, agora no Paraná e em Santa Catarina?
Camila Márdila: A gente escreveu o projeto no edital da Funart [Fundação Nacional de Artes], Prêmio Myriam Muniz de Teatro, pra fazer novas temporadas da peça em diferentes cidades, agora aqui no sul.
Como tem sido a recepção do público no Paraná e em Santa Catarina?
É sempre diferente. A gente tem feito dois dias em cada cidade, aproximadamente, duas sessões. A gente foi pra Curitiba, em Itajaí, em Antonina, uma cidade super pequena. Nessas apresentações no sul, cada dia as pessoas que assistem são muito diferentes, têm reações bem diferentes com a peça. Mas é sempre uma surpresa.
Na peça, além de ter a relação dos três protagonistas, ela fala também sobre a questão do duelo entre a vida e a morte. Pessoalmente, como você encara essa iminência da morte? Existe alguma coisa além da vida, após a morte?
Eu acho que não. Eu acho que não existe nada. A peça não fala disso especificamente. A própria ideia de morte vem ligada ao fim das coisas, as mudanças, ela vai ampliando um pouco a ideia de morte pra ideia de fim e como a gente lida com isso.
Nessa temporada houve uma mudança de escalação. Antes era com o Breno Nina e agora com o Pedro Lamin. Por que houve essa adaptação?
O Breno foi ator que passou por esse processo todo com a gente de levantar a peça, mas esse ano a gente fez uma apresentações numa cidade numa data em que o Breno não poderia estar por causa de outro trabalho. O Pedro é um ator que mora no Rio e a gente o conhece há algum tempo, e ele também já tinha acompanhado um pouco o que tava sendo a peça e ele entrou como substituto do Breno. Na circulação aqui no sul a gente revezou, cada estado foi um. O Breno foi no PR e o Pedro em SC.
No espetáculo, 2/3 do elenco é composto por mulheres. Ainda em 2016, se fala muito da questão do machismo generalizado no Brasil, na TV, no cinema, no teatro, e é legal ver um espetáculo que seja composto, em sua maioria, por mulheres de destaque, que têm protagonismo, que têm personalidade. Como você enxerga essa luta das mulheres para conquistarem seu espaço ainda hoje?
Acho que realmente no decorrer dos anos a luta vem tomando uma cara diferente, em cada momento em que se vive, mas é constante. É uma questão que está muito enraizada na nossa formação social e cultural. Ela ainda tá muito longe de ser o ideal. Ainda tem um longo caminho pela frente. E a gente tem o nosso coletivo, que é formado por quatro mulheres, [o AREAS coletivo de artes, constituído por Miwa Yanagizawa, Liliane Rovaris, Maria Silvia Siqueira Camposa e Camila]. Eu e a Liliane [uma das protagonistas da peça] somos do coletivo e os meninos que fazem a peça são convidados e colaboradores. Isso acaba refletindo no que a gente produz de alguma forma.
Tu acreditas que o fato de haver mais mulheres por trás das câmeras, das cortinas, ajuda a ter mais mulheres como protagonistas, com mais espaço dentro das tramas de séries, novelas, filmes e peças?
Claro, com certeza.
Quero dizer que sou admirador do teu trabalho em Que Horas Ela Volta?. O filme toca em um ponto extremamente delicado, quase que surreal, do Brasil. O bizarro contraste entre a classe média alta e a classe mais humilde. Como você encara esse abismo que há entre os diferentes Brasis dentro do nosso país e se você enxerga alguma mudança no futuro em relação a desigualdade social?
Já teve mais né. Pensando nos últimos acontecimentos no país, eu acho que a gente acabou caminhando muitos passos atrás em direção a um projeto de país que não se importa muito com isso, aparentemente. Mas a gente tem que ser otimista de alguma forma. Encaro dessa forma, fazendo filme que trata desse assunto, produzindo obras que focam nesse assunto, que coloquem essas questões vivas e não deixem de ser pertinentes no país. Então a cada passo pra frente que a gente dá, parece que 20 vão pra trás, mas espero que como artistas a gente consiga fazer essa resistência no que a gente produz e no nosso discurso.
Foto: Carolina Vianna