A Bruxa | Crítica

A religião é forma de penitência eterna em terror que desafia o espectador

A Bruxa pôsterHorror:
s.m. Impressão física de repulsão, espanto, causada por algo de medonho
Sentimento de antipatia, aversão, ódio.
Caráter horrível de uma ação
S.m.pl. Coisas atrozes, terríveis.
Ações infames, cruéis; palavras, escritos obscenos; sujeiras: cometer, dizer horrores.

O significado da palavra “horror” tem uma ligação inegável com A Bruxa. Tido como um dos melhores filmes de terror nos últimos anos por vários críticos, engana-se quem crê que o gênero se trata apenas de vísceras jogadas na tela gratuitamente com certa constância e sustos a cada 15 minutos. O longa-metragem certamente subverte esse entendimento, o que desafia o espectador desde os primeiros instantes de metragem. Dentro da sala de cinema, os insatisfeitos eram diversos. Ao final da sessão, os comentários de “isso não é terror” surgiam. É compreensível, já que costumeiramente Hollywood entrega ao público filmes com estórias que mal se sustentam e tentam convencer pelos sustos.

Desde o início, A Bruxa força o espectador a pensar o que está acontecendo ali. A cena inicial não é clara, mas entende-se que a família que protagoniza a película é obrigada a sair da cidade, acabando por se hospedar em uma casa ao lado de uma floresta. O começo, em suma, serve apenas para realocar os personagens para aquele local. Já hospedados, a narrativa trata logo de sumir com o bebê recém-nascido. Thomasin (Anya Taylor-Joy), a filha mais velha dentre os cinco rebentos, é apontada pela mãe, Katherine (Kate Dickie), como a responsável por ter deixado o mais novo ser levado. Daí pra frente a relação entre a família começa a ficar cada vez mais conturbada.

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O longa se desenvolve de maneira lenta, com a fotografia escura, quase que saturada, deixando o ambiente se iluminar através da iluminação quase natural, com chamas de uma fogueira, da luz de velas, do luar ou o sol escondido por nuvens presentes ininterruptamente, criando uma atmosfera soturna, com paletas cinzentas, moldando o escuro para dar a sensação de claustrofobia ainda que haja amplos espaços do lado de fora da casa. A narrativa não se preocupa em criar momentos explosivos, grandes sustos e berros de tempos em tempos. É feita uma imersão dentro do universo daqueles personagens, sem apressar as coisas. Tudo ocorre dentro no seu próprio timing. Esses elementos causam agonia no espectador comum, que pode simplesmente se fechar para o que está diante dele.

O cerne de A Bruxa concentra-se na fundamentação religiosa. Estabelecida em 1630, a trama ainda traz pontos que estão presentes no nosso cotidiano, uns de forma literal e outras de maneira metafórica. O pai, William (Ralph Ineson), é o famigerado religioso hipócrita. Apesar de pregar a religião para tudo na vida de seus iguais, ele é aquele que prega o que não cumpre, utilizando de mentiras constantemente. A mãe, por sua vez, é a fanática religiosa, mas que carrega o ódio quase inexplicável por sua filha mais velha. Caleb (Harvey Scrimshaw), por sua vez, manifesta seus primeiros sinais de puberdade ao fixar os olhos nos seios da irmã — o pecado, aqui, é duplamente qualificado diante da “palavra”. Faz todo o sentido quando ele é associado, em determinado momento do longa, a uma maçã — que possui dupla interpretação, já que o fruto é atrelado ao pecado cometido entre Eva e Adão, estes ludibriados pelo diabo a comerem o fruto proibido, e também ao simbolismo dos contos infantis, uma vez que a maçã é conhecida por ser envenenada por bruxas. Thomasin blasfema ao dizer para os irmãos caçulas que é uma bruxa e, a partir de tal momento, é punida por isso, tanto por ter cometido tamanha heresia ou por simplesmente ser tida como a bruxa.

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O fanatismo religioso é posto como responsável por levar os personagens a decisões extremas. Ter a vida fundamentada em textos escritos há mais de um milênio mais desorienta do que norteia. Mesmo vivendo sob a “palavra”, a família acaba ruindo. Um é jogado contra o outro. A penitência é eterna e eles estão condenados a irem para o suposto inferno desde o momento em que nasceram — assim como o bebê, que não pôde ser batizado antes de ser levado, ou seja, não há sequer chances de ter um destino diferente além de queimar no mármore do satanás, de acordo com os religiosos. A floresta e o que habita dentro dela é quase um chamado para a vida fora da bíblia. Viver fora do que oferece o livro, sob a ótica religiosa, é a mais pura heresia. Almejar mais é ser pecador. Quando um personagem decide aceitar essa proposta indecente, exibe-se em uma cena catártica a liberdade que se tem quando se vive fora das páginas, atualmente, escritas há mais de dois milênios.

Sem respostas mastigadas para o espectador, A Bruxa é aberto para interpretações e certamente é reflexivo. O objetivo é atingir o público oferecendo-lhe dúvidas, criando o desconforto causado não só pelas cenas perturbadoras, mas principalmente pelo silêncio, um agente importante na construção da atmosfera tensa e inquieta proposta pelo roteirista e diretor Robert Eggers. Cria-se, enfim, um clima de aversão, de horror propriamente dito. Em suma, um terror criado pela própria religião.

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Imagens: Universal

The VVitch: A New-England Folktale
EUA | Reino Unido | Canadá | Brasil, 2015 – 92 min
Terror

Direção:
Robert Eggers
Roteiro:
Robert Eggers
Elenco:
Anya Taylor-Joy, Ralph Ineson, Kate Dickie, Harvey Scrimshaw, Ellie Grainger, Lucas Dawson, Bathsheba Garnett, Sarah Stephens, Julian Richings, Wahab Chaudhry

4 STARS

Por Rodrigo Ramos

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