Nostálgico, mas olhando para o futuro, J.J. Abrams dá uma nova esperança à franquia
A Força definitivamente despertou. Se alguém tinha alguma dúvida de que J.J. Abrams talvez não desse conta da imensa responsabilidade que era revitalizar o espírito e trazer um grande filme com Star Wars: O Despertar da Força, teve que se contentar em estar completamente errado. Resgatando todas as qualidades da trilogia original, dispensando os erros da trilogia nova e dando uma nova roupagem para a franquia, o criador de Lost e responsável pelo reboot de Star Trek entregou sua alma para o projeto e os fãs (e também aqueles que não o são) agradecem.
Durante minha infância/adolescência, fui ao cinema assistir à trilogia que servia como prelúdio para a história de Star Wars. Obviamente, eu, no auge dos meus 12 anos de idade não tinha muita ideia do que estava acontecendo, e só alguns anos depois que percebi o erro que George Lucas cometera. Talvez por tamanho deslize, a euforia dos fãs não era a mesma quando entrou em cartaz O Ataque dos Clones e A Vingança dos Sith. Honestamente, ninguém queria aquilo, o que resultou na queda acentuada da bilheteria filme após filme. No entanto, a expectativa para o ressurgimento da saga, dando continuidade aos acontecimentos de O Retorno de Jedi, 30 anos após a queda do Império, com gente de calibre em todos os setores da produção, desde a direção de arte, efeitos visuais, direção, roteiro e elenco, além do retorno de personagens da trilogia clássica presentes, fizeram com que até o mais desconfiado fã quisesse esse filme. E, pela primeira vez, pude ir ao cinema ansioso por um Star Wars.
Ao melhor estilo J.J. Abrams de ser, tudo sobre o filme envolvia mistério e segredos. Não sei como o diretor conseguiu convencer a Disney a não revelar demais, afinal de contas, o estúdio não é conhecido por segurar mistérios, costumeiramente entregando tudo nos trailers, a exemplos dos filmes da Marvel – para ser mais específico, Vingadores: Era de Ultron. Porém, ele deixou praticamente tudo por debaixo dos panos e nós tivemos simplesmente que confiar nele. Decisão mais do que correta, o que naturalmente aumentou o frisson em cima do longa-metragem.
Ir ao cinema sem saber quase nada sobre o que irá acontecer é uma das melhores estratégias que poderia ser adotada e funciona. Diferente de todos os episódios anteriores, este Star Wars não deixa o expectador respirar em momento algum. Começando com uma fuga e o primeiro ataque da Primeira Ordem, que representa o Lado Negro e quer ver a República destruída. Porém, o intuito aqui não é dar detalhes das cenas para não estragar a experiência caso algum leitor perdido leia este texto antes de ver o longa. O que revelo é que a partir daí é uma sequência de ação melhor do que a outra, todas bem dirigidas, com propósito e não barulho por barulho, agregando à trama.
No meio disso, há a apresentação de vários personagens, como o piloto da Resistência, Poe Dameron (Oscar Isaac); o adorador de Darth Vader, o vilão Kylo Ren (Adam Driver); a pirata Maz Kanata (Lupita Nyong’o); o General Hux (Domhnall Gleeson); a Capitã Phasma (Gwendoline Christie); e o líder supremo do Lado Negro, uma espécie de mestre Sith de Kylo Ren, Snoke (Andy Serkis). Nem todos possuem uma profundidade, como Phasma e Hux, porém eles servem para seu propósito na tela. Enquanto isso, os demais são peças chave para a narrativa. Porém, os protagonistas são aqueles que roubam a cena – juntamente com BB8, uma das melhores coisas da película.
A catadora de lixo Rey (Daisy Ridley) e o ex-stormtrooper Finn (John Boyega) são incríveis. A química entre os dois torna a trama mais atrativa e crível, mesmo sem pender para o romance. Mesmo servindo de alívio cômico, ele tem um grande propósito na tela. No seu primeiro dia de ação como um dos soldados da Primeira Ordem, ele deixa tudo pra trás por perceber que aquilo não é o correto, então inicia sua fuga. A forma como os stormtroopers são treinados, inclusive, casa com a proposta maligna do Lado Negro da Força. Enquanto isso, Rey vive no planeta Jakku, solitária em meio ao deserto, vivendo um dia de cada vez, esperando pelos pais, que nunca conheceu, aparecerem. Ela reluta em sair do planeta, porque ainda tem esperanças de que um dia eles aparecerão. Porém, as circunstâncias a afastam do local. A responsabilidade vai caindo sobre os ombros dela, mesmo ela não escolhendo aquilo. É quase uma Katniss de Jogos Vorazes nesse quesito, contudo Rey, vendo que a galáxia inteira corre riscos caso não vá em frente, resolve ajudar.
Além da química e o fato de ambos os serem bem definidos e fortes, a dupla é uma virada de jogo dentro da própria saga cinematográfica, já que mulheres e negros eram minoria em ambas as trilogias. Colocar uma mulher e um negro como protagonistas de uma das marcas mais rentáveis da história do cinema é estar ligado ao momento em que vivemos.
Não só os novinhos dão a cara, como também a velha guarda da galáxia, como Han Solo (Harrison Ford, sagaz e ranzinga como sempre), Chewbacca (Peter Mayhew), General – e não Princesa – Leia (Carrie Fisher), C-3PO (Anthony Daniels), R2-D2 (Kenny Baker) e Luke Skywalker (Mark Hamill). Mesmo não tendo o mesmo peso que tinham na trilogia original, todos eles importam de alguma maneira. Abrams encontrou a maneira correta de passar o bastão para a nova geração. Solo e Chewie não somente servem de alívio cômico, mas principalmente Solo serve como mentor de Rey e Finn, uma espécie de novo Obi-Wan Kenobi, apesar de o personagem não ter a Força.
Abrams, juntamente com o roteirista Lawrence Kadsan (de O Império Contra-Ataca e Os Caçadores da Arca Perdida), além da participação de Michael Arndt (Pequena Miss-Sunshine e Toy Story 3) – ele foi o primeiro roteirista contratado, porém depois foi dispensado, então não se sabe o que foi utilizado mesmo do seu trabalho –, segue a mesma estrutura que consagrou o primeiro Star Wars. Portanto, se você lembra bem de Uma Nova Esperança, isso já serve de grande spoiler. Há também elementos que remetem O Império Contra-Ataca, referências à saga como um todo e easter-eggs. É uma enorme aventura, no melhor espírito Indiana Jones com o antigo Star Wars. Tem seriedade, é claro, há partes emocionantes, porém nunca se perde o espírito de filme de sessão da tarde (no melhor sentido possível), com piadas afiadas, leves, e que acontecem em momentos dos quais normalmente não se espera tamanho bom humor.
Respeitando também a lógica da própria saga e o estilo J.J. Abrams de ser, lacunas ficam abertas e perguntas ficam sem respostas. Há alguns detalhes que não são explicados, o que pode gerar desconfiança de que o roteiro não é tão bem amarrado assim. Porém, ninguém (ou a maioria ao menos não) quer tudo mastigadinho – eu, por exemplo, não gosto quando Christopher Nolan faz isso nos filmes dele, logo, não desejo tal para Star Wars. Certos mistérios permanecem, mas tudo faz parte de um plano maior que será explorado ainda em mais duas películas.
O filme é tudo aquilo que os fãs esperavam. É uma sessão nostálgica, uma grande homenagem ao que houve de melhor na saga até aqui, porém não deixa de olhar para o futuro e deixa explícito que essa nova trilogia pertence aos novos personagens, apesar da relevância do passado para construir esse futuro. É uma obra feita para todas as gerações que idolatram a criação de George Lucas, como também para aqueles que nunca viram absolutamente nada de Star Wars na vida. Por conta disso afirmo, sem nenhum peso na consciência ou dúvida, que este é o melhor longa-metragem da franquia até então, servindo como uma nova esperança para a saga. Obrigado Disney e Abrams por fazerem a longa espera ter valido a pena.
Star Wars: The Force Awakens
EUA, 2015 – 135 min
Aventura
Direção:
J.J. Abrams
Roteiro:
J.J. Abrams, Lawrence Kadsan, Michael Arndt
Elenco:
Harrison Ford, Mark Hamill, Carrie Fisher, Adam Driver, Daisy Ridley, John Boyega, Oscar Isaac, Lupita Nyong’o, Andy Serkis, Domhnall Gleeson, Anthony Daniels, Peter Mayhew, Max Von Sydow, Gwendoline Christie, Simon Pegg, Kenny Baker
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