Performances de Schitt’s Creek, Unbelievable e Mrs. America estão na lista.
O Previamente, a partir de um júri com 21 pessoas entre profissionais da área, jornalistas, críticos, estudantes e aficionados por séries, elegeu as melhores atrizes da TV na temporada 2019/2020. A seleção foi realizada utilizando os mesmos critérios do Emmy Awards: entram as obras que foram exibidas em sua totalidade ou mais de 50% de sua temporada entre 1º de junho de 2019 até 31 de maio de 2020.
Confira abaixo a lista completa abaixo.
MELHORES ATRIZES
Gaia Girace (My Brilliant Friend)
Na primeira temporada de My Brilliant Friend, Lila Cerullo era uma personagem fascinante por tudo o que percebia, e tudo o que escondia. Sua ambição única se manifestava em momentos raros, enterrados pela miserável monotonia do bairro onde ela e a melhor amiga Lenù passaram a infância e adolescência. Sabíamos o que ela queria mudar, mas só entendíamos o “como” pela metade — tal qual qualquer plano de adolescente, a libertação de Lila era só um sonho mal-(in)formado.
No segundo ano de My Brilliant Friend, Lila Cerullo não é mais Lila Cerullo — é Lila Carracci. A potência da performance de Gaia Girace, toda olhares escusos e intensos, explode em proporções atômicas enquanto a Lila adolescente se confronta com o mundo adulto e as desilusões que ele traz, o caminho árduo que ele propõe, as corrupções que ele mostra. A jovem atriz traduz essa fragmentação fundamental na identidade de sua personagem com entrega e finesse, se desdobrando em emoções e realizações intelectuais gigantes que, para o choque do próprio espectador, não acontecem mais por trás de fachadas e ofuscações, mas diante dos nossos olhos. — Caio Coletti
Catherine O’Hara (Schitt’s Creek)
Schitt’s Creek é uma série como poucas outras. Ela consegue a proeza de fazer todos seus protagonistas brilharem de forma igualitária — ou quase, pois Moira Rose é indiscutivelmente uma das maiores ladras de cena que já vi na minha não tão curta vida de seriador. Catherine O’Hara não é nenhuma novata na televisão nem no cinema, sendo creditada em mais de 100 produções, além de ter na estante um Emmy, além de outras seis indicações. A atriz canadense consegue com maestria dar profundidade e diversas camadas a uma personagem que poderia facilmente ser interpretada de forma unidimensional e sem originalidade. Não me entenda mal, Moira Rose é uma péssima pessoa, uma amiga completamente autocentrada, uma mãe relapsa e uma esposa extremamente egoísta, e é isso que faz Moira ser de fato Moira. Porém, contudo, entretanto, os pequenos (mas ao mesmo tempo grandiosos) momentos em que Moira decide mostrar algum tipo de humanidade e empatia (mesmo sendo coisas mínimas, como colocar a mão no ombro do filho enquanto ele estou ouvindo uma serenata de seu interesse amoroso), são, pra mim, os melhores momentos da série.
É admirável ver a dedicação e o comprometimento de Catherine O’Hara à personagem. Tudo isso é visível desde o sotaque irreconhecível que a atriz criou, ou na forma que ela pronuncia “bebe”, ou no extenso e complexo vocabulário de Moira Rose usado em conversas casuais como se nada fosse. Por isso acho extremamente razoável dizer que mesmo quando a qualidade de Schitt’s Creek está abaixo das expectativas (o que é normal para uma série que durou seis temporadas), uma coisa é certa: a atuação de O’Hara como Moira Rose (e suas perucas, NÃO PODEMOS ESQUECER DAS PERUCAS!!!!) é talvez a maior (e única) constante em excelência durante cada um dos 80 episódios que compõem a série. — Régis Regi
Olivia Colman (The Crown)
É uma verdade universalmente reconhecida que Olivia Colman é uma das melhores atrizes na produção televisiva contemporânea (recentemente também reconhecida por seu trabalho em produções cinematográficas). Havia muita expectativa quando ela foi anunciada para substituir Claire Foy, que havia interpretado brilhantemente a Rainha Elizabeth II nas duas primeiras temporadas da série. Olivia nos ofereceu sua própria versão da personagem, mais velha e madura, nas vésperas de completar seu jubileu de 25 anos de reinado. Ainda assim é possível sentir uma continuidade do trabalho de Foy: o contraste entre a vulnerabilidade na intimidade com a postura altiva e distante na vida pública ainda está lá, e naturalmente ganha contornos de ironia conforme a personagem debocha pontualmente de sua própria condição. Um dos momentos brilhantes de Olivia é com certeza o episódio “Aberfan”. A narrativa trata do terrível acidente que soterrou parte de uma vila galesa pelo deslizamento de uma montanha de rejeitos de mineração, e da impressão de um distanciamento e apatia da rainha em relação ao sofrimento da população, em consequência de sua incapacidade de visivelmente se emocionar e chorar. A atriz faz uso de sua incrível habilidade de transmitir uma gama complexa de emoções pelo olhar, e domina o episódio até o clímax, onde o espectador percebe uma lágrima iminente. — Rafael Bürger
Merritt Wever (Unbelievable)
Silenciosamente, Merritt Wever se tornou uma das melhores atrizes atualmente na TV. Com passagens por The Wire (!), The Good Wife, New Girl, The Walking Dead e papeis premiados em Godless e Nurse Jackie, ela vem demonstrando a elasticidade do seu talento, intercalando papeis dramáticos e cômicos — este lado, inclusive, destacado em Run, exibido em 2020 na HBO. Várias séries e dois Emmys depois, é em Unbelievable que Wever consegue seu primeiro papel de protagonista. Nesta oportunidade, a atriz dá vida a Karen Duvall, uma detetive encarregada de desvendar quem é o responsável por uma série de estupros. A temática é extremamente pesada, mas a minissérie não é leviana ao tratar a história real, assim como as interpretações são conduzidas com respeito e competência. Wever trata o papel de maneira sóbria, contida, que dificilmente sai do tom. Há raros momentos em que ela levanta a voz (como no vídeo em destaque), mas é resultado da indignação com a falta de comprometimento e seriedade com que seus colegas levam o trabalho. E ela dá o devido peso ao caso, o peso que ele merece. A interpretação de Wever não é daquelas chamativas, com gritos, cenas de choro — e não que esses tipos não funcionem em várias ocasiões. É na fala mansa, na linguagem corporal, nos olhares empáticos e no silêncio eloquente que a atriz se prova em cena. Aqui, menos é mais. E Wever sabe a dose exata que precisa entregar. — Rodrigo Ramos
Cate Blanchett (Mrs. America)
Nada melhor para uma atriz gigante como a duas vezes ganhadora do Oscar Cate Blanchett do que ter um papel como Phyllis Schlafy como porta de entrada no mundo das séries. Interpretando uma advogada e ativista conservadora e antifeminista da vida real que acaba sendo o ponto central e linha ancore da minissérie Mrs. America, Blanchett tem um dos momentos mais interessantes da sua carreira por conseguir lidar e dar camadas a um tipo que ela já tem plena experiência e ligação durante muito tempo. Sua interpretação vai a extremos em momentos muito expansivos e minimalistas. Esse estilo de vilania fina e sofisticada não é novo dentro do repertório de interpretações de Blanchett, mas a atriz consegue encontrar caminhos para impressionar nos seus momentos mais desprezíveis e equilibrar isso com um nível de empatia que deixa a sua personagem longe de uma caricatura. — Diego Quaglia
Daisy Edgar-Jones (Normal People)
Daisy Edgar-Jones é uma pérola sem defeitos. No papel de Marianne Sheridan ela entrega uma performance cheia de nuances, fincada numa fragilidade extremamente palpável. Marianne é uma jovem sem amigos e que sobrevive diariamente em uma situação familiar completamente abusiva e sem amor. Apesar disso, ou talvez por causa disso, ela se acostuma a construir para sua proteção uma fachada de ironia, não conformidade e independência. Daisy consegue dar forma aos seus conflitos mais intensos, nos cativando com a sensibilidade de uma jovem que se lança completamente a um amor que começa em segredo e que leva, diversas vezes, a completa entrega de seu ser em momentos de vulnerabilidade emocional extrema. É incrível sua capacidade de adentrar rapidamente em momentos profundos, como seu rosto se transforma, transmitindo as mais minuciosas variações em seus pensamentos e sentimentos. Marianne é, sem dúvida, o cerne emocional da série, uma personagem complexa, cercada por traumas e inseguranças entranhados em si de forma quase implacável e auto-destrutiva. Edgar-Jones realiza um trabalho magistral em traduzir sua jornada de uma forma realista e tocante, nos levando com ela de seus momentos mais obscuros à suas conquistas e amadurecimento, como se estivéssemos ali com ela, vivendo e partilhando de suas dificuldades em sobreviver em um mundo muitas vezes cruel e sem sentido. — Mariana Ramos
https://youtu.be/_7VnleaGMcc
Christine Baranski (The Good Fight)
Com 11 anos interpretando Diane Lockhart, seria possível que Christine Baranski entregaria neste ano seu melhor desempenho no papel? Definitivamente, não se espera pouco de uma atriz do calibre de Baranski, mas ela surpreende positivamente aqui, com Diane tornando-se — ainda que por um episódio apenas — uma viajante no tempo numa realidade alternativa e, posteriormente, uma detetive tentando desvendar o grande mistério da temporada: Memo 618. Com o seu foco voltado para brigar contra o establishment, Baranski tem a oportunidade de utilizar seus dotes cômicos mais do que o normal em outras temporadas em meio aos absurdos no caminho, ao mesmo tempo em que explora outras vertentes de Diane, demonstrando a determinação de fazer justiça. O trabalho de Baranski é tão competente que cada vez que cita “Memo 618” sua fala tem um peso único e muda completamente a atmosfera do quadro. Baranski também ganha a chance de aos 68 anos interpretar uma personagem que apesar da idade mostra-se sexualmente ativa, capaz de esbanjar sensualidade e, mesmo vestindo uma roupa de dominatrix com um chapéu de caubói e uma espingarda em mãos, não parece ridícula. É o tipo de representatividade que não se vê com frequência, mas a série oferece e Baranski executa como a realeza que é. Mais de uma década se passou, e Baranski continua encontrando novas maneiras de tornar sua performance nesta personagem fresca, divertida e impactante. — Rodrigo Ramos
Regina King (Watchmen)
Watchmen oferece à Regina King a possibilidade de testar sua capacidade de expandir seu poderio cênico. Na pele de Angela Abar/Sister Night, ela interpreta uma personagem bastante complexa, algo que nem sempre é recorrente em filmes e seriados de super-heróis (há boas exceções, mas não é regra geral). King encontra-se em situações das mais diversas, encarando seu passado, as perdas pelo caminho, os próprios segredos e o fardo do racismo, impregnado na sociedade e em sua história. A atriz se vira muito bem nas cenas de ação, vestindo um dos modelos mais estonteantes do audiovisual de super-heróis e saindo por cima na hora de surrar supremacistas brancos. No modo luta, ela assume outra faceta, externalizando a ira que habita dentro de si e o senso de justiça. Mesmo com a máscara tampando boa parte de seu resto, é possível ver no olhar de King suas emoções, inclusive o deboche e o falso ar de surpresa.
Se vestindo seu uniforme King já convence, quando ela se despe sua performance permanece intacta, quiçá fica ainda melhor. Diante dos acontecimentos das tramas, sua performance atinge várias nuances, pois o papel não exige apenas a parte física ou um momento dramático aqui e ali. A vencedora do Oscar e três vezes vencedora do Emmy passa credibilidade sendo mãe e esposa, policial e militar, usando o deboche e mandando “the fuck” como ninguém, se fazendo de desentendida e dando um pau em supremacistas brancos. King convence nos momentos em que Watchmen parece uma série de ação, nas situações mais dramáticas e permeadas pelo drama de se viver num país racista, até nas horas que estranha e temporariamente se transforma em uma comédia romântica. Tudo o que se pede de King, ela entrega. É uma performance completa e só uma rainha da atuação poderia executá-la com tamanha precisão. — Rodrigo Ramos
Menções honrosas: Laura Linney (Ozark), Kaitlyn Dever (Unbelievable), Rachel Brosnahan (The Marvelous Mrs. Maisel), Pamela Adlon (Better Things), Issa Rae (Insecure).
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Fizeram parte do júri
Angelo Bruno, estudante de Letras — Licenciatura em Português.
Breno Costa, roteirista.
Caio Coletti, jornalista e colaborador do site UOL.
Dana Rodrigues, editora do site Diário de Seriador.
Diego Quaglia, cineasta, roteirista e crítico de cinema e audiovisual.
Diogo Pacheco, colaborador do Série Maníacos.
Fillipe Queiroz, estudante de Psicologia, aficionado em séries.
Geovana Rodrigues, sommelier de séries.
Gustavo Marques, produtor de conteúdo e entusiasta de televisão.
Juliano Cavalcante, bacharel em Economia, escreve sobre seriados na internet desde 2005.
Leonardo Barreto, editor do Quarta Parede Pop.
Luis Carlos, administrador do grupo Crônicas de Séries e da página Cultura em Frames.
Mikael Melo, jornalista, produtor de Jornalismo na NDTV Record.
Mariana Ramos, roteirista, mestre em Cinema e Audiovisual, host do podcast Maratonistas.
Rafael Bürger, bacharel em Imagem e Som pela UFSCar e cineclubista.
Rafael Mattos, estudante de Jornalismo, administrador do grupo Crônicas de Séries.
Rafaela Fagundes, sommelier de séries.
Régis Regi, bacharel em Cinema, roteirista, host do podcast Maratonistas.
Renan Santos, formado em Cinema, crítico e newsposter no site Cine Eterno.
Rodrigo Ramos, jornalista, editor do site Previamente, repórter da Huna Comunicação Para o Bem.
Valeska Uchôa, cientista da computação, ex-colaboradora do Série Maníacos e do falecido Lizt Blog.
Textos por Caio Coletti, Diego Quaglia, Mariana Ramos, Régis Regi, Rafael Bürger & Rodrigo Ramos
Produção, edição e redação final por Rodrigo Ramos