O Oscar é racista?

Analisamos as categorias femininas de atuação do Oscar e nos deparamos com o racismo institucional praticado pela Academia.

O Oscar é racista? Talvez. São quase 8,5 mil profissionais da área que votam na premiação, portanto seria leviano dizer que todas essas pessoas são preconceituosas, porém nota-se um padrão problemático no maior prêmio do cinema estadunidense.

A premiação tem uma prática que evidencia o racismo institucional da Academia: indicar pouquíssimas vezes atrizes negras, e quando o faz, dá preferência para papeis que as põem em situação de subjugação. Em 92 anos de Oscar, 36 performances por atrizes negras (em categorias principal e coadjuvante) foram indicadas. Deste montante, 21 personagens tratam-se de escravas, empregadas ou vivendo em situação de extrema pobreza.

Entre 2009 e 2016, quatro mulheres negras venceram o Oscar de melhor atriz coadjuvante. Foram elas Viola Davis (Um Limite Entre Nós), Lupita Nyong’o (12 Anos de Escravidão), Octavia Spencer (Histórias Cruzadas) e Mo’Nique (Preciosa). Não choca o fato de que os papéis vitoriosos são, respectivamente, uma dona de casa, uma escrava, uma empregada doméstica e uma mulher em situação de pobreza extrema.

https://youtu.be/pzYZ_sMW6Eo

Não é surpresa alguma que a primeira mulher negra a ser indicada e vencer o Oscar tenha sido interpretando uma empregada doméstica. Ela foi a primeira performer (entre homens e mulheres) negra a ser nomeada à premiação e sair vitoriosa, inclusive. Isto aconteceu em 1940, quando Hattie McDaniel saiu ganhou na categoria de melhor atriz coadjuvante por …E O Vento Levou. Ela também foi a primeira a ir à premiação como convidada e não servente. O local onde a cerimônia do Oscar aconteceu (Coconut Grove no The Ambassador Hotel, em Los Angeles) não permitia a entrada de pessoas negras, o que fez os organizados terem de requerer uma autorização especial para que a atriz pudesse comparecer.

Para o Oscar 2020, havia várias performances de atrizes negras que mereciam o amor da Academia e eram papeis que fugiam do lugar comum que a premiação costuma reconhecer. Alfre Woodard em Clemency e Lupita Nyong’o em Nós são duas atrizes que tinham o direito a uma indicação ao Oscar neste ano, porém, novamente, os votantes preferiram dar atenção para quatro performances de atrizes brancas e somente uma negra, que interpreta uma escrava — no caso, Cynthia Erivo em Harriet.

Lupita Nyong'o double in US
Lupita Nyong’o em Nós, dirigido por Jordan Peele.

Durante toda a temporada de premiação, as conversas de sites especializados foram colocando desde o princípio quatro das cinco vagas de melhor atriz como sendo tranquilamente das atrizes brancas, enquanto a quinta deveria ser dividida entre as atrizes que representavam diversidade, como as já citadas Erivo, Woodard, Nyong’o e Awkwafina (The Farewell). Interpretações de outras línguas como Noémie Merlant e Adèle Haenel, protagonistas do francês Retrato de Uma Jovem em Chamas, também poderiam estar nas conversas. Até mesmo as brasileiras Julia Stockler e Carol Duarte, de A Vida Invisível, mereciam ser consideradas.

Durante o período de premiações, foi encarado de forma natural o fato de atrizes brancas estarem liderando com folga a maior fatia das possíveis indicações na categoria de melhor atriz, enquanto negras e outras minorias ficaram disputando uma única vaga — e, no fim, escolheram a performance cuja a personagem negra é uma escrava. Sim, Harriet é uma figura importante na história estadunidense, mas não deixa de partir do mesmo lugar comum.

O maior problema vem de dentro, sem dúvida, o que fez com que o movimento “#OscarsSoWhite” tivesse ganhado força em 2016. Contudo a mídia e a imprensa especializada ajudam a perpetuar essas escolhas ao preferirem falar somente daquelas performances de gente branca que são isca para os votantes do Oscar e deixar de lado quem, naturalmente, é preterido por uma Academia que evidentemente pratica racismo institucional desde sua fundação. Afinal, se os veículos passam meses falando que quatro vagas são de pessoas brancas e resta somente uma para as demais concorrentes, é impossível não influenciar os votantes de alguma forma.

Lulu Wang Awkwafina The Farewell set
A atriz Awkwafina (à esquerda) e a diretora Lulu Wang no set de The Farewell.

O mesmo mindset se aplica na discussão da categoria de melhor direção do Oscar, em que puseram Greta Gerwig (Adoráveis Mulheres) como a única representante feminina possível lutando pela quinta e última vaga, enquanto várias outras diretoras deveriam estar sendo consideradas, não só por serem mulheres, mas por entregarem alguns dos melhores filmes de 2019, como Lorene Scafaria (As Golpistas), Lulu Wang (The Farewell), Alma Har’el (Honey Boy), Mati Diop (Atlantique), Marielle Heller (Um Lindo Dia Na Vizinhança) e Céline Sciamma (Retrato de Uma Jovem em Chamas). Neste caso, é a presunção de que os homens têm preferência e se sobrar uma vaga, então vai para uma mulher. Em suma, machismo.

A categoria de melhor atriz coadjuvante também deixou de fora interpretações de minorias, apesar de haver várias candidatas com atuações excelentes, como a latina Jennifer Lopez (As Golpistas), a chinesa Shuzhen Zhao (The Farewell) e as sul-coreanas Hye-jin Jang, Jeong-eun Lee, So-dam Park e Yeo-jeong Jo (Parasita).

O elenco de Parasita levou o SAG Awards de melhor elenco, mas por algum motivo nenhum membro do elenco foi indicado individualmente no SAG ou Oscar. Lopez era dada como a segunda front-runner da temporada na categoria, atrás somente de Laura Dern (História de um Casamento), e mesmo assim ficou de fora da lista do Oscar. Como um votante do Oscar disse ao New York Post, a Academia enxerga Lopez como um fenômeno e não uma atriz de verdade.

A 92ª edição do Oscar acontece no dia 9 de fevereiro. Você pode conhecer a maioria dos indicados brancos clicando aqui.

Por Rodrigo Ramos

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