Entrevista com Gal Costa: “O meu espírito não acompanha a minha idade cronológica”

Conversamos com a cantora tropicalista sobre maternidade, política e música.

A primeira gravação em disco de Gal Costa ocorreu em 1965, no dueto “Sol Negro“, presente no álbum de estreia de Maria Bethânia. São 54 anos de discos, DVDs, turnês e colaborações, e ainda assim a veterana não demonstra vontade alguma de parar. “O meu espírito não acompanha a minha idade cronológica”, diz a cantora que se apresenta em Florianópolis neste sábado (10), com a turnê do álbum A Pele do Futuro, lançado em 2018 e eleito um dos melhores do ano pelo Previamente.

Versátil e atual, Gal une em seus álbuns canções de amor com críticas sociais e políticas. Da ditadura do passado até o atual governo, ela é crítica aos sinais de repressão, mantendo-se atenta e forte. Não esconde o descontentamento com o presidente Jair Bolsonaro (PSL), como ficou bem claro enquanto dançava e regia um coro de xingamento direcionado ao ocupante do maior cargo público do país durante apresentação no Festival de Inverno de Bonito (MS), no último dia 28 de julho. “A minha vida toda eu disse o que pensava nos palcos”, declara.

Em A Pele do Futuro, Gal interpreta composições de veteranos como Gilberto Gil, Adriana Calcanhoto, Guilherme Arantes, Erasmo Carlos, Djavan e Nando Reis, mas também dá vida a faixas escritas por nomes da nova geração da música brasileira como Silva, Tim Bernardes, Dani Black, Emicida e Marília Mendonça, esta com quem divide os vocais na faixa “Cuidado de Longe”. E a ideia é permanecer experimentando. “Eu sempre gosto de ousar, mudar os caminhos, sempre há tempo de inovar”, comenta a cantora.

E não só na música que Gal vive metamorfoses. Em 2007, adotou o menino Gabriel quando ele tinha apenas um ano e dois meses de idade. Ela havia tentado engravidar ao longo da vida, porém nunca teve êxito devido a uma obstrução nas trompas. A maternidade transformou a vida da cantora, que descreve ser mãe como “revolucionário”.

Para saber mais o que a lenda da música brasileira tem a dizer, confira a nossa entrevista na íntegra abaixo.

Previamente — São mais de cinco décadas de carreira. E você parece tão relevante e tão disposta a experimentar coisas novas quanto 20, 30 anos atrás. Como você consegue se manter tão atual e disposta a trabalhar de maneira tão inventiva?

Gal Costa — Eu sempre fui, e ainda sou, uma artista que gosta de inovar, de dar saltos na carreira e criar novos caminhos. Gosto de sempre cantar repertório novo, buscar uma linguagem nova, de me jogar em um trabalho que pode ou não dar certo. O meu espírito não acompanha a minha idade cronológica. A minha voz é o espelho da minha alma e ela é jovem. Acho que hoje posso me dar ao luxo de fazer qualquer coisa. Meu temperamento é esse, de não ter preconceito com nenhum tipo de música, nem me ater a apenas um gênero.

Em A Pele do Futuro você escolheu trabalhar com velhos amigos, como o Gilberto Gil, mas também optou por colaborações com rostos mais novos da música brasileira, como Marília Mendonça, Silva e Emicida. O que a levou a buscar essa nova onda de compositores e como você chegou nesses nomes?

Exatamente por gostar de cantar repertório novo e misturar com artistas que eu já gravei. A Pele do Futuro é um disco muito especial porque eu fiz uma sonoridade que eu sempre sonhei, que era a disco music, com uma estética dos anos 70. Marcus Preto, como sempre, foi o responsável por garimpar algumas músicas, eu também pedi uma canção para o Gil e para o Guilherme Arantes e, juntos, fomos montando o repertório do álbum. As canções foram todas mudadas para seguir a linha disco music, com cara de música feita para dançar.

Ter uma longa carreira faz com que você tenha fãs de várias faixas etárias. Como você enxerga esse interesse pelo teu trabalho, especialmente do público mais jovem?

O disco Recanto (2011) já tinha levado um público jovem para os meus shows e para ouvir a minha música. Eu dei continuidade a isso com o Estratosférica (2015) e agora com A Pele do Futuro. Eu acho ótimo, não gosto de rótulos e quero ver cada vez mais um público novo nos meus shows.

Como é a sua relação com as redes sociais? 

Gosto bastante, de ler, de ouvir o que as pessoas têm pra falar. Acompanho sempre que posso.

O que você tem escutado de bom atualmente?

Tenho ouvido pouca coisa. Na época do álbum fiquei muito com Marcus Preto ouvindo músicas para a escolha do repertório.

O Gabriel hoje tem que idade? Após a chegada dele, o que mudou na sua vida?

Gabriel tem 14 anos e foi a melhor coisa que me aconteceu na vida. Ele mudou minha rotina, meu jeito de encarar a vida, sou uma pessoa muito mais feliz por tê-lo por perto. Faço tudo pra ele e por ele, é a luz da minha vida. Ser mãe é revolucionário.

Olhando para a sua carreira, o que ainda falta realizar? Tem alguém com quem queira trabalhar ou algum gênero em especial que gostaria de se arriscar?

Sempre falta fazer alguma coisa, eu sempre gosto de ousar, mudar os caminhos, sempre há tempo de inovar.

No final de julho, em um show seu no Festival de Inverno de Bonito (MS), houve um coro contra o presidente Jair Bolsonaro (PSL). Qual é a sua visão sobre ele e os sete primeiros meses de administração? 

A minha vida toda eu disse o que pensava nos palcos, com a minha música. Estamos num momento muito complicado.

Por Rodrigo Ramos

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