Cantor amadurece em novo álbum, mas sem deixar de lado a faceta brincalhona costumeira.
“Oh, oh, looks like, I’m seeing more of my old man in me”. Assim dá início Mac Demarco no refrão que abre seu mais novo álbum, This Old Dog. A constatação, de ares maduros e adultos contrasta de forma estranha com o Mac brincalhão, enfiando baquetas no ânus em shows entediantes, que todos conhecemos. Essa qualidade ‘coming of age’ que emana do álbum é o que nos permite entendê-lo melhor, que apesar de não transmitir o mesmo apelo pop que possuía 2 (2012) ou Salad Days (2014), pode vir a ser o seu trabalho mais interessante em relação a tudo o que já fez.
Confesso que quando escutei “Dreams from Yesterday” (oitava faixa do álbum), de cara me surpreendi. O meu garoto cresceu – pensei, com o zelo digno de uma seita de fãs de Luan Santana. E quem poderia me julgar? Mac Demarco é, de fato, o cara mais gente boa da cena indie atual. O novo álbum soa maduro, sábio, acústico, o produto de uma mente que percebeu, em um nível mais sensato, a passagem do tempo, as relações e a vida. Sugere com tudo isso que a tecla do garoto sem noção, despojado, sujo, rasgado, talvez já tenha sido batida vezes demais. Não que o Mac vai deixar de ser o ‘sujão’ da turma (e não irá), só deixa claro que existe algo a mais, todo um outro lado.
O álbum está mais leve, as cordas menos distorcidas. Em compensação, também parece que aqui Mac chegou às vias de fato com o uso de teclados e sintetizadores em sua música, em contraste com o flerte crescente que vinha tendo com estes instrumentos em seus trabalhos anteriores. Aqui eles estão melhores distribuídos, inventivos e mais sutis. É claro que não poderiam faltar músicas com o jeito Mac Demarco de se fazer, as canções pop despretensiosas de amor pré-adolescente, “For the First Time”, “One Another”, “Still Beating”, “One More Love Song”, bem, elas não faltam, nunca faltaram e provavelmente não deixarão de faltar tão cedo, configuram quase que uma vassalagem na música de Mac, o trovador canadense e tabagista.
Além das cantigas de amor costumeiras, há no álbum quatro canções das quais acho que não seria impreciso dizer que representam, de forma mais completa, o que a nova direção que Mac está tomando em sua música pode vir a produzir. São elas os singles “My old man” e “This old dog” e as faixas “Dreams from Yesterday” e “A Wolf Who Wears Sheeps Clothes”. Todas elas possuem aspectos melodiosos e instrumentais distintos de álbuns anteriores, o que é louvável. A melodia conserva-se simples e os sons surgem aqui e ali, novos recursos são usados, fazendo os instrumentos soarem peculiares. Escutar as músicas uma por uma é análogo ao prazer de conseguir novas figurinhas para o seu álbum da Copa. Além de tudo isso, as letras nestas canções desempenham uma função tão essencial quanto o ritmo. Estão sóbrias e desintoxicadas como nunca, falam sobre sonhos, paternidade, passagem do tempo e relações maléficas. Por vezes Mac soa como um guru indiano transmitindo ensinamentos e por outras deita no divã e faz do ouvinte seu psicanalista.
Na levada bossa-nova de “Dreams from Yesterday” (um dos alguns pontos altos do álbum), conscientemente ou não, Mac utiliza o pretexto estilístico como meio para veicular sua voz aos nervos mais graves e sensíveis, que absorvem a frequência sonora como um aviso, metade racional e metade nostálgico, os melhores palhaços são os mais apáticos e Mac Demarco sabe disso por instinto.
Em “A Wolf Who Wears Sheeps Clothes” soa uma gaita inédita, ao melhor estilo Neil Young, do qual já disse ter tentado copiar, e opta por usar uma metáfora bíblica, o lobo que se transveste de ovelha (Mateus, cap. 7,ver. 15, para os curiosos). “Sister”, sétima canção, é aonde se torna mais apático, nos 1 minuto e 18 segundos de música fala sobre uma perda, talvez física, talvez sentimental, de uma suposta irmã, finaliza com um toque na guitarra levemente distorcida; ali entendemos que Mac está diferente. Quando se escuta uma música por muito tempo, decora-se os caminhos aos quais ela te leva. Para este lugar nem 2, nem Salad Days, ou Another One (2015) me trouxeram. Se este álbum leva algum mérito é de ter aberto passagem a um horizonte ainda virginal em sua obra, que requer um outro tipo de contemplação e entrega um novo tipo de sensação. Os outros discos repetem-se em demasiado, This Old Dog não.
No final das contas, não é como se o álbum sinalizasse alguma grande transformação. Mac não é nenhum camaleão Bob Dylan, sério e lisérgico, não é e nem precisa sê-lo; o mesmo já disse inúmeras vezes que faz música conforme lhe vem e lhe veio agora de ser um pouco mais grave. Não é também como se tivesse perdido o espírito juvenil em sua música. Aquela última fagulha rebelde e adolescente ainda permanece acesa em cada canção. Infinitamente longe de um “the dream is over”, pop, lo-fi, V A P O R W A V E, cloud rap, shoegaze, blackgaze… Há um movimento tomando forma, nutrido pela geração perdida do novo milênio. Para esses jovens, Demarco ocupa um papel de influência na militância, vestem como ele, cantam como ele, fumam como ele. Resta saber o que ficará do movimento e de seu artista de modos despretensiosos e isso somente o tempo dirá.