Filme grego tem como intenção chocar pela estética, enquanto filme cazaque pretere a narrativa ao invés do visual.
Provocação. A Linha é o tipo de filme que vive em busca disso. A intenção dele não é sequer contar uma grande história, mas impressionar através de cenas fortes, testando o público para ver se ele aguenta ficar até o final da sessão. Se existe uma grande mensagem no filme grego dirigido por Alexander Voulgaris (ou The Boy, como é conhecido na carreira de música eletrônica), ela está bem oculta.
O longa tem como ponto de partida o parto de Niki (Sofia Kokkali). Integrante de um grupo de resistência à ditadura, ela é perseguida, presa, violentada física e emocionalmente pelo governo. Diante da situação, ela é obrigada a deixar seu filho aos cuidados de terceiros.
A película é uma viagem psicodélica interessante, vívida e chamativa, mas que em termos de coesão narrativa peca. O sentido no filme não está no roteiro, mas sim na realização visual. Boa parte da obra se passa dentro de um set, o que pode indicar o baixo orçamento da produção. Dentro desse contexto, Voulgaris encontra soluções criativas para dar vida ao seu filme. Em um dos momentos mais interessantes, ao invés de utilizar o recurso da montagem para fazer uma passagem de tempo, ele navega a câmera pelo recinto, dando cores e falas para cada ponto presente nessa linha temporal. Há também muitas projeções, iluminação artificial, câmera lenta e close na atriz, que interpreta tanto mãe como filho.
O longa se preocupa tanto em estabelecer a conexão entre os dois personagens, que os coadjuvantes ficam em segundo, terceiro plano, estando presentes apenas em voz, ou parcialmente em cena, mas apenas com parte do corpo dentro do take. Assim Kokkali tem todas as chances de brilhar e ela constrói uma performance de altíssimo nível, ponderada, mas também explosiva. Ela é exposta e desafiada no filme de diversas formas, e entrega o que lhe é requisitado.
Contudo, de forma geral, A Linha é mais experimento, é mais arte pelo aspecto visual do que em termos de narrativa, de leitura subjetiva e objetiva. Por mais que se tente extrair algo consistente da película, é quase improvável ter sucesso. A intenção, como dito no início do texto, é provocar. É buscar alguma reação do espectador ao pô-lo diante de cenas que beiram o trash, mas nunca se assume como. Ele se leva a sério demais para um longa que busca o choque com sequências tidas como apelativas por uns, de mau gosto por outros, mas que podem ser resumidas como desnecessárias e sem propósito narrativo a não ser a estética provocativa e o efeito nauseante.
Por outro lado, o cazaque O Anjo Ferido aposta em uma roupagem mais tradicional para contar a história de quatro garotos em momento de transição em suas vidas, em uma pequena cidade do Cazaquistão. Ambientado na década de 1990, o país também passava por uma transição, da era soviética à independência, entrando em um estado de depressão moral e econômica, a ponto de o governo desligar a energia elétrica às 21h, diariamente.
O longa é separado em quatro partes, cada uma contando a história de um dos garotos. Todos possuem problemas distintos, de bullying à gravidez precoce, relacionáveis em qualquer parte do planeta. Porém, há as particularidades de um país extremamente pobre. É notável a necessidade da participação dos jovens para contribuir com a renda familiar, os colocando em situações insalubres, a exemplo do garoto que revira a cidade atrás de cobre para vender e ganhar uns trocados. A questão da falta de energia elétrica, ainda que seja um detalhe curioso, não ganha foco, sendo incorporado nas narrativas como algo costumeiro na vida da população.
Ainda que não haja essa pretensão, a película acaba falando com o público brasileiro. No Brasil, segundo os Indicadores Sociais (SIS) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o número de famílias que vivem na miséria (com menos de 1/4 de salário mínimo per capita) representam 9,2% da população, algo em torno de 20 milhões de pessoas. A situação precária pode não ser a mesma retratada no filme, porém ecoa nos fantasmas da nossa sociedade atual. A desigualdade social ainda é gritante e o Cazaquistão até hoje luta para equilibrar essa equação (em 2013, 2,9% da população cazaque estava abaixo da linha da pobreza). O Anjo Ferido consegue retratar como a ineficiência do governo acaba refletindo na população, tendo efeitos inequívocos nos jovens e em sua formação. Em um filme que retrata o passado, ele acaba dialogando com o presente.
Espirituoso e atual, O Anjo Ferido é delicado e profundo em sua abordagem, sabendo a hora também de brincar, como prova no último capítulo. A principal virtude, talvez, seja o fato de ser uma película que conta histórias de pessoas comuns. Conforme Viola Davis em seu discurso de agradecimento pelo prêmio de melhor atriz coadjuvante no SAG Awards deste ano, pelo papel em Um Limite Entre Nós, nem sempre é necessário mover o mundo ou praticar um ato que vá entrar nos livros de história para dar vida a um filme; só o fato de estarmos vivos significa que temos uma história que merece ser contada. É a celebração do povo comum. E O Anjo Ferido se resume a isto: uma narrativa sobre gente como a gente, ainda que nada extraordinário aconteça com elas.
A LINHA
(Nima / Thread)
Grécia, 2016 – 94 min
Drama / Ficção
Direção e Roteiro:
Alexander Voulgaris (The Boy)
Elenco:
Sofia Kokkali
O ANJO FERIDO
(Ranenyy Angel / The Wounded Angel)
Cazaquistão, 2016 – 112 min
Drama
Direção e Roteiro:
Emir Baigazin
Elenco:
Omar Adilov, Timur Aidarbekov, Madiyar Aripbay
Por Rodrigo Ramos