Clarisse ou Alguma Coisa Sobre Nós Dois | Crítica

Obra é experimental em sua essência e extremamente pessoal.

clarice-ou-alguma-coisa-sobre-nos-doisClarisse ou Alguma Coisa Sobre Nós Dois é uma obra que não hesita em evocar em sua primeira cena todo o formato narrativo que vai ser adotado. O extenso e silencioso plano que marca a abertura filme, apresenta um cenário rochoso, utilizado para extração de pedras. Tal conceito é justificado em sua existência na deturpação do silêncio após uma fração de minutos por uma explosão devastadora que destrói toda harmonia que o lugar evocava.  Curiosamente, nesse instante o diretor entrega ao espectador tudo que o mesmo deve aguardar da história.

O terceiro filme de Petrus Cariry é uma obra que dificilmente seria feita por um diretor inexperiente, pois demonstra extrema segurança na abordagem experimental cinematográfica, fugindo quase totalmente de uma experiência verborrágica, apostando sempre no sensorial. O argumento é consideravelmente simples, e narra a história de Clarisse visitando seu pai doente. O ponto principal da narrativa é o estado mental da protagonista, antes e durante esse encontro, e o terror se constrói nos conflitos da mesma com o passado. Importante frisar que a obra funciona muito mais como um estudo de forma, do que necessariamente de conteúdo. A figura melancólica da personagem reflete o universo que a entorna, ambiente moldado em pura claustrofobia — evidenciada sempre pela iluminação que cria total distanciamento dos personagens na mis-èn-scene, até quando dividem o mesmo cômodo.

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Forma é a palavra chave para compreender, e até mesmo apreciar o filme. O roteiro é uma peça minimalista na narrativa. Toda a história é contada no trabalho de fotografia — dirigida também por Petrus Cariry — e trilha sonora. Troca-se o diálogo excessivo por momentos de contemplação apática ao sofrimento da personagem. O trabalho de som do filme é impecável, tanto na mixagem de som, quanto na trilha sonora,  dois aspectos centrais para a criação do horror no filme. Trilha sonora que viaja de música erudita — os fãs de Lars Von Trier vão notar muitas homenagens ao estilo que o diretor adotou nos três últimos longas, inclusive uma cena soa como uma referência direta a Melancolia — até batidas desconexas explicitando toda agonia da personagem.

O trabalho de fotografia de Petrus Cariry é possivelmente a maior qualidade do longa. Criando distanciamento com planos fechados que trancafiam os personagens nos curtos diálogos, e mesmo com proximidade geográfica, soam distantes em cena.  Acertando  também nos planos abertos que evidenciam a apatia da personagem em relação ao universo que a rodeia.

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A maior proeza do filme é justamente o uso eficiente dos recursos linguísticos cinematográficos, não fazendo nada soar como superficial ou desnecessário em tela. Tal proeza, infelizmente, às vezes é contrariada com inserções esporádicas de narrativas em off, que contradizem o estilo proposto do filme. Tais textos não são mal escritos, porém acabam desperdiçando eficiência que a fórmula alcança. Afinal, em um filme sobre um presente apático em função da falta de comunicação com próprio universo, a forma de protesto mais coerente seria o próprio silêncio.

Sabrina Greve esbanja competência em criar sua personagem de forma contida. O estranhamento que a mesma evidência perante sua própria vida — demonstrado na sua primeira aparição no longa, em que  aparece vitimizada por sua condição de estagnação em uma cena de sexo — é uma construção eficaz. Sua tristeza nunca é demonstrada por lágrimas, ou reclamações, pois é desnecessário quando considera-se sua linguagem corporal que explode em uma hesitação constante e pura desesperança. Everaldo Pontes interpreta Samuel, o pai da protagonista, destruído por uma enfermidade que é mera analogia visual para as feridas sentimentais que o destroem. Samuel procurou estabilidade por sua vida inteira, mas no fim é incapaz de tomar um banho sozinho.

É reducionismo tentar colocar Clarisse ou Alguma Coisa Sobre Nós Dois em um gênero. Horror psicológico soa vago considerando a obra em um todo, a história narra apatia e busca desesperada por sentido e libertação. O silêncio constante é a expectativa pela explosão que marca o início do filme — criando lógica para rima visual apenas no desfecho do longa, deixando o último ato como a melhor parte do filme — , que é desenvolvido de maneira estranha, mas ainda assim coerente em função do bom uso da estética cinematográfica.  Experimental em sua essência, e extremamente pessoal, o filme é uma experiência que é destinada a dividir sensações únicas em cada pessoa que ousar apreciar a obra. É um exemplar diferente do cinema nacional, e mostra o futuro promissor que o Brasil vivenciará na sétima arte.

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Clarisse ou Alguma Coisa Sobre Nós Dois
Brasil, 2015 – 85 min
Drama | Terror

Direção:
Petrus Cariry
Roteiro:
Rosemberg Cariry, Firmino Holanda, Petrus Cariry
Elenco:
Sabrina Greve, Everaldo Pontes, Verônica Cavalcanti, David Wendefilm

4 STARS

Por Fellipe José Souza

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