‘Vizinhos 2’ é um dos filmes mais feministas do ano

Comédia torna-se relevante com suas ideias em meio a discussões sobre violência contra a mulher e estupro nos EUA e no Brasil.

Neighbors 2 Sorority Rising posterVizinhos 2 poderia facilmente passar batido como mais um filme clichê do gênero besteirol norte-americano, já que seu antecessor aspirava disso. Contudo, o longa-metragem dirigido por Nicholas Stoller (diretor de Vizinhos, Ressaca de Amor, e roteirista de Os Muppets e Sim Senhor) apresenta ideias bastante maduras dentro de uma comédia da qual não se espera nada além de risadas e uma trama esquecível.

A trama se dá início quando Shelby (Chloë Grace Moretz) entra na faculdade e está à procura de uma sororidade para fazer parte. A garota não tinha amigas na época do colégio, então ela quer corrigir esse problema. Quando vai se inscrever na Phi Lamda, presidida pela personagem vivida por Selena Gomez, ela descobre que a sororidade não tem os mesmos direitos que as irmandades dos homens. O principal diferencial é que eles podem fazer festas, mas elas não, de acordo com as regras da própria universidade.

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Num primeiro momento, Shelby tenta se enquadrar nessa imposição e topa ir numa festa feita por uma irmandade masculina. Quando chega ao local, ela percebe que o ambiente é extremamente sexista, criado com um único propósito: fazer sexo. Há placas indicando os quartos, bebidas batizadas e vários homens dispostos a fazer de tudo para conseguir alguém pra transar. Em suma, as mulheres não são respeitadas. Pelo contrário, são apenas objetificadas. Inconformada, ela consegue reunir outras duas garotas, que se tornam amigas dela, para criar uma nova fraternidade, na qual elas farão festas, independente do que dizem as normas da universidade.

No meio disso, a trama do filme é levada aos protagonistas do longa original. Mac (Seth Rogen) e Kelly (Rose Byrne) estão à espera da segunda filha e pretendem vender a sua casa. Com uma nova residência já comprada, eles conseguem vender o imóvel antigo, mas tem um porém. Os compradores terão 30 dias para decidir se ficarão, de fato, com a casa, tendo ainda que passar por algumas vistorias. Ou seja, o casal protagonista precisa que tudo transcorra com tranquilidade. O problema, para eles, é que a irmandade de Shelby tem como sede a residência ao lado da deles e aí surge a guerra entre os dois grupos. A disputa é o que dá o toque mais divertido ao filme e as situações cômicas funcionam melhor do que no antecessor, principalmente por saber equilibrar piadas com os princípios feministas. O comentário sobre a diferença que é ter uma filha e não um filho, como a primeira experiência sexual dela, é pontual, assim como a expressão “bros before hoes” (amigos antes das vadias) já não é mais vista com naturalidade — pelo contrário, é censurada pelo personagem de Zac Efron quando outro personagem masculino a diz.

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A irmandade pode, num primeiro momento, parecer apenas lutar por poder fazer festa, mas não é apenas isso que ocorre. O ambiente fundado por Shelby transforma a residência em um lugar seguro, onde aquelas mulheres podem se sentir livres e seguras. Fazem festa se quiserem, ficam o dia inteiro assistindo filmes de romance na TV enquanto comem pipoca e choram, usam a roupa que estiverem a fim e que esteja de acordo com suas identidades. Não existe ali as obrigações impostas pela sociedade machista.

Em determinado momento da trama, Kelly intervém numa discussão do trio de amigas. Por mais que pareça boba a conversa, aquela cena é importante para ressaltar a relevância de as mulheres se manterem juntas e não virarem as costas umas às outras. É a sororidade em sua mais pura forma.

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Ainda que venha de forma divertida e bem humorada, a mensagem aqui é relevante. Isto porque nos Estados Unidos há alarmantes registros de abuso sexual em universidades, especialmente nas festas de fraternidade. Em 2015, o documentário The Hunting Ground, indicado ao Oscar de melhor canção pela faixa “Till it Happens to You”, trouxe à tona números preocupantes em relação ao tema. De acordo com uma pesquisa publicada em 2015 no jornal The Washington Post, 20% das mulheres que frequentaram universidades estadunidenses nos últimos quatro anos foram abusadas sexualmente. Também em 2015, um estudo da Associação das Universidades Americanas (Association of American Universities), com 150 mil estudantes de 27 faculdades e universidades dos EUA, concluiu que 27,2% das estudantes já tiveram experiências com algum tipo de contato sexual contra sua vontade desde que entraram na instituição de ensino.

Apesar de sediarem vários casos de abuso sexual, as instituições de ensino superior nos EUA não obtém êxito na condução das investigações dos casos relatados. De acordo com um relatório feito pelo Senado dos EUA, de 440 faculdades e universidades, mais de 40% delas não conduziram uma investigação sequer de violência sexual nos últimos cinco anos. Segundo levantamento do Departamento de Justiça dos EUA, produzido em 2010, apenas 35% das vítimas de estupro reportam o crime à polícia no país.

Imagens: Universal Pictures.

Voluntária ou involuntariamente, o filme acaba tocando num tema que é pertinente. A pauta também acaba casando com dois casos de estupro coletivo registrados na semana passada, no Rio de Janeiro e no Piauí. No primeiro, uma garota de 16 anos foi estuprada por mais de 30 indivíduos, enquanto no segundo uma jovem de 17 anos foi violentada sexualmente por cinco homens. Independente do estilo de vida da pessoa, a roupa que veste, o meio onde vive, nada justifica uma violação desse tipo.

No Brasil, esse tipo de violência não é incomum e registra volume altíssimo de casos. Segundo o ‘Mapa da Violência – Homicídio de Mulheres’, com base nos dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificações (Sinan), do Ministério da Saúde, os atendimentos a mulheres vítimas de violência sexual, física ou psicológica em unidades do Sistema Único de Saúde (SUS) totalizam 147.691 registros por ano, uma média de uma agressão a cada quatro minutos.

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Em 2014, o ‘9º Anuário Brasileiro de Segurança Pública’ registrou 47.600 vítimas de estupro no Brasil, uma média de um ato desse crime a cada 11 minutos, mas a proporção pode ser ainda maior, pois os números são baseados em casos registrados em boletins de ocorrência. Segundo o levantamento, 65% dos casos de estupro no país não são registrados. Já o estudo ‘Estupro no Brasil: uma radiografia segundo os dados da Saúde‘, do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), estima que 0,26% da população brasileira sofre violência sexual, totalizando 527 mil tentativas ou casos de estupros consumados no país anualmente, dos quais apenas 10% são reportados à polícia.

Para as mulheres, não há nenhum lugar seguro. Dentro de igrejas, em festas, entre familiares, qualquer um pode ser um agressor. O estuprador não tem cara. As mulheres só se sentem seguras quando estão entre si, e Vizinhos 2, sem necessariamente se pintar como militante de causas feministas, ilustra isso com perfeição. Cabe à sociedade mudar essa cultura do estupro, essa normalidade, esse medo involuntário que toda mulher tem só por ter nascido assim. Ninguém merece ser violado. Não significa não. E Vizinhos 2, quem diria, passa essa lição. Se um besteirol americano pode ensinar algo que deveria ser óbvio, não pode ser tão difícil que o ser humano compreenda.

Imagens: Universal Pictures.
Imagens: Universal Pictures.

Neighbors 2: Sorority Rising
EUA – 92 min
Comédia

Direção:
Nicholas Stoller
Roteiro:
Andrew Jay Cohen, Brendan O’Brien, Nicholas Stoller, Evan Goldberg, Seth Rogen
Elenco:
Seth Rogen, Zac Efron, Rose Byrne, Chloë Grace Moretz, Ike Barinholtz, Kiersey Clemons, Dave Franco, Jerrod Carmichael, Christopher Mintz-Plasse, Beanie Feldstein, Selena Gomez, Lisa Kudrow, Hannibal Buress, Abbi Jacobson

4 STARS

Por Rodrigo Ramos

 

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