Jogos Vorazes: A Esperança – O Final | Crítica

Filme não se prende tanto a política, dá mais espaço para o romance e quase põe tudo a perder na franquia 

Jogos Vorazes A Esperança O Final pôsterJogos Vorazes sempre fora sobre política, questões sociais, poder da propaganda e assim por diante. Nunca fora sobre romance. O desenvolvimento dos personagens se mantiveram durante três filmes acima de qualquer relacionamento amoroso. Eis a minha surpresa quando chego ao cinema para assistir a última parte da franquia e me deparo com a disputa entre #TeamGale e #TeamPeeta.

Voltamos ao (nem tão) velho (assim) problema de dividir o último livro de uma franquia em dois filmes para dobrar o saldo dos estúdios nas bilheterias mundiais. Se isso funcionou em Harry Potter (apesar de haver controvérsias), pois As Relíquias da Morte realmente tinha conteúdo pra tal, o mesmo não se pode dizer, por exemplo, de A Saga Crepúsculo: Amanhecer, e menos ainda da trilogia O Hobbit, que teve a proeza de transformar uma obra de cerca de 300 páginas em três filmes, que somados totalizam 474 minutos – o próprio diretor, Peter Jackson, confessou recentemente que não sabia muito bem o que estava fazendo no set. Como era de se esperar, a sensação que fica é a de que um longa-metragem de três horas resolveria com sobra o arco narrado em A Esperança: Parte 1 e O Final (é sério, tradutores brasileiros?).

Jogos Vorazes: A Esperança - O Final 04

A Esperança: Parte 1 chegou a ser criticado por “não acontecer nada”, porém enxergo o longa como um preparador de terreno, bem mais político, psicológico e esperto do que é essa segunda parte. Como o falatório no anterior predominava, sobrou ação demais na sequência e história de menos. Fica um vácuo de narrativa, sobrando apenas o desejo de Katniss Everdeen (Jennifer Lawrence) dar a louca e ir atrás do Presidente Snow (Donald Sutherland). Enquanto isso, os rebeldes estão cada vez mais próximos de tomar a Capital e o ditador anseia mais e mais pelo pescoço da garota em chamas. Basicamente, é a mesma história do anterior, só que a construção ficou toda no antecessor.

Por conta dessa lacuna, há mais espaço para ação. E ela não decepciona. No caminho para a Capital, existem várias armadilhas e o cenário se torna uma espécie de nova edição dos jogos vorazes, em uma escala maior e tão letal quanto. Há tensão, há comoção, há adrenalina. Quanto a isso, o filme não falha. Mas para mais de duas horas de metragem, tem que ter mais recheio nessa receita aí. Então, por algum motivo, a produção da película achou que deveria tentar catapultar o romance para primeiro plano – e é aí que o longa sofre sua maior queda. Como disse no início deste texto, Jogos Vorazes, diferente de outras franquias como Crepúsculo, não é sobre ter dois caras disputando uma garota sem sal, da qual só será feliz ao lado de um deles. Não. Só não. Katniss é uma pessoa que quer salvar o seu. Tudo se deu início quando ela quis poupar a vida da sua irmã e o resto é história. Ela nunca se decidiu entre o banana do Gale (Liam Hemsworth) e o padeiro Peeta (Josh Hutcherson) pelo simples fato de que ela tinha coisas mais importantes para lidar: salvar a pele da família, a própria, e meio que liderar — mesmo sem querer — uma revolução contra o governo ditatorial em vigência. Além, é claro, de se culpar por várias pessoas terem morrido por causa dela, sendo que Katniss nunca quis nada disso desde o princípio.

Jogos Vorazes A Esperança O Final 01

Entendam: Jogos Vorazes não é uma história de romance! Esse é um elemento que está inserido dentro da narrativa, mas que nunca toma as rédeas dela porque o seu lugar é em segundo ou terceiro plano na franquia, já que há problemas de verdade para a protagonista lidar. Porém, em Jogos Vorazes: A Esperança – O Final, forçam a barra. O diálogo entre Gale e Peeta sobre quem vai ficar com a garota não é correspondente ao que a franquia vinha pregando até então. Simplesmente não combina tratar Katniss, de um minuto pro outro, como a Bella Swan de Crepúsculo, indefesa e sem personalidade para tomar decisões. Katniss é o oposto disso e, ao longo da película, ela vai nos relembrando como é capaz de trilhar o caminho que escolheu e não aquele que a indicaram. Infelizmente, o desfecho da franquia, nos cinco minutos finais, cai justamente nessa besteira de dividir a torcida entre #TeamGale e #TeamPeeta, como se isso fosse o que importasse no fim das contas. Isso faz mal ao conjunto da obra e tira o peso das discussões pertinentes e atuais que a franquia traz consigo.

Por fim, a conclusão da batalha entre os rebeldes e a Capital chega a ser devastadora. Novamente, somos jogados para uma realidade que faz nos conectarmos com fatos reais. Em um dos primeiros momentos da película, Gale quer bombardear o Distrito 2 e fechar todas as saídas do local, matando não só os apoiadores de Snow, como também os inocentes. Para ele, é uma atitude justificável. Em sua ótica, os cidadãos que vivem ali, se não apoiam Snow, ainda assim são culpados por viverem entre aqueles que suportam o ditador. Ou seja, são casualidades que valem a pena, já que não pensaram duas vezes quando desolaram o Distrito 12. Katniss consegue enxergar o absurdo nisso. Para ela, a regra do olho por olho e dente por dente não deveria se aplicar.

Jogos Vorazes A Esperança O Final 02

Enquanto assistia ao filme, esse momento me remeteu imediatamente à situação vivida pela França na sexta-feira passada (13 de novembro). O atentato terrorista matou mais de 120 pessoas e chocou o mundo. Violência gratuita, movida por uma crença estúpida. O país europeu pediu paz. O globo terrestre se comoveu. Mas como foi a resposta dos franceses? Atacar o Estado Islâmico, em especial a Síria. Vale lembrar que os sírios não são em sua totalidade terroristas, homens-bombas e religiosos extremistas. Nos vários ataques aéreos ocorridos nesta última semana, protagonizados pela França e pela Rússia, não foram atingidos somente aqueles culpados pelas mortes em Paris, mas também pessoas inocentes que não tinham nenhuma conexão com os atentados. Porém, tiveram o azar de terem nascido na Síria, um país onde o governo é o maior causador de morte de civis, tendo matado 7.894 pessoas só entre janeiro e julho deste ano. Os próprios EUA são exemplos de como a guerra contra o terrorismo não teve sucesso algum. Infelizmente, há dificuldade em se obter informações do número de mortes ocorridas na Síria desde o início dos bombardeios, mas já há relatos de casualidades durante os ataques.

Esse é um exemplo de como o filme, apesar de ser um blockbuster, consegue dialogar com um público jovem trazendo temas delicados e urgentes como o da guerra, do controle, da manipulação, da sociedade como um todo, fazendo uma ponte com a realidade. Seria bem mais proveitoso se, assim como nos anteriores, a preocupação fosse mais em explorar essa vertente e não tentar deturpar o espírito de toda a franquia ao dar mais espaço para o romance e criando um desfecho a la princesas da Disney. Porém, há muito o que ser celebrado na franquia, inclusive o fato de ter servido como faísca para termos mais heroínas femininas nas telonas.

Jogos Vorazes A Esperança O Final 03

The Hunger Games: Mockingjay – Part 2
EUA, 2015 – 137 min
Ação

Direção:
Francis Lawrence
Roteiro:
Peter Craig, Danny Strong
Elenco:
Jennifer Lawrence, Josh Hutcherson, Liam Hemsworth, Woody Harrelson, Elizabeth Banks, Julianne Moore, Philip Seymour Hoffman, Jeffrey Wright, Stanley Tucci, Donald Sutherland, Sam Clafin, Jena Malone, Natalie Dormer, Mahershala Ali, Willow Shields, Paula Malcomson, Michelle Forbes, Gwendoline Christie

3.5 STARS

Por Rodrigo Ramos

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