Debate presidencial, novelas, séries, religião e homossexualidade
Por Rodrigo Ramos
No primeiro debate dos presidenciáveis, o candidato Everaldo, que por ventura vem a ser um pastor, disse, dentre tantas frases, que “o cristão é um tolerante […] não descriminamos ninguém” e ele, no caso, vai “tratar todos os brasileiros igualmente”. No entanto, no final de seu discurso, o candidato se contradiz ao defender a família brasileira da forma que ela é hoje – homem e mulher, com filhos.
O discurso preconceituoso e com ideais de mais de dois mil anos atrás é só uma amostra de como o Brasil tem muito ainda a evoluir. Os candidatos estão preocupados em defender “o cidadão de bem”, “a família brasileira”, “os bons costumes”, pregando ideais arcaicos e fechando os olhos para a realidade populacional. Fechar a janela para debates como o aborto e casamento entre pessoas do mesmo sexo é praticar a velha política, algo que os candidatos tentam fugir como diabo foge da cruz.
Talvez o posicionamento deles em relação a tais assuntos seja realmente o reflexo de boa parte da população brasileira. Prova disso são os comentários que tenho ouvido recentemente, que logo mais comentarei.
A Rede Globo finalmente percebeu que os homossexuais fazem parte da nação e tem procurado inserir personagens que gostam de pessoas do próprio gênero. Se antes existiam apenas os gays cheios de clichês e extremamente afetados como Crô (interpretado por Marcelo Serrado no cinema e na novela Fina Estampa), a “bicha má” Félix (Mateus Solano, em Amor à Vida) conquistou o país, passando de vilão para mocinho na novela. Na última novela das 9, Em Família, tínhamos o casal formado por Giovanna Antonelli e Tainá Müller, e agora temos diversos personagens homossexuais em Império. Isso é reflexo da presença significativa deles na sociedade. Os heteros sempre tiveram vez. Os pobres, os ricos, os brancos, os negros. Agora é a hora dos gays. Demorou, mas finalmente ponto positivo para a Globo.
O que me espanta não é a demora da emissora de perceber que havia “demanda” pra isso. O que me deixa incrédulo são os comentários sobre. Uns dizem que é ok ter gays na novela, mas que não precisa mostrar eles se beijando, que isso é uma afronta os bons costumes. Outros reclamam que estão forçando a barra por ter tanto gay na TV, não precisa disso, afinal de contas se temos 100 personagens na novela, é realmente pegar pesado com os telespectadores ter menos de 10% homossexuais, tinha que ter menos, nenhum de preferência. Ou no máximo uma bichinha engraçadinha e estereotipada como estamos acostumados há décadas. Quando a consagrada Fernanda Montenegro foi anunciada para interpretar um papel em que seria uma idosa gay, a internet veio abaixo com comentários ofensivos.
Lamentável que a TV brasileira tenha levado tanto tempo para incorporar de vez a população homossexual e mais ainda que tantos não consigam respeitar que eles são parte da nossa realidade. Nos EUA, por exemplo, existem os conservadores, é claro, mas há programas por lá que provam que existe uma aceitação maior dos telespectadores. Em exemplos recentes, temos Modern Family, vencedor cinco vezes do maior prêmio da TV americana, há seis anos no ar com um casal de gays dentre os protagonistas, com uma filha adotiva desde o primeiro episódio e recém-casados na última temporada exibida. Orange is the New Black, série fenômeno do serviço de streaming Netflix, traz mulheres de todos os tipos, cores, raças, estilos e orientação sexual. O público vem aceitando muitíssimo bem, sendo esta uma das séries mais aclamadas pela crítica e público dos últimos anos.
Até onde pude perceber em meus 23 anos de vida, ser gay não é desqualificação nenhuma. Sou jornalista e frequentei o bloco de comunicação da Univali (Itajaí/SC) conhecido por sua diversidade, durante três anos e meio. Fiz várias amizades e contatos profissionais com gente de grande caráter. E muitos deles são homossexuais. Certamente não porque escolheram ser, pois diante de uma sociedade, em geral, homofóbica (e pior ainda: homofóbicos enrustidos), seria mais “fácil” ser heterossexual. O fato de amarem pessoas do mesmo sexo não muda em nada quem são como ser humano.
Os religiosos, independente se são católicos ou evangélicos, pregam o amor de Cristo, que todos somos irmãos, que somos iguais. Porém, os gays não. É pecado. Os homossexuais podem se amar vai, mas desde que seja escondido. Dar as mãos, trocar uma singela bitoquinha em público, é uma afronta. “O que vou dizer pra minha filha pequena se ela ver isso?”. Explica, ué. Duas pessoas que se amam e demonstram afeto. “Ah, mas e os bons costumes?”. Sim, se seu filho ver dois homens dando as mãos, quer dizer que um vírus gay irá afetá-lo, como uma doença? Não é através do exemplo que alguém se torna gay – até porque o verbo “tornar” talvez não seja o correto, e sim o “descobrir”. Por essa lógica, não haveria o número de homossexuais que existem hoje – que nascem dentro das famílias mais rígidas quanto as mais liberais, com ou sem exemplos dentro delas.
A tempo: vale ressaltar que demonstrar afeto em público é uma coisa e se agarrar como se estivesse num quarto de motel é falta de respeito tanto por parte dos heteros quanto dos homossexuais.
Posso estar bem enganado aqui, já que a Bíblia não está na minha área de conhecimento, mas até onde sei o que Jesus pregava era o amor ao próximo e o perdão. Ele não diferenciava ninguém por sua sexualidade, cor ou credo. Infelizmente, a intolerância com os homossexuais é enorme por parte de muitos religiosos – e até mesmo aqueles que nem sequer seguem dogmas. Não, os gays não querem ser mais do que ninguém. Eles querem apenas ter o mesmo direito que eu, um heterossexual, tenho. Poder amar e ser amado sem ser discriminado por ser quem é. Ao menos, os que conheço almejam isso e não ter direitos a mais do que os demais. Acredito que dois milênios e quase duas décadas é tempo o suficiente para dar uma renovada nos seus ideais. Vamos dar uma atualizada nesse sistema. Que tal?
Perfeito, parabéns pelo texto.