Melhores Filmes de 2020

Retrato de Uma Jovem em Chamas, Adoráveis Mulheres e Destacamento Blood estão entre os melhores do ano.

O ano do preto e branco. O ano dos documentários. O ano das pautas sociais. O ano das mulheres. Dois mil e vinte foi tudo isso e mais um pouco.

Nesta lista, nosso júri, composto por profissionais da área, jornalistas e adoradores da sétima arte, selecionou os 20 principais filmes de um ano tão emblemático como foi 2020. Esta relação engloba os lançamentos em circuito e streaming (não contando as exibições exclusivas em festivais) em território nacional entre 1º de janeiro e 31 de dezembro.

Confira abaixo nossas escolhas.

20. As Mortes de Dick Johnson (Dick Johnson is Dead, 2020)

Direção: Kirsten Johnson
Roteiro: Kirsten Johnson, Nels Bangerter

Partindo de uma ideia absurda e comovente ao mesmo tempo (encenar as várias formas pelas quais o seu pai, um psiquiatra bem-humorado que está começando a sentir o peso da idade, poderia morrer), Kirsten Johnson constrói uma das cartas de amor à vida mais transcendentais da memória recente.

As Mortes de Dick Johnson é um filme energizado por alegria indomável — suas cores, movimentos, delírios artísticos, e sua edição ágil, fazem com que ele passe como um sopro pela tela. É também impregnado da consciência trágica, onipresente, de que essa alegria vai acabar, e que mais e mais limites são colocados nela com o passar inexorável do tempo.

Johnson mostra que sua arte profundamente pessoal é também apoiada em tremendo conhecimento técnico e narrativo, equilibrando um filme que dá espaço para o seu astro (o irresistível Dick Johnson do título) brilhar tanto quanto poda o seu registro da realidade para criar uma narrativa comovente, declamada em um tom único de tributo, lamentação, brincadeira e terapia. — Caio Coletti

19. Sertânia (2019)

Direção & Roteiro: Geraldo Sarno
Elenco: Vertin Moura, Júlio Adrião, Edgard Navarro, Kecia Prado, Lourinelson Vladmir, Sara Galvão, Igor de Carvalho

“A originalidade consiste em voltar à origem”. – Antonio Gaudí

Os incêndios brasileiros formam uma grande explosão. Uma explosão de um Sertão. De uma força. De um cinema. De um Brasil. Gigante em todos os sentidos. Como experimento visual, como filme de faroeste, de cangaço, como estudo de personagem. O filme de 2020 que mais me fascinou, me emocionou, me hipnotizou, o filme que eu mais respeitei e até o filme que eu mais me diverti. O filme que se eu tivesse visto em uma sessão em um cinema eu aplaudiria de pé. O filme mais completo. — Diego Quaglia

18. Jojo Rabbit (2019)

Direção: Taika Waititi
Roteiro: Taika Waititi, Christine Leunens
Elenco: Roman Griffin Davis, Thomasin McKenzie, Taika Waititi, Scarlett Johansson, Rebel Wilson, Stephen Merchant, Alfie Allen, Sam Rockwell, Archie Yates

Fazer uma comédia sobre nazismo, com Hitler engraçadinho em cena, tinha tudo pra dar errado. Imagine só a linha tênue de se criar uma obra dessa sem soar completamente ofensivo e fora do tom? Taika Waititi consegue superar isso num filme que fala, acima de tudo, sobre a força da empatia. É uma sacada e tanto usar a perspectiva de uma criança, que é posta para odiar sem sequer refletir ou ter conhecimento de causa, desde pequeno, para mostrar os danos do preconceito e do ódio, mas como é possível derrubar os pré-conceitos tendo contato direto com a ameaça fantasma. Em menor escala, nota-se os discursos de ódio de governantes e seus seguidores respaldados na ignorância e aversão ao diferente, o que inevitavelmente sente-se refletido no filme, inclusive nas histórias absurdas fabricadas. Jojo Rabbit, no fim, é uma fábula otimista sobre a humanidade. Quem diria. — Rodrigo Ramos

17. Honeyland (2019)

Direção & Roteiro: Tamara Kotevska, Ljubomir Stefanov

A narrativa desenrolada em Honeyland é tão precisa que parece roteirizada. No entanto, os diretores do documentário tiveram apenas a “sorte” (digo isso com muitas ressalvas, dadas as circunstâncias dos acontecimentos) de se deparar com uma história digna de ficção, mas que é a vida real de uma criadora de abelhas na Macedônia, que precisa lidar com os impactos dos seres humanos (mais especificamente, os novos vizinhos, que colocam o modo de vida da protagonista a perder) e suas desvirtudes, como o egoísmo, a ganância, a falta de empatia e o desprezo pela natureza. A tragédia é filmada com maestria e rende imagens belas e únicas, o que contribui para que visualmente seja memorável. Tão importante e potente quanto é história aqui documentada. — Rodrigo Ramos

16. Aves de Rapina: Arlequina e sua Emancipação Fantabulosa (Birds of Prey: And the Fantabulous Emancipation of One Harley Quinn, 2020)

Direção: Cathy Yan
Roteiro: Christina Hodson
Elenco: Margot Robbie, Mary Elizabeth Winstead, Jurnee Smollett-Bell, Rosie Perez, Chris Messina, Ella Jay Basco, Ali Wong, Ewan McGregor

Os fãs de quadrinho deveriam agradecer todo dia pelo fracasso do universo soturno e com paletas acinzentadas da DC nos cinemas. Graças a isso tivemos a oportunidade de ver algo bastante incomum em Hollywood: um filme comandando, do roteiro ao elenco principal, por mulheres. E mais um detalhe: alto orçamento. Ser idealizado por mulheres faz toda a diferença na hora da execução do filme, incluindo as escolhas de figurino, enquadramentos e texto.

Pode não ter sido um estouro nas bilheterias por N fatores, mas a verdade é que Aves de Rapina merecia muito mais do público. Em muitos sentidos, ele subverte o gênero, mas não demonstra qualquer tipo de pretensão. A película é um caso raro de liberdade criativa, desapego pela narrativa grandiosa, sem vilões querendo destruir o planeta, e nenhum compromisso em querer ser mais do que é: uma diversão pipoca de qualidade.

Destaque ainda para Margot Robbie, nascida para interpretar a personagem, e as ótimas cenas de ação mano a mano, em especial a sequência no parque de diversão. Uma pena que nunca teremos uma sequência. — Rodrigo Ramos

15. A Voz Suprema do Blues (Ma Rainey’s Black Bottom, 2020)

Direção: George C. Wolfe
Roteiro: Ruben Santiago-Hudson
Elenco: Viola Davis, Chadwick Boseman, Glynn Turman, Colman Domingo, Michael Potts, Jeremy Shamos, Jonny Coyne, Taylour Paige, Dusan Brown

Ma Rainey é considerada a mãe do blues e ainda assim parece ser diluída nesta adaptação da peça teatral de August Wilson, que acaba dando mais espaço para a figura fictícia do trompetista vivido aqui por Chadwick Boseman. Particularmente, gostaria de saber mais sobre Ma, especialmente para termos mais oportunidades de vermos Viola Davis brilhar — o que não acontece tanto aqui, haja visto que o trabalho de dublagem das performances musicais não é dos melhores. Ainda assim, o filme certamente tem suas virtudes — senão não estaria nesta lista, não é?

Respaldado principalmente em conversas sobre o local dos negros numa sociedade que, em suma, os despreza e apenas os usa, o filme faz uma ponte para discussões que estamos tendo que ter ainda hoje, um século depois. Era de se esperar que a humanidade tivesse evoluído mais, mas a mudança está levando mais tempo do que o esperado e do que seria aceitável.

A direção não é muito inspirada e tampouco se preocupa em criar uma atmosfera mais cinematográfica do que teatral. Ainda assim, a película se abraça no texto e no elenco afiado, em especial no agora finado Chadwick Boseman, definitivamente o ponto mais alto do longa-metragem, numa performance deveras memorável e transformadora. — Rodrigo Ramos

14. O Farol (The Lighthouse, 2019)

Direção: Robert Eggers
Roteiro: Robert Eggers, Max Eggers
Elenco: Robert Pattinson, Willem Dafoe

Quando Robert Eggers veio ao mundo com A Bruxa, ninguém esperava por um filme tão único em sua proposta. Mais que um horror tradicional, o longa de estreia do diretor incomodava por seu formalismo intrincado, pela vasta pesquisa histórica e pela sensação de que estávamos, a todo tempo, vendo algo cruel demais. Em 2019, ele fez seu retorno com O Farol (que só chegou aos cinemas brasileiros no início de 2020), filme protagonizado por Robert Pattinson e Willem Dafoe como dois homens presos em uma ilha, que precisam tomar conta de um farol. E o que começa como um serviço tedioso e monótono logo desce pelas espirais da loucura enquanto as personalidades dos dois homens entram em conflito.

Ambientado no final do Século XIX, O Farol retorna todo o preciosismo técnico de Eggers, mas seria uma experiência enfadonha não fossem as interpretações de Pattinson e Dafoe. A dinâmica entre os dois bombeia o sangue do filme, que além de muito bonito esteticamente, oferece várias leituras interpretativas, desde a crítica à masculinidade a uma nova versão do mito de Prometeu. E para fãs do horror cósmico, o filme ainda deixa simbologias e pistas para acontecimentos ainda mais tenebrosos. Um exercício de paciência e de claustrofobia, é um dos grandes filmes de horror da década passada, provando que Eggers não foi um diretor com um único sucesso no repertório. — Gustavo Fiaux

13. A Despedida (The Farewell, 2019)

Direção & Roteiro: Lulu Wang
Elenco: Awkwafina, Shuzhen Zhao, X Mayo, Lu Hong, Lin Hong, Tzi Ma, Diana Lin, Yang Xuejian

É usual ouvir, de filmes como A Despedida, que são “pequenas pedras preciosas”, “longas cuja simplicidade e sinceridade conquistam o espectador”. Mas é difícil ler esses como elogios genuínos, quando na realidade eles apagam o pensamento, a consideração, a arte que é colocada em cada escolha cinematográfica de artistas como Lulu Wang.

Porque, não, A Despedida não é um filme simples. Da trilha sonora melodramática (de Alex Weston) ao design de produção vibrante, sempre ligeiramente fora do eixo da normalidade (assinado por Yong Ok Lee), o filme transborda em especificidade. No script, Wang articula emoções complexas e conflitos culturais com rastros milenares de maneira genial, extrapolando seus personagens como símbolos das culturas que representam sem esquecer dos arcos únicos em que eles estão inseridos.

O impacto de A Despedida, o motivo pelo qual ele fica reverberando na cabeça e no coração do espectador por tanto tempo depois depois da primeira sessão, não é sua simplicidade: é, justamente, tudo o que ele tem de mais complicado, insondável e sublime. — Caio Coletti

12. Joias Brutas (Uncut Gems, 2019)

Direção: Josh Safdie, Benny Safdie
Roteiro: Ronald Bronstein, Josh Safdie, Benny Safdie
Elenco: Adam Sandler, Julia Fox, Idina Menzel, Lakeith Stanfield, Kevin Garnett, Eric Bogosian, Judd Hirsch, Abel Tesfaye, Tilda Swinton, Pom Klementieff

Josh e Benny Safdie foram alguns dos cineastas mais interessantes de se acompanhar nesta última década e, conforme ganham notoriedade, também passam a desenvolver projetos mais ambiciosos. A grandiosidade a que, não somente aspira, mas corresponde Joias Brutas é uma prova cabal de como os irmãos são, hoje, tão relevantes para o cinema norte-americano. E é importante ressaltar o trabalho deles porque o controle sobre o filme é absoluto, cada momento é minimamente controlado e calculado por eles, e a crueza com a qual filmam entrecorta a tela para nos atingir como um choque de realidade que a todo momento nos deixa um pouco mais no limite. E é um filme que está sempre no limite, uma aposta arriscada atrás da outra, e a naturalidade com a qual os Safdie estabelecem cada novo elemento e reviravolta em Joias Brutas perpassam com tal fluidez que tornam a experiência de assistir ao filme numa espiral de ansiedade que, por mais que tenha um destino óbvio, não deixa de perder força. E essa Nova York do filme é populada por personagens tão exuberantes, mas com atores tão inspirados que também apenas destacam a capacidade dos Safdie em retirar tanto de seus elencos. Adam Sandler corresponde a intensidade do filme em seu trabalho e, honestamente, talvez nunca tenhamos antes visto o ator melhor do que aqui, o grande trabalho de sua carreira em termos de atuação. E o melhor, ele parece estar se divertindo do início ao fim. Mas enquanto ele se diverte, para o público é um golpe duro e, possivelmente, também bem indigesto. Contudo, se há algum indicativo do transe alucinante em que se existe ao assistir Joias Brutas, este é a trilha sonora de Daniel Lopatin, e como tudo ali se completa com ela. Um filme tão caoticamente sensorial. Uma explosão feita de várias de outras explosões, incansável e imparável. Um infarto em forma de filme! — Renan Santos

11. O Hotel às Margens do Rio (Gangbyeon hotel, 2018)

Direção & Roteiro: Hong Sang-soo
Elenco: Ki Joo-bong, Kim Min-hee, Song Seon-mi, Kwon Hae-hyo, Yu Jun-sang, Shin Seok-ho

A finitude, seja enquanto morte ou ruptura de algo, é o mote central do filme O hotel às margens do rio (2018), sexta produção de Hong Sang-Soo. O longa-metragem é estruturado em duas histórias: a de um velho poeta (Ki Joo-bong) que convoca seus dois filhos, Kyung-soo (Kwon Hae-hyo) e Byung-soo (Yoo Joon-sang), para dizer que sente a proximidade da morte; e a da jovem Sang-hee (Kim Min-hee) que acabara de terminar um relacionamento com um amante e que recebe o apoio de sua amiga, Yeon-joo (Song Seon-mi). As narrativas se entrecruzam no hotel onde ambos se encontram hospedados, quando em alguns momentos o poeta interage com as garotas. Todo o filme é composto por planos-sequências e planos longos de pouca movimentação e muitos diálogos. Neste sentido, parece encarnar a concepção baziniana do realismo cinematográfico, orientado pelo uso das técnicas do plano-sequência e da profundidade de campo, oferecendo ao olhar do espectador a liberdade de “perscrutar o real em sua pulsante e contraditória imanência”. Neste filme, as duas técnicas se fazem presente justamente para instigar a contemplação das singularidades e complexidades do mundo diante dos nossos olhos. Com uma aparente simplicidade das conversas, o que se percebe ao longo da obra é uma crescente revelação de experiências permeadas por dores e traumas. Destaque para a atuação de Ki Joo-bong (prêmio de melhor ator no 71º Festival Internacional de Locarno); e para a direção de câmera e de fotografia que emolduram, na forma de fotogramas, verdadeiras pinturas como por exemplo a caminhada das jovens pela neve. — Marina da Costa Campos

10. Babenco – Alguém Tem que Ouvir o Coração e Dizer: Parou (2019)

Direção: Bárbara Paz
Roteiro: Maria Camargo, Bárbara Paz

Filmes nos quais o diretor tematiza a própria morte ou de entes muito próximos são um desafio à parte. Luís Ospina (Tudo começou pelo fim, 2015), Wim Wenders (Um filme para Nick, 1980) e Pola Weiss (segundo a lenda, a videoartista se suicidou em frente à câmera) são alguns exemplos de propostas que colocam o cineasta e o espectador no lugar incômodo de refletir sobre os medos e incertezas diante do que lhes é inevitável. Desta forma, cineasta e espectador também estabelecem um pacto de entrega e imersão em busca de encontrar o verdadeiro sentido da vida. Para Héctor Babenco, personagem principal do longa-metragem Babenco – alguém tem que ouvir o coração e dizer: parou, seu propósito foi o cinema. Como último desejo em vida, torna-se personagem de sua própria morte sob o olhar delicado e cuidadoso da companheira Bárbara Paz.

O filme traz uma costura de cenas do cineasta no hospital e em casa com trechos de suas obras cinematográficas; imagens de arquivo de sua infância na Argentina e da vida adulta no Brasil; e tomadas na praia e no mar. Assim conformam um tecido de memórias, fabulações e vivências de um percurso marcado pela constante presença da morte: aos 38 anos fora diagnosticado com câncer, mesma doença que enfrenta no momento de feitura do longa. Destaque para a direção de fotografia e montagem que conseguem captar e revelar o dialético jogo entre o desejo de vida e a difícil luta contra o próprio fim. — Marina da Costa Campos

9. O Que Ficou Para Trás (His House, 2020)

Direção: Remi Weekes
Roteiro: Remi Weekes, Toby Venables, Felicity Evans
Elenco: Sope Dirisu, Wunmi Mosaku, Matt Smith, Malaika Wakoli-Abigaba, Javier Botet, Emily Taafe

O terror é um gênero impregnado de comentários políticos e sociais. Utilizar dos recursos metafóricos do gênero é um dos grandes trunfos do filme O Que Ficou Para Trás. Se valendo dos Apeth, seres do folclore do Sudão, o filme traz um retrato impressionante da vida dos refugiados em países europeus. No caso do filme, mais especificamente do horror vivido por refugiados africanos dentro da Inglaterra.

Tudo isso poderia ser feito sem nenhum respeito, mas o filme consegue com que sua narrativa trate a cultura dos países africanos representados no filme com cuidado. E mais, o filme traz problemáticas importantes e muito atuais. O elenco é essencialmente negro e de ascendência africana, além de extremamente competente.

O Que Ficou Para Trás nos brinda com um filme de terror que foge de diversos clichês e estereótipos do gênero, com uma atmosfera de tensão constante que não se preocupa em sempre te dar susto, mas te deixa apreensivo praticamente o tempo inteiro. É um filme poderoso e impactante que mostra que existem medos que pessoas negras possuem que são maiores que fantasmas. — Carissa Vieira

8. O Homem Invisível (The Invisible Man, 2020)

Direção & Roteiro: Leigh Whannell
Elenco: Elisabeth Moss, Oliver Jackson-Cohen, Harriet Dyer, Aldis Hodge, Storm Reid, Michael Dorman

Após diversas tentativas fracassadas e risíveis de seguir o sucesso da Marvel e criar seu próprio universo compartilhado de monstros, a Universal finalmente teve o bom senso de delegar o trabalho a quem realmente sabe de horror. Nas mãos da Blumhouse, O Homem Invisível se prova um acerto espetacular, que não apenas atesta pelo talento de Leigh Whannell (que já havia presenteado os fãs do gênero com Jogos Mortais e Sobrenatural, co-criações suas com James Wan) como também segue a mais do que bem-vinda cartilha recente de filmes de terror com propósitos políticos e discussões necessárias para o nosso contexto atual.

O filme nos coloca no lugar de Cecilia, uma mulher traumatizada por um relacionamento abusivo que, após fugir do namorado controlador, passa a ser seguida por uma presença indetectável. Assim, o que seria a premissa de um ótimo filme de drama acaba desembocando em um terror genuinamente assustador, denso e atmosférico, conforme nos doamos cada vez mais junto com a personagem. Todo o elenco é sensacional, mas Elisabeth Moss dita o tom da obra com sua clássica encarada e uma performance única (que, por se tratar de um filme de terror, provavelmente será esquecida pelo Oscar). Enfim um filme de Monstros da Universal que vale a pena ser lembrado e discutido, depois de tantos A Múmia e Drácula: A História Nunca Contada da vida. — Gustavo Fiaux

7. Soul (2020)

Direção: Pete Docter, Kemp Powers
Roteiro: Pete Docter, Kemp Powers, Mike Jones
Elenco: Jamie Foxx, Tina Fey, Ahmir-Khalib Thompson, Phylicia Rashād, Daveed Diggs, Richard Ayoade, Graham Norton, Rachel House, Alice Braga, Angela Bassett, June Squibb

Após iniciar o ano com um filme tão abaixo da sua capacidade criativa (Dois Irmãos: Uma Jornada Fantástica), o longa-metragem que encerra 2020 não podia ser mais diferente. No melhor estilo Pixar de ser, Soul combina o visual animalesco e momentos divertidos para entreter as crianças na superfície enquanto por debaixo disso traz consigo temáticas mais profundas e adultas. Soul é uma análise sobre como vivemos, como enxergamos o que consideramos sucesso e fracasso, o que nos motiva a continuar vivendo, nossas escolhas e o impacto que causamos na vida dos demais. Se a temática “o sentido da vida” pode soar batida, Pete Docter e Kemp Powers conseguem abordá-la de modo ímpar e arrojado. Chocando ninguém, visualmente Soul é uma das obras mais belas dos últimos anos, que é acompanhada por uma trilha sonora impecável de Trent Reznor, Atticus Ross e Jon Batiste.

Soul é uma obra que certamente entretém os mais novos, mas que encontra seu verdadeiro propósito nos adultos. Se existe um filme que desperta a esperança, mesmo em tempos tão difíceis, e não soa equivocado em sua abordagem mais otimista da humanidade, este é Soul. — Rodrigo Ramos

6. 1917 (2019)

Direção: Sam Mendes
Roteiro: Sam Mendes, Krysty Wilson-Cairns
Elenco: George MacKay, Dean-Charles Chapman, Mark Strong, Andrew Scott, Richard Madden, Claire Duburcq, Colin Firth, Benedict Cumberbatch, Daniel Mays

Mesmo perdendo os principais prêmios do Oscar 2020 para Parasita, 1917 encheu os olhos de quem assistiu ao filme. O grande mérito está nos feitos técnicos – rodar uma produção de guerra, com todas os efeitos práticos possíveis, em plano sequência. Sam Mendes, oscarizado por Beleza Americana, 20 anos antes, imprimiu estilo, competência e entregou uma película que deve entra para o hall dos clássicos. Não espere grandes personagens e diálogos profundos; a protagonista aqui é a própria guerra. — Mikael Melo

5. O Som do Silêncio (Sound of Metal, 2019)

Direção: Darius Marder
Roteiro: Darius Marder, Abraham Marder, Derek Cianfrance
Elenco: Riz Ahmed, Olivia Cooke, Paul Raci, Lauren Ridloff, Mathiey Amalric

Ainda que seja uma palavra simples, sensibilidade é o termo perfeito para definir como O Som do Silêncio funciona tão bem. Em sua estreia na direção, Darius Marder chega de maneira arrebatadora, entregando uma experiência sensorial recheada de emoções e que traduz uma carga de sentimentos de maneira cristalina. São tantos momentos que tocam profundamente, enquanto vemos o personagem de Riz Ahmed ser consumido pela perda da audição. E que atuação de Ahmed. Brutal, resoluto, mas vulnerável, fragmentado pelo destino que tira o sonho de seu personagem e o afasta de seu amor. A batalha interna e externa que vive o personagem está toda ali, transposta nas feições e trejeitos, no olhar atento (!!!), no falar e comunicar de Riz Ahmed. Fantástico! É ainda mais forte quando encontramos seu contraponto, um ponto de serenidade, que acolhe seu personagem. Ator revelação aos 72 de idade? Que assim seja, pois Paul Raci é a grande surpresa, não só do filme, mas da temporada. Seu poder em cena é o catalisador responsável pela catarse de sensações que ocorrem ao final de O Som do Silêncio. No fim há apenas uma única coisa. — Renan Santos

4. Nunca, Raramente, Às Vezes, Sempre (Never Rarely Sometimes Always, 2020)

Direção & Roteiro: Eliza Hittman
Elenco: Sidney Flanigan, Talia Ryder, Théodore Pellerin

Um filme sobre a intimidade da dor. Um excepcional trabalho da cineasta Eliza Hittman em trazer à tona a juventude de uma cidade num mundo de presas e predadores. Num mundo de abusos dos mais diversos, de escolhas e de sobrevivência. Não de julgamentos. Doloroso, mas muito caloroso. — Diego Quaglia

3. Destacamento Blood (Da 5 Bloods, 2020)

Direção: Spike Lee
Roteiro: Danny Bilson, Paul De Meo, Kevin Willmott, Spike Lee
Elenco: Delroy Lindo, Jonathan Majors, Clarke Peters, Norm Lewis, Isiah Whitlock Jr. Chadwick Boseman, Mélanie Thierry, Paul Walter Hauser, Jean Reno

Se houve um filme ideal para o ano de 2020, este é Destacamento Blood. Em um ano tão conturbado por motivos extraordinários (uma avassaladora pandemia), Spike Lee nos apresenta um filme que coincidentemente conversou com um motivo, infelizmente, ordinário que fez o mundo deixar de ficar parado. A produção da Netflix chegou algumas semanas após o movimento Black Lives Matter tomar conta das ruas ao redor do mundo após o brutal assassinato de George Floyd. O filme também se ressignificou posteriormente, quando Chadwick Boseman nos deixou tão precocemente. Essas dores, essas perdas, que movimentaram o mundo em 2020, mostram o quanto Spike Lee consegue conversar através de seu cinema com o contemporâneo e, ainda assim, sem em momento algum deixar de ser um épico, com sequências de ação eletrizantes e que ainda resguardam detalhes brilhantes, como os flashbacks com os personagens mantendo seus intérpretes do presente. Ainda é encabeçado por um protagonista complexo e controverso, numa atuação soberba de Delroy Lindo, que consegue fazer da jornada desse personagem algo ainda mais visceral. Que força ele demonstra! Tudo isso também porque Spike Lee constrói um retrato das cicatrizes que o imperialismo insiste em cobrir, mas que sempre as cutuca, enquanto cria outras ainda novas, num interminável chamado para uma guerra que nunca parece estar próxima de se encerrar. Os corpos oferecidos em sacrifício seguem sendo os mesmos, pelo menos enquanto não darmos os verdadeiros nomes aos fantasmas que nos assombram até hoje. Spike Lee segue sendo atemporal e segue na sua mais melhor forma. — Renan Santos

2. Adoráveis Mulheres (Little Women, 2019)

Direção & Roteiro: Greta Gerwig
Elenco: Saoirse Ronan, Emma Watson, Florence Pugh, Eliza Scanlen, Laura Dern, Meryl Streep, Timothée Chalamet, Tracy Letts, Bob Odenkirk, James Norton, Louis Garrell, Jayne Houdyshell, Chris Cooper

Adaptar obras literárias que já foram traduzidas muitas vezes para produtos audiovisuais é algo extremamente difícil, principalmente quando a obra em questão é um clássico de uma época distante. Por conta disso, é impressionante o que a Greta Gerwig fez com Adoráveis Mulheres. Ela pega um livro, que já virou série e filme uma infinidade de vezes, e traz ao público uma obra inovadora e que dialoga com o público atual. Greta pega a temática básica do livro de Louisa May Alcott (é uma narrativa ótima, mas poderia ser considerada levemente datada) e entrega um filme novo, refrescante, emocionante e que tem a linguagem do século XXI.

Esta versão de Adoráveis Mulheres é a prova da competência de Greta Gerwig como cineasta. Em sua adaptação, nada é feito por acaso, tudo tem um propósito. Todas as suas escolhas como roteirista e como diretora são muito acertadas e por conta de sua sensibilidade o filme é de uma beleza impressionante e cresce a cada revisitada. — Carissa Vieira

1. Retrato de Uma Jovem em Chamas (Portrait de la jeune fille en feu, 2019)

Direção & Roteiro: Céline Sciamma
Elenco: Noémie Merlant, Adèle Haenel, Luàna Bajrami, Valeria Golino

“Se você quer saber a verdade, leia os meus lábios / […] Palavras nunca são o suficiente, o meu único desejo é você”. A citação é de uma música de Jessie Ware, que pode parecer não ter uma relação direta com um longa-metragem ambientado no século XVIII, mas que traduz parte das intenções de Retrato de Uma Jovem em Chamas.

Céline Sciamma cria aqui uma obra em que o silêncio, os olhares, cada respiração ou frase aparentemente sem segunda intenções trazem consigo o verdadeiro significado, os desejos ardentes e os anseios mais profundos. É a partir de um poderio imagético que a diretora constrói um conto íntimo, feminista e particular. A cineasta dá vida a uma obra que não precisa de uma trilha sonora para dizer ao espectador como se sentir ou entender o que se passa nas entrelinhas — mas quando usa a música, é para avassalar de vez, a exemplo dos últimos minutos de rodagem. Sciamma opta pela não-manipulação das emoções, até porque não precisa. Está em tela somente o necessário. As performances pungentes, a fotografia de tirar o fôlego, o texto cirúrgico. Cada ação, palavra, pausa e toque é justificado, mas não de modo expositivo. Retrato de Uma Jovem em Chamas é como uma pintura, em que cada detalhe importa, por mais singelo que seja, compondo uma verdadeira obra-prima. Basta estar aberto para enxergar a beleza que habita nela. — Rodrigo Ramos

Fizeram parte desta eleição:
Breno Costa
, roteirista.
Caio Coletti, jornalista, colaborador dos sites UOL, Previamente, Jornalistas Livres e FEARLESS Mag.
Carissa Vieira, roteirista, formada em Cinema e Audiovisual.
Diego Benevides, Doutorando e Mestre em Comunicação pelo Instituto de Cultura e Arte da Universidade Federal do Ceará (PPGCOM/UFC), na linha de pesquisa Fotografia e Audiovisual. Bacharel em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo pela Universidade de Fortaleza (Unifor). Atualmente integra o grupo de pesquisa Imago – Laboratório de Estudos de Estética e Imagem. Atua como crítico de cinema desde 2006 e é membro da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine) e sócio-fundador da Associação Cearense de Críticos de Cinema (Aceccine).
Diego Quaglia, cineasta, roteirista e crítico de cinema e audiovisual.
Gustavo Fiaux, formado em Cinema e Audiovisual pela Universidade Federal de Pernambuco, crítico, roteirista, diretor de arte, e redator do portal Legião dos Heróis.
Luiza Conde, roteirista.
Marina da Costa Campos, professora, pesquisadora e produtora de mostras audiovisuais. Doutora em Meios e Processos Audiovisuais pela Universidade de São Paulo.
Mikael Melo, jornalista, produtor de Jornalismo na NDTV Record.
Paulo Henrique de Moura, jornalista com especialização em Mídia, Informação e Cultura pela USP. Coordenador de Jornalismo e Conteúdo na agência Milk Conteúdo e produz o canal e os podcasts semanais “365LPs” sobre MPB e vinil. Professor de Comunicação e Mídias Sociais na pós-graduação em Produção Cultural e Curadoria de Conteúdo e do curso livre de Jornalismo Cultural ambos no Centro Universitário Belas Artes de São Paulo.
Rafael Bürger, bacharel em Imagem e Som pela UFSCar e cineclubista.
Renan Santos, formado em Cinema, crítico e newsposter no site Cine Eterno.
Rodrigo Ramos, jornalista, repórter na Prefeitura de Navegantes, editor do site Previamente, foi programador de cinema na Cineramabc Arthouse.

Textos por Caio Coletti, Carissa Vieira, Diego Quaglia, Gustavo Fiaux, Marina da Costa Campos, Mikael Melo, Renan Santos & Rodrigo Ramos

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Por Rodrigo Ramos

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