Diretoras mulheres não precisam de Star Wars. Star Wars precisa de diretoras mulheres

Star Wars tinha 42 anos de idade quando uma mulher foi creditada, pela primeira vez, como diretora de conteúdo live-action da franquia. Foi em 2019, quando Deborah Chow dirigiu “The Sin”, o terceiro episódio da primeira temporada de The Mandalorian, dando lugar, no capítulo seguinte (1×04, “Sanctuary”), a outra mulher: Bryce Dallas Howard.

A pressão para que a Disney/Lucasfilm contrate mulheres para dirigir Star Wars não é nova. Quando as conversas sobre uma nova trilogia cinematográfica começaram, lá em 2012, já houve burburinhos nesse sentido pela internet – burburinhos que só aumentaram conforme novos filmes (além de continuações, spin-offs chamados Uma História Star Wars) foram anunciados e, sem falha, dados a diretores homens.

Até nas duas ocasiões em que o estúdio demitiu diretores de última hora e contratou novos nomes, as trocas foram homogêneas: homens brancos por homens brancos. A frustração da parcela do público que gostaria de ver isso mudar atingiu o pico quando a Disney começou a revelar seus planos para o futuro da franquia após A Ascensão Skywalker – e, novamente, o ponto de vista de artistas femininas foi deixado de lado.

O argumento que justificava essa pressão, ao menos na narrativa formada pela grande mídia e pela superfície das redes sociais, era que ter uma mulher no comando de um Star Wars seria um passo importante para a inclusão de profissionais femininas talentosas na indústria, e especialmente no mundo dos blockbusters. Seria “um momento histórico”, um “dia para se lembrar” na luta pelo equilíbrio de oportunidades para homens e mulheres na direção.

Mas será que isso é verdade hoje em dia?

Um rápido diagnóstico

2020, apesar de ter sido um ano terrível em muitos (quase todos) os sentidos, tem sido surpreendentemente brilhante para o cinema, e especialmente para mulheres que dirigem cinema.

É sério. Mesmo com as salas fechadas por três quartos do ano, ou talvez até por causa disso (é mais fácil notar filmes indies quando os blockbusters não estão monopolizando nossa atenção nos multiplexes), o trabalho de diretoras como Eliza Hittman (Never Rarely Sometimes Always), Kitty Green (The Assistant), Kelly Reichardt (First Cow), Gina Prince-Bythewood (The Old Guard) e dezenas de outras tem cativado críticos e público.

O Gotham Awards, por exemplo, indicou apenas longas dirigidos por mulheres em sua categoria de melhor filme, algo inédito na história da premiação, uma das mais importantes do mercado independente norte-americano. A tendência para o Oscar 2021 é que tenhamos mais mulheres diretoras e suas obras na lista do que nunca – longas de prestígio ainda inéditos, como Nomadland (Chloé Zhao) e One Night in Miami (Regina King), devem liderar o rebanho.

O ano que vem também não deve dar folga, com a estreia de títulos que trarão mais cineastas do gênero feminino para o mainstream, como Viúva Negra (de Cate Shortland), Candyman (de Nia DaCosta) e Os Eternos (de Chloé Zhao, ela de novo!). São as sobras de um “verão feminino” que foi tristemente adiado pelo coronavírus, deixando pelo caminho a trajetória de bilheteria interrompida de Aves de Rapina (de Cathy Yan), o lançamento em streaming de Mulan (de Niki Caro) e o lançamento parcial nos cinemas e direto para o streaming de Mulher-Maravilha 1984 (de Patty Jenkins).

Em suma: mulheres na direção não são mais raridade ou novidade, e estão caminhando para não ser exceção, nem no circuito independente nem nos grandes estúdios. O único lugar em que elas continuam conspicuamente ausentes é em uma galáxia muito, muito distante.

“This is the way”

O que nos traz de volta, é claro, a The Mandalorian. No dia 13 foi lançado o terceiro episódio da segunda temporada da série, intitulado “The Heiress”, que trouxe novamente Howard, conhecida como atriz em Histórias Cruzadas, Jurassic World e Rocketman, na direção.

Após um começo morno no segundo ano, “The Heiress” dá uma muito bem-vinda injeção de energia em The Mandalorian, finalmente arquitetando uma “missão da semana” que também ajuda a mover a trama maior da série adiante. Fundamentalmente, no entanto, o episódio conta com um olhar refrescante para as cenas de ação, para a construção visual do universo em que se passa, e para as dinâmicas de cena entre os personagens.

E tudo isso é trabalho de direção. Howard faz migalhas da invasão dos heróis a uma nave imperial, demonstrando maestria em conduzir peças de ação em ambientes limitados, evocando um senso de perigo e de heroísmo que tem passado longe de The Mandalorian até então na série. Se o episódio anterior, dirigido por Peyton Reed (Homem-Formiga), confiava na comédia um pouco demais para ser realmente empolgante na ação, Howard usa o humor de maneira mais sutil — não como muleta, mas como ferramenta de equilíbrio de tom.

Ela também valoriza o trabalho de design de produção (de Doug Chiang e Andrew L. Jones) ao observar de forma minuciosa, mas nunca cansativa, o mundo ao redor dos personagens. O planeta em que o protagonista aporta com seus companheiros de viagem evoca, de maneira típica de Star Wars, um cenário bem gravado no imaginário popular cinematográfico (um porto de pescadores cheio de trabalhadores, burburinhos, trapaceiros), adicionando a tinta da ficção científica, da ambientação espacial, por cima dele. É um trabalho quase táctil: dá para sentir o gosto do sal na boca.

E esses elogios todos não vêm só de mim: críticos (que deram 95% de aprovação para o episódio no Rotten Tomatoes) e fãs (que avaliaram o capítulo com um 9/10 no IMDb) concordam comigo.

E para onde vai a Força?

Apesar de ter feito pouco mais de US$ 1 bilhão nas bilheterias (o pior resultado da nova trilogia, mas ainda uma montanha de dinheiro), A Ascensão Skywalker foi recebido de forma gelada pelos fãs e pela crítica, terminando a nova fase da saga sem o entusiasmo que a Disney esperava para lançar Star Wars ao seu futuro glorioso de derivados.

Combine isso com o fracasso ainda mais alarmante de Han Solo e o diagnóstico da mídia (e dos executivos de Hollywood) é que o público está simplesmente cansado de ver Star Wars na tela grande. Os próximos filmes da franquia ainda não têm data para sair, e nada indica que a Disney está com pressa para marcá-los no calendário.

Mas eu acho que esse é um diagnóstico precipitado, ou ao menos incompleto. Parece-me claro que o público está cansado só de ver o mesmo Star Wars de sempre nos cinemas – aventuras épicas em que um grupo de heróis improvável se une a um movimento rebelde para destronar um vilão inescrupuloso, de ideologia autoritária. Óperas espaciais de visual polido, que empregam o melhor que Hollywood pode oferecer em termos de efeitos visuais, impregnadas de uma visão anacrônica de cinema-espetáculo que pode convencer, eventualmente, mas que também é exaustiva.

The Mandalorian trouxe algo novo para o público de Star Wars. O criador Jon Favreau deu vida a um faroeste espacial episódico, que o espectador podia curtir (e perceber as entrelinhas) de maneira mais relaxada, confortante, referencial. E a série voltou a apostar na reinvenção ao trazer Chow e Howard para a direção – as duas proveram talentos e visões únicas para The Mandalorian, fundamentalmente alterando perspectivas no universo “Star Wars”.

Historicamente, artistas do gênero feminino raramente foram entregues o comando de uma obra como essa. É uma perspectiva que não foi vista pelo público de Star Wars, nem na própria Star Wars nem em outros lugares semelhantes – não é questão de implicar que todas as diretoras, por serem mulheres, têm a mesma visão criativa (qualquer um que tenha visto mais de meia dúzia de filmes com direção feminina sabe que este não é o caso), mas questão de reconhecer que nenhuma dessas visões foram colocadas na tela, diante da plateia, até hoje.

Parece óbvio que, neste momento, Star Wars precisa se reajustar, e oferecer aos fãs algo que eles não viram antes. E, em pleno 2020, é difícil argumentar que conseguir a direção de um filme da saga seria “quebrar barreiras” para mulheres, já que essas barreiras já foram quebradas em anos recentes. Seria, no máximo, uma confirmação, uma validação de que este movimento veio para ficar.

Possivelmente pela primeira vez desde que essa discussão começou, é Star Wars quem precisa de uma diretora – e não o contrário.

Por Caio Coletti

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