Better Call Saul, BoJack Horseman e Watchmen estão na lista.
O Previamente, a partir de um júri com 21 pessoas entre profissionais da área, jornalistas, críticos, estudantes e aficionados por séries, elegeu os melhores episódios da temporada 2019/2020. A seleção foi realizada utilizando os mesmos critérios do Emmy Awards: entram as obras que foram exibidas em sua totalidade ou mais de 50% de sua temporada entre 1º de junho de 2019 até 31 de maio de 2020.
Confira abaixo a lista completa abaixo.
MELHORES EPISÓDIOS
The Good Fight — 4×01: The Gang Deals with Alternate Reality
Direção: Brooke Kennedy | Roteiro: Robert King, Michelle King
Exibido originalmente em 9 de abril de 2020.
The Good Fight nunca se conteve ao fazer críticas aos dois lados ideológicos da política, esquerda e direita. Em três temporadas da série, Michelle e Robert King já mostraram de que lado estão, mas nunca deixaram de apontar as hipocrisias até mesmo dos mais progressistas — afinal, esquerdomachos e feminismo branco são coisas que existem, e eles têm ciência disso. Dito isso, o episódio que abre a quarta temporada de The Good Fight é um excelente exercício narrativo e de análise política. Aqui, eles tentam imaginar como seria o mundo caso Hillary Clinton tivesse sido eleita a presidente dos Estados Unidos e não Donald Trump. Diane Lockhart é jogada nessa realidade alternativa, sendo a única a ter vivenciado a realidade em que Trump foi eleito. Baranski se delicia nesse episódio, exibindo o seu lado cômico, rindo mais do que a humanidade merece ouvir — pois ela é dona da melhor risada do planeta. Aparentemente, tudo parece perfeito, incluindo a descoberta do câncer e o maior escândalo do governo Clinton seria o valor gasto em corte de cabelo. Porém, aos poucos, o episódio alerta que não há realidade perfeita e, mesmo que uma pessoa mais progressista, especialmente sendo mulher, tivesse vencido as eleições em 2016, ainda assim o mundo não estaria livre de problemas. No episódio, o movimento #MeToo nunca decolou e pessoas como Harvey Weinstein (ele era um dos principais doadores do partido Democrata) não foram denunciadas e tiradas do seu local de poder.
A mensagem dos Kings não é a de que o mundo seria pior sem Trump na presidência. De forma alguma. Mas definitivamente a sociedade ainda enfrentaria problemas estruturais e que talvez não fossem prioridade ou entrassem em ponto de ebulição se houvesse uma pessoa mais progressista no comando. Afinal, os conservadores perderam e finalmente há uma mulher no poder. Como reclamar? Quando Obama era presidente, não haviam problemas no país? O racismo, a brutalidade policial, a misoginia e o diferente tratamento dado aos poderosos deixaram de existir durante os oito anos de mandato do primeiro presidente negro dos EUA? Não. Não deixa de ser uma forma de autocrítica dos Kings para o seu lado político, pois todos somos passíveis de críticas, mas nem todo mundo gosta de ouvir as verdades inconvenientes e incômodas. Os roteiristas dão conta de entregar um trabalho tão provocativo e profundo em meio de um episódio com alto nível de ironia e cheio de piadas, incluindo até momentos de surrealismo que (vou me detestar por citar isso como algo positivo) até fazem menção a Twin Peaks. Definitivamente, é um dos melhores episódios não só do ano, mas do Good-verse como um todo. — Rodrigo Ramos
BoJack Horseman — 6×16: Nice While It Lasted
Direção: Aaron Long | Roteiro: Raphael Bob-Waksberg
Exibido originalmente em 31 de janeiro de 2020.
O episódio derradeiro de BoJack Horseman é a antítese do penúltimo. Enquanto “The View From Halfway Down” é surrealista, barulhento, cheio de acontecimentos, easter eggs — e tem seu mérito nisso –, “Nice While It Lasted” resolve focar-se na despedida dos personagens, com um tom mais sereno, focado e sentimental. Comparo essa reta final com a de The Leftovers.
O começo do episódio, mostrando as consequências das atitudes de BoJack, até o encontro com Mr. Peanutbutter, é cheio de piadas e trocadilhos, numa vibe mais alto astral, como seria impossível não ser com o (not so) Sad Dog. Conforme o episódio discorre, o protagonista tem a oportunidade de ter uma última conversa com aqueles que fizeram parte de sua jornada: Todd, Princess Carolyn e Diane. Os diálogos são francos e vão lá no fundamento da relação desses personagens. Tirando Mr. Peanutbutter, as emoções dos personagens em relação a BoJack não são apenas positivas. Pelo contrário. As conversas põem em dúvida se BoJack um dia voltará a ter um relacionamento de fato com essas pessoas. Muita dor foi causada, majoritariamente por culpa dele, e não se pode concluir o que será dali em diante. Só o tempo realmente dirá o destino desses personagens, que agora vivem somente na imaginação do espectador. O roteiro é cirúrgico aos costurar tudo o que aconteceu ao longo da série até aqui, respeitando a jornada de cada um, não forçando uma espécie de final feliz ou outra conclusão que não fosse apenas natural diante do que foi construído. Até seu último segundo, BoJack Horseman honra sua humanidade e seu legado. — Rodrigo Ramos
Better Call Saul — 5×08: Bagman
Direção: Vince Gilligan | Roteiro: Gordon Smith
Exibido originalmente em 6 de abril de 2020.
O criador de Breaking Bad e co-criador de Better Call Saul, Vince Gilligan, retorna à série com “Bagman” para estabelecer mais uma vez o crescente nível que o seu spin–off ganhou ao dirigir esse episódio. Escrito por Gordon Smith, esse é um episódio que retoma várias referências e marcas da sua série–mãe: vemos um episódio que lembra “Fly” ou “4 Days Out” no sentido de isolar seus personagens num ambiente claustrofóbico e em uma jornada existencialista, mas que também remete um sentido narrativo que “Crawl Space” teve em Breaking Bad ao colocar Jimmy/Saul (Bob Odenkirk) em um ponto de colisão e mudança que ele daqui em diante nunca mais será o mesmo. O que também impressiona no episódio é o esmero estético, conseguindo avançar e contar a sua narrativa por meio da linguagem puramente audiovisual – as referências do clássico Lawrence da Arábia foram muito bem usadas nesse sentido –, construção de tensão e as brilhantes interpretações de Odenkirk e Jonathan Banks em seus melhores momentos na série toda, talvez, ao entrarem de cabeça na jornada infernal que os personagens passam física e internamente. — Diego Quaglia
Watchmen — 1×08: A God Walks into Abar
Direção: Nicole Kassell | Roteiro: Damon Lindelof, Jeff Jensen
Exibido originalmente em 8 de dezembro de 2019.
Um Deus entra num bar e… Watchmen segue bem a linha de outras séries de Damon Lindelof como Lost e principalmente The Leftovers ao investir em episódios individuais em que possa dar conta de focar em um número limitado de personagens e uma gama de temáticas expondo todo o surrealismo, estranheza e desenvolvendo as relações e o psicológico dessas figuras. “A God Walks into A Bar” deve ser um dos melhores exemplos disso. A diretora Nicole Kassell e o roteiro de Damon Lindelof e Jeff Jensen cercados de brincadeiras de montagem conseguem tanto tematicamente e visualmente ilustrarem uma estranha e trágica história de amor que marca relacionamento de Angela (Regina King) e o recém–descoberto Doutor Manhattan (Yahya Abdul–Mateen) enquanto vão fechando questões anteriores do universo e administrando interpretações excelentes de Regina e Yahya. — Diego Quaglia
Better Call Saul — 5×09: Bad Choice Road
Direção: Thomas Schnauz | Roteiro: Thomas Schnauz
Exibido originalmente em 13 de abril de 2020.
“Bagman” é um episódio cheio de adrenalina, daqueles de tirar o fôlego e que lembram diretamente alguns dos melhores momentos de Breaking Bad. O episódio seguinte, “Bad Choice Road”, contudo, lida com as consequências. Elas se manifestam de várias maneiras, sejam emocionais ou traduzidas em ações. E, neste sentido, o capítulo é Better Call Saul em toda sua essência e excelência.
O episódio é lapidado com esmero para mostrar os efeitos do trauma sofrido por Jimmy/Saul no deserto. Os eventos ocorridos lá e o estado emocional/psicológico em fragmentos de Jimmy reverberam nos outros personagens, a exemplo de Kim, Mike e Lalo, e automaticamente surte efeito narrativo. Pouco a pouco, “Bad Choice Road” vai subindo o tom e aposta alto em seus últimos 15 minutos. Quando percebe, o espectador foi jogado em uma rede de tensão inesperada, mas, de certa forma, inevitável. Em uma mera discussão de casal, o quadro rapidamente evolui para uma situação de ameaça iminente. Bob Odenkirk, Tony Dalton e, especialmente, Rhea Seehorn entregam performances que ultrapassam o limite pré-estabelecido do que é atuar. É insano o que eles alcança em cena aqui. Tudo respaldado por um roteiro feito com primor, em que cada pausa, olhar e linha contam. Mesmo sabendo conscientemente que Saul não irá morrer, o destino de Kim é incerto, e, por consequência, não há como evitar o sentimento de medo em não saber o que irá acontecer com ela. São os 15 minutos mais tensos e aterrorizantes da TV na temporada e, como um todo, o episódio coloca em definitivo Better Call Saul como uma das melhores séries da atualidade. — Rodrigo Ramos
Succession — 2×10: This Is Not For Tears
Direção: Mark Mylod | Roteiro: Jesse Armstrong
Exibido originalmente em 13 de outubro de 2019.
Nessa season finale épica, vemos o resultado das audiências no Congresso estadunidense pelas quais alguns dos membros da Waystar Royco foram submetidos após os escândalos da linha de cruzeiros da companhia terem vindo a público. O Conselho Administrativo da empresa precisa de uma cabeça, e Logan está disposto a oferecê-los uma em uma bandeja de prata. Para tanto, ele decide convocar a família e associados para um iate no sul da França, onde tomará sua decisão e fará todos lutarem para se salvar. Nesse cenário de extrema opulência, nada mais digno de Succession, vemos todos os dramas da temporada se fecharem, um a um, como nas melhores tragédias: um palco, um cenário — e a lancha ocasional que leva embora os “eliminados” desta pièce de résistance.
O casamento de Shiv e Tom chega a um impasse crucial, e surpreendentemente triste, após todos os abusos que ela comete com o marido, colocando-o em situações de humilhação seguidas frente à família e ao mundo. Greg percebe o quão dispensável é para os Roy (“enfeites de Greg”). Roman retorna de sua traumática jornada no oriente médio com possibilidades e um novo olhar para a vida. Connor e Willa, risos, totalmente derrotados e falidos, como já era de se esperar. Marcia notavelmente ausente. E Kendall, pobre Kendall. Sem um momento sequer de paz ou qualquer chance de felicidade, e a compreensão uma vez por todas que seu pai nunca lhe levou, ou levará, a sério, transformando-se, em seu minuto final, num herói, se é que pode-se usar tal palavra ao falar de Succession, bastante improvável. A escrita é, como de costume, irrepreensível. Todos os personagens, e seus respectivos atores, estão no ápice de suas performances. Brian Cox, como esse patriarca que mais parece um Rei Lear maligno, brincando consistentemente com o psicológico de todos que lhe cercam, se mostra novamente um monstro da televisão mundial, em toda a força, respeito e medo que comanda, bem como a pitada de sarcasmo que cercam todas as suas palavras e jogos. O leve sorriso que expressa ao ver, mais uma vez, Kendall se rebelando, denota perfeitamente a complexidade do personagem: um homem constantemente atrás de desafios e procurando um inimigo à altura, que só consegue enxergar o potencial de seu primogênito quando a prenunciada traição, selada por um beijo retirado diretamente do manual tático de Judas, ocorre frente ao mundo. Succession demonstra aqui, mais uma vez, e de novo e de novo, o que lhe faz uma tragédia familiar moderna de proporções heroicas: a magistralidade de uma história perfeitamente costurada, em seus mínimos detalhes, onde poder e amor se confundem na história de uma família completamente disfuncional, sem escrúpulos, assustadora e querida. — Mariana Ramos
BoJack Horseman — 6×15: The View From Halfway Down
Direção: Amy Winfrey | Roteiro: Alison Tafel
Exibido originalmente em 31 de janeiro de 2020.
BoJack Horseman é um programa existencialista. Em seis anos, ela questionou em diversas ocasiões qual é o sentido de tudo. Em seu penúltimo episódio, a série se dá licença para mergulhar no surrealismo e, imerso neste recurso narrativo, volta a questionar o propósito da vida e o valor que há na morte. No episódio, BoJack se reúne com várias pessoas que passaram por sua vida, sem entender o que está fazendo neste lugar ou ter memória sobre como chegou ali. Os personagem começam a discutir sobre o que mais gostaram e detestaram em suas vidas, questionam se o que fizeram valeu a pena, se a morte de cada um teve algum valor. O episódio vai, pouco a pouco, abraçando uma faceta mórbida e o mistério acerca do motivo de BoJack estar ali aumenta.
O surrealismo aqui é utilizado de maneira eficiente, auxiliando na execução narrativa de modo que não seria possível sem ele. Há a licença poética para contar uma história transcendental, mas que ao mesmo tempo traz todos os elementos para que o espectador consiga ligar os pontos — não é difícil supor o que acontece, mas o roteiro também não entrega tudo de bandeja. Uma das virtudes da série sempre foi trabalhar com os elementos de cenário para contar piadas ainda mais eficientes do que aquelas presentes nos diálogos. Aqui, a virtude oferta significado mais profundo (este episódio sim justifica ter uma análise no YouTube para entender os easter eggs), como, por exemplo, a escolha de oferecer de jantar aos personagens suas últimas refeições em vida — no caso de BoJack, são as pílulas que tomou antes de cair na piscina e a água com cloro contida nela.
Entre a vida e a morte de seu protagonista, a série reflete sobre o significado da vida, não apenas do personagem, mas a vida como um todo, minha e sua. O debate não é mecânico, enfadonho ou pretensioso — e seria muito fácil sê-lo. Como tudo o que BoJack Horseman se pretendeu a fazer, ela encara isso pelo viés humanista. Sim, a animação neste episódio em particular é um espetáculo a parte, mas o que garante a excelência dele é seu texto precioso. — Rodrigo Ramos
Watchmen — 1×06: This Extraordinary Being
Direção: Stephen Williams | Roteiro: Damon Lindelof, Cord Jefferson
Exibido originalmente em 24 de novembro de 2019.
Episódios inteiramente passados em flashback (“Across the Sea”, de Lost) ou na dentro da cabeça de algum personagem (“Flashes Before Your Eyes”, de Lost e “International Assassin” e “The Most Powerful Man in the World”, de The Leftovers) sempre estiveram presentes na obra de Damon Lindelof. O sexto episódio da primeira temporada de Watchmen, contudo, faz o quase impossível: junta os dois conceitos. Passado quase inteiramente na mente da protagonista, Angela Abar (Regina King) e ao mesmo tempo um flashback das lembranças do avô da mesma, Will Reeves (Jovan Adepo, na versão mais nova), o episódio traz consigo o melhor dos dois conceitos. Esteticamente, o episódio, quase todo em preto e branco, conta com passagens de ambiente que simbolizam o pensamento entrecortado de Angela durante sua “viagem” no que parecem ser longos planos-sequência. Há um momento específico, por exemplo, em que Reeves e sua esposa, June (Danielle Deadwyler), conversam sobre um filme significativo para o primeiro, ao passo que a câmera coloca os dois em segundo plano e passa a focar a parede da sala, onde o filme começa a ser reproduzido, como em uma sala de cinema. Para além da estética impecável, o episódio conta com um dos mais importantes discursos visto esse ano na TV: o primeiro herói americano, que na história da série é aquele que impulsiona a criação do grupo de heróis que dá nome à série, é um homem negro. Um homem negro que só colocou a máscara pela primeira vez porque, embora policial, não conseguia o respeito necessário da população e dos colegas de profissão para fazer a justiça que tanto almejava. A importância da história no contexto histórico-social em que nos encontramos (não só nos EUA, mas aqui também no Brasil) e a estética impecável tornam esse episódio o melhor da temporada e, com certeza, um dos melhores e mais relevantes da última década. — Breno Costa
Menções honrosas: Succession – 2×05: Tern Haven, Mrs. America – 1×08: Houston, My Brilliant Friend – 2×08: The Blue Fairy, Ramy – 2×06: They, #blackAF – 1×05: Yo, between you and me, this is because of slavery.
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Fizeram parte do júri
Angelo Bruno, estudante de Letras — Licenciatura em Português.
Breno Costa, roteirista.
Caio Coletti, jornalista e colaborador do site UOL.
Dana Rodrigues, editora do site Diário de Seriador.
Diego Quaglia, cineasta, roteirista e crítico de cinema e audiovisual.
Diogo Pacheco, colaborador do Série Maníacos.
Fillipe Queiroz, estudante de Psicologia, aficionado em séries.
Geovana Rodrigues, sommelier de séries.
Gustavo Marques, produtor de conteúdo e entusiasta de televisão.
Juliano Cavalcante, bacharel em Economia, escreve sobre seriados na internet desde 2005.
Leonardo Barreto, editor do Quarta Parede Pop.
Luis Carlos, administrador do grupo Crônicas de Séries e da página Cultura em Frames.
Mikael Melo, jornalista, produtor de Jornalismo na NDTV Record.
Mariana Ramos, roteirista, mestre em Cinema e Audiovisual, host do podcast Maratonistas.
Rafael Bürger, bacharel em Imagem e Som pela UFSCar e cineclubista.
Rafael Mattos, estudante de Jornalismo, administrador do grupo Crônicas de Séries.
Rafaela Fagundes, sommelier de séries.
Régis Regi, bacharel em Cinema, roteirista, host do podcast Maratonistas.
Renan Santos, formado em Cinema, crítico e newsposter no site Cine Eterno.
Rodrigo Ramos, jornalista, editor do site Previamente, repórter da Huna Comunicação Para o Bem.
Valeska Uchôa, cientista da computação, ex-colaboradora do Série Maníacos e do falecido Lizt Blog.
Textos por Breno Costa, Diego Quaglia, Mariana Ramos & Rodrigo Ramos
Produção, edição e redação final por Rodrigo Ramos