Melhores Filmes de 2019

Parasita, Dor e Glória, Bacurau, Guerra Fria e O Irlandês são algumas das obras na lista.

A década cinematográfica encerrou-se com grandes filmes, incluindo alguns dos mais marcantes dos últimos 10 anos. Neste artigo, trazemos os 20 melhores filmes que entraram em cartaz no circuito nacional ou em serviços de streaming no Brasil. Desfrute de nossa lista abaixo.

20. Era Uma Vez em Hollywood (Once Upon a Time in Hollywood, 2019)

Direção & Roteiro: Quentin Tarantino
Elenco: Leonardo DiCaprio, Brad Pitt, Margot Robbie, Emile Hirsch, Margaret Qualley, Timothy Olyphant, Julia Butters, Austin Butler, Dakota Fanning, Bruce Dern, Mike Moh, Luke Perry, Damian Lewis, Al Pacino

Tarantino sempre demonstrou seu amor por Hollywood e o cinema, o que explica o fato de sua filmografia exibir várias batidas de gêneros dentro do liquidificador. Em Era Uma Vez em Hollywood, enfim, ele presta homenagem direta ao distrito da cidade de Los Angeles. Utilizando principalmente como desculpa para publicidade o caso Charles Manson e Sharon Tate, além da contextualização histórica, Tarantino conta a história de dois homens: um ator cujo tempo áureo está no passado e seu fiel dublê. É um passeio por LA em 1969 e a ambientação é caprichada — talvez, em termos de design de produção, o mais belo de Tarantino. Como programa nostálgico, vale. Em termos criativos, é desinspirado, repete algumas fórmulas de surpresa que o diretor/roteirista já usou previamente em outro longa superior a este, mas os fãs do cineasta irão apreciar de qualquer maneira. — Rodrigo Ramos

Brad Pitt and Leonardo DiCaprio in Once Upon a Time ...in Hollywood (2019)

19. Um Elefante Sentado Quieto (Da xiang xi di er zuo, 2018)

Direção & Roteiro: Hu Bo
Elenco: Yu Zhang, Yuchang Peng, Uvin Wang, Congxi Li

Um Elefante Sentado Quieto é um verdadeiro desafio aos espectadores, não somente pela longa duração (quase quatro horas), mas também por ser uma experiência um tanto depressiva. Não à toa antecipou o destino do seu autor. Hu Bo (ou seu pseudônimo Hu Qian) se suicidou logo após a filmagem, no dia 12 de outubro de 2017, aos 29 anos.

A história segue a triste vida cotidiana de quatro pessoas que moram em uma cidade anônima no Norte da China. Cada personagem é protagonista da sua própria narrativa. Ao longo de um período de 24 horas, as histórias aos poucos se cruzam e representam boa parte da sociedade que se encontra solitária e sem perspectiva. Os personagens estão perdidos, quase não há esperança, e a única coisa que praticamente os mantêm vivos é o desejo em ver com os próprios olhos um famoso elefante sentado (uma simbologia presente do início ao fim), que fica na cidade de Manzhouli.

O diretor mostra sua visão niilista sobre o mundo. A decadência em todos os sentidos, seja nos relacionamentos em que o medo parece estar impregnado nas pessoas, onde todo mundo suspeita do outro e etc. A cidade com um visual cinzento, os prédios danificados, as ruas repletas de lixo e entre outras coisas. Uma melancolia onipresente e uma mistura entre desespero e desilusão definem Um Elefante Sentado Quieto. — Luis Carlos

Congxi Li, Yuchang Peng, and Uvin Wang in Da xiang xi di er zuo (2018)

18. O Fim da Viagem, O Começo de Tudo (Tabi no Owari Sekai no Hajimari, 2019)

Direção & Roteiro: Kiyoshi Kurosawa
Elenco: Tokio Emoto, Ryô Kase, Atsuko Maeda, Adiz Rajabov, Shôta Sometani

Kiyoshi Kurosawa é o possível diretor do século. Em 2001, com o primoroso Pulse, o diretor já traçava a solidão pós moderna e a manifestação digital na mesma. Em Antes Que Tudo Desapareça, ele busca no que há de mais essencial no ser humano a cura para o Apocalipse. O Fim da Viagem, O Começo de Tudo apresenta Yoko, um corpo deslocado em uma geografia desconhecida que procura o sentido para sua própria existência. A jornada de uma repórter por uma imagem documental que o acaso impossibilita o registro é também a busca da mesma por individualização e espaço do universo. No filme, a câmera de Kurosawa aprisiona o corpo, mas sem matar a esperança da liberdade. Curiosamente o acaso que impossibilitou a imagem documental é o mesmo que liberta a protagonista. O canto em uma montanha é o antídoto para o plano, no sentido literal, que isolava Yoko. — Fellipe José Souza

17. Suspiria: A Dança do Medo (Suspiria, 2018)

Direção: Luca Guadagnino | Roteiro: David Kajganich
Elenco: Dakota Johnson, Tilda Swinton, Chloë Grace Moretz, Mia Goth, Sylvie Testud Jessica Batut

Após ter surpreendido o mundo com seu romance coming-of-age Me Chame Pelo Seu Nome, Luca Guadagnino partiu para um projeto pessoal e muito intimista: o remake de Suspiria, clássico dos anos 70 criado por Dario Argento — que, por sua vez, deu início à cultuada Trilogia das Mães. De todos, Suspiria foi o que se destacou, o que logo nos trouxe à pergunta: afinal, como se refaz um filme quase perfeito? A solução de Guadagnino foi entregue em sua abordagem, que se distancia ao máximo do original de 1977. O filme aposta em uma atmosfera mais densa, sombria e que o aproxima do horror político, principalmente pelo clima de tensão vivenciado em Berlim na época — por outro lado, o filme deixa de lado o visual ostensivo e vibrante de Argento. Com uma história focada no poder das mulheres — e um mistério voltado para uma academia de dança que, na verdade, serve de fachada para um coven de bruxas –, o filme subverte os personagens e o significado do original, criando um horror contemporâneo que cresce a cada cena. Não é um simples reboot. É um renascimento. — Gustavo Fiaux

16. Assunto de Família (Manbiki kazoku, 2018)

Direção & Roteiro: Hirokazu Kore-eda
Elenco: Lily Franky, Sakura Andô, Kirin Kiki, Mayu Matsuoka, Jyo Kairi, Miyu Sasaki, Sôsuke Ikematsu, Yûki Yamada, Moemi Katayama

A sensibilidade singular do olhar de Hirokazu Kore-eda, que encontra na simplicidade cotidiana e da dinâmica nipônica familiar e tradicional uma beleza encantadora, em Assunto de Família reúne muitos dos diferentes temas trabalhados ao longo de sua carreira, desde meados dos anos 90, num conjunto orgânico cujo resultado lhe rendeu a Palma de Ouro do Festival de Cannes em 2018. De um tremendo apuro estético, estilizado a parecer coadjuvante, Kore-eda constrói também um comentário político sobre a preocupante situação socioeconômica das classes baixas no Japão. Gerando uma complexidade delineada por um trabalho inspirado e comovente do elenco, que vemos culminar com toda sua força em um abraço, um raro gesto de carinho, que rende em meio a toda dificuldade lágrimas de alegria, mas capazes de dilacerar o coração do espectador. — Renan Santos

Lily Franky, Sakura Andô, and Miyu Sasaki in Manbiki kazoku (2018)

15. Rocketman (2019)

Direção: Dexter Fletcher | Roteiro: Lee Hall
Elenco: Taron Egerton, Jamie Bell, Richard Madden, Bryce Dallas Howard, Gemma Jones, Steven Mackintosh, Tom Bennet, Matthew Illesley, Kit Connor, Tate Donovan

Para tirar o gosto ruim da boca após Bohemian Rhapsody no ano passado, Rocketman surgiu como uma agradável surpresa. O longa-metragem tem diversas qualidades e uma das principais é a criatividade. A liberdade na hora de contar a história de sir Elton John foi fundamental para dar vida à película, que utiliza as músicas do artista para auxiliar na composição narrativa sem parecer gratuito. E, em geral, os números musicais são executados com excelência. Uma das sacadas do diretor Dexter Fletcher é misturar realidade com fantasia, embarcando no espírito da discografia e vida de Elton John. As qualidades do filme se sobressaem especialmente porque tem como protagonista Taron Egerton, que se entrega por completo ao papel, física e emocionalmente, além de cantar com a própria voz, sem parecer uma imitação, mas ainda assim lembrando John ao mesmo tempo em que coloca sua própria personalidade nas músicas e na interpretação. Rocketman é a prova de que é possível entregar cinebiografias criativas, ainda que não sendo tão precisas factualmente, mas respeitando o espírito do retratado. — Rodrigo Ramos

Taron Egerton in Rocketman (2019)

14. O Irlandês (The Irishman, 2019)

Direção: Martin Scorsese | Roteiro: Steven Zaillian
Elenco: Robert De Niro, Al Pacino, Joe Pesci, Harvey Keitel, Ray Romano, Bobby Cannavale, Anna Paquin, Stephen Graham, Stephanie Kurtzuba, Jack Huston, Kathrine Narducci, Jesse Plemons

A minissérie de Martin Scorsese na Netflix é para nos lembrar o quão brilhante e cheio de energia o diretor é, mesmo aos 77 anos. Sim, o longa-metragem se apega bastante à nomenclatura que acabei de dar com suas três horas e meia de duração, porém de alguma forma ele e sua editora de longa data (a três vezes vencedora do Oscar Thelma Schoonmaker) conseguem fazer o tempo passar voando em uma narrativa que se diferencia das demais obras com temática de máfia já realizadas pelo cineasta. Desta vez, Scorsese deixa o glamour da máfia de lado para abordar o lado mais humano das pessoas dentro do mundo do crime. Frank Sheeran (Robert De Niro, no seu melhor desempenho em décadas) é um hitman que deixa sua vida ser consumida por seu emprego, bem, nada usual, aproveita os benefícios disso em certa escala, mas que vai lhe custando as relações interpessoais até que sobre somente ele — e isto não é spoiler, já que a primeira cena do filme é De Niro isolado em uma casa para idosos.

Diferente de muitos filmes sobre o crime organizado, o protagonista não está ali porque é apaixonado pelo crime. Frank cria laços verdadeiros na máfia, em especial com Russell (Joe Pesci, saído da aposentadoria para, talvez, seu melhor papel na carreira) e Jimmy Hoffa (Al Pacino, hilário e comovente, totalmente fora do piloto automático). Simultaneamente, ele vai criando barreiras com a filha (na versão adulta, Anna Paquin), que é traumatizada logo na infância pela brutalidade do pai. Scorsese entrega um grande espetáculo, uma grande narrativa, mas que só funciona porque no seu cerne ele se preocupa, mais do que nunca, com seus personagens e mostra a fragilidade por trás das figuras masculinas mais machonas que você possa imaginar — imagem a qual o próprio diretor ajudou a perpetuar com seus filmes no passado. É o tipo de filme que Scorsese não teria a maturidade de fazer nos anos 90 e que atesta, mais uma vez, sua capacidade ímpar de fazer cinema. — Rodrigo Ramos

Robert De Niro and Joe Pesci in The Irishman (2019)

13. Entre Facas e Segredos (Knives Out, 2019)

Direção & Roteiro: Rian Johnson
Elenco: Daniel Craig, Ana de Armas, Jamie Lee Curtis, Don Johnson, Toni Collette, Christopher Plummer, Chris Evans, Michael Shannon,  LaKeith Stanfield, Jaeden Martell, Katherine Langford

Ao mesmo tempo repleto de clichês do gênero e cheio de inventividade, Entre Facas e Segredos foi uma das mais gratas surpresas de 2019. Contando a história de uma investigação de assassinato no melhor estilo Arthur Conan Doyle e Agatha Christie, Rian Johnson consegue a proeza de trazer uma narrativa cheio de mistério, mas também recheada de humor. Seguindo a lógica de quebra de expectativas experimentada em Star Wars: Os Últimos Jedi, o cineasta faz uso de um engenhoso jogo de gato e rato, em que achamos saber de tudo logo no início (algo incomum nesse tipo de narrativa) para momentos depois sermos surpreendidos. O roteiro ainda encontra espaço para críticas super pertinente sobre a relação dos Estados Unidos com seus imigrantes, dentre outras. Além disso, o elenco incrível merece aplausos por fazer de seus tipos tão caricatos mais humanos. Dessa forma, Entre Facas e Segredos é um dos mais bem sucedidos filmes de 2019, seja na simplicidade da história, seja pela forma como é contada, sempre tentando prender seu público. Que venha a continuação! — Breno Costa

Ana de Armas in Knives Out (2019)

12. Fora de Série (Booksmart, 2019)

Direção: Olivia Wilde | Roteiro: Emily Halpern & Sarah Haskins, Susanna Fogel & Katie Silberman
Elenco: Kaitlyn Dever, Beanie Feldstein, Jessica Williams, Jason Sudeikis, Lisa Kudrow, Will Forte, Victoria Ruesga, Mason Gooding, Skyler Gisondo, Billie Lourd, Diana Silvers, Molly Gordon

Sustentei desde minha adolescência um grande carinho por Olivia Wilde, que interpretou personagens gays ou bissexuais em séries de TV (The O.C. e House). Infelizmente, o conjunto de carreira como atriz não é necessariamente invejável, mas há alguns acertos que demonstram seu talento. O que surpreende em sua carreira no audiovisual, entretanto, é sua estreia como diretora em Fora de Série — e talvez mostre sua verdadeira aptidão.

Sim, Fora de Série é mais um filme colegial, contudo isso não é demérito quando se sabe o que está fazendo. Wilde conta uma história com tudo no lugar: timing cômico sem defeitos, com fluidez, sensibilidade, é inclusivo, não possui vilões, e prioriza a amizade feminina acima de tudo. É um filme coming of age que sai do lugar comum, traz duas personagens com profundidade interpretadas por atrizes (Kaitlyn Dever e Beanie Feldstein) que parecem terem nascido para vivê-las (a naturalidade aqui é tanto responsabilidade da direção precisa de Wilde quanto do trabalho de execução das intérpretes). Definitivamente entra pro seleto grupo de filmes do gênero que definiram a década passada — como Lady Bird, Oitava Série e Quase 18. — Rodrigo Ramos

Beanie Feldstein and Kaitlyn Dever in Booksmart (2019)

11. Em Trânsito (Transit, 2018)

Direção & Roteiro: Christian Petzold
Elenco: Franz Rogowski, Paula Beer, Godehard Giese

Em tempos que o filme sobre uma versão fofa e engraçada de Hitler é um dos favoritos do Oscar, é reconfortante ter uma uma obra, infelizmente não tão comentada, que trate o autorismo com a devida seriedade. Em Trânsito, de Christian Petzold, começa com a invasão alemã na França, mas provoca o espectador ao manter o contemporâneo como plano de fundo — a fuga de Georg ocorre em ambientes familiares ao período histórico em que vivemos. O autorismo bestial ainda ocupa nossos espaços, remoer um passado trágico e levar a uma imagética familiar a do espectador é a forma mais eficiente que o cinema pode passar uma trágica mensagem: esse discurso bestial ainda está vivo.

Não faz duas semanas que o presidente do Brasil, Jair Messias Bolsonaro, fez uma declaração eugênica. Não precisamos de filmes que explicam o que é fascismo, ou que façam textos políticos pobres que existem apenas de forma textual na narrativa, o cinema tem o dever de mostrar na imagem, de forma direta e crua, os erros do passado que ainda estamos cometendo. Em Trânsito é o manifesto político essencial de 2019, o nó da garganta no final da projeção não se relaciona com o que ocorreu em determinado período histórico, é porque é análago ao que estamos vivendo. — Fellipe José Souza

Paula Beer and Franz Rogowski in Transit (2018)

10. História de Um Casamento (Marriage Story, 2019)

Direção & Roteiro: Noah Baumbach
Elenco: Adam Driver, Scarlett Johansson, Laura Dern, Ray Liotta, Alan Alda

Dono de filmes bastante intimistas, Noah Baumbach entrega em História de Um Casamento uma espécie de tragédia cotidiana vivida por tantas pessoas no mundo: o divórcio. O agravante: há um filho no meio da separação. Como lidar com o que se quer, o que o outro deseja e respeitar os anseios da criança? Estas são perguntas feitas por Baumbach, que introjeta suas experiências pessoais do divórcio com a atriz Jennifer Jason Leigh para entregar um retrato de duas pessoas que se amam, mas não conseguem conviver juntas, pois individualmente suas necessidades não convergem mais.

Baumbach evita tomar partidos, em uma narrativa que não defende lados, mas expõe as dores de cada um, trabalhando a ideia de que em meio a uma experiência tão traumática não há um lado certo e tampouco há vencedores. Aqui, todos saem perdendo. O diretor/roteirista é meticuloso e controla cada segundo rodado e centímetro na tela, deixando nenhum espaço para improviso. E, neste caso, funciona. Em partes, o longa parece uma peça de teatro transportada para o cinema, portanto a confiança no texto e seus atores é plena. Como resultado, temos Adam Driver e Scarlett Johansson entregando as melhores performances de suas carreiras até então, despidos emocionalmente e em posição de fragilidade. — Rodrigo Ramos

Scarlett Johansson, Azhy Robertson, and Adam Driver in Marriage Story

9. Guerra Fria (Zimna wojna, 2018)

Direção: Paweł Pawlikowski | Roteiro: Paweł Pawlikowski, Janusz Glowacki, Piotr Borkowski
Elenco: Joanna Kulig, Tomasz Kot

Com uma direção impecável, uma fotografia arrebatadora e uma montagem que nos conduz espontaneamente através de quase duas décadas em uma história de amor aparentemente impossível, a brilhante produção de Guerra Fria nos transporta ao período embasada de uma leitura cultural riquíssima, em que acompanhamos a paixão ardente dos protagonistas se fazer sentir constantemente, mesmo quando melancólica e distanciada pelo tempo. Na voracidade imprimida pela atuação de Joanna Kulig, com sua voz inesquecível, e na presença marcante de um sempre sério Tomasz Kot, o cineasta Paweł Pawlikowski mostra que o trágico também tem sua beleza, e que beleza! Ultrarromântico e, ainda assim, completamente sóbrio por conta de sua execução exímia. — Renan Santos

Tomasz Kot and Joanna Kulig in Zimna wojna (2018)

8. A Vida Invisível (2019)

Direção: Karim Aïnouz | Roteiro: Murilo Hauser, Inés Bortagaray, Karim Aïnouz
Elenco: Julia Stockler, Carol Duarte, Flávia Gusmão, António Fonseca, Fernanda Montenegro, Hugo Cruz, Nikolas Antunes, Maria Manoella, Gregório Duvivier

Do diretor cearense Karim Aïnouz, A Vida Invisível retrata a história de duas irmãs, Eurídice e Guida (Carol Duarte e Julia Stockler, excelentes em seus respectivos papeis), no Rio de Janeiro de 1950. Elas são inseparáveis até que o destino faz com que elas sigam caminhos diferentes, primeiro por escolha de uma delas, e posteriormente por imposição e sem conhecimento de ambas.

Se Fleabag, em 2019, contou a história de amor de duas irmãs de forma divertida e otimista, A Vida Invisível segue direção oposta ao narrar uma odisseia de saudade, dor, decepções, perda e violência (psicológica e física). O filme possui uma pesada carga emocional que pode desgastar o espectador no meio do caminho — e seria compreensível. Entretanto, quem permanecer até o fim da sessão, encontrará em A Vida Invisível uma obra gigantesca.

O longa brasileiro é um retrato preciso de várias mulheres — não só no Brasil, mas de vários cantos do mundo. Possivelmente, a história de vida de sua avó seja muito parecida com a de uma das duas mulheres em tela. Com padrão de vida alto ou em situação bastante precária, ainda assim a figura da mulher sofria na sociedade — ainda sofre, claro, mas consegue imaginar o cenário há 70 anos? Aïnouz desenvolve a vida dessas mulheres, as coloca na posição frágil do seu papel na sociedade àquela época e sem possibilidade de independência. O filme é tortuoso sim, mas tem um ponto para tal. E é nos minutos finais que a catarse chega, com Fernanda Montenegro entregando mais uma de suas performances irretocáveis. O desfecho é devastador, e é porque precisa ser. É real. — Rodrigo Ramos

7. Fé Corrompida (First Reformed, 2017)

Direção & Roteiro: Paul Schrader
Elenco: Ethan Hawkes, Amanda Seyfried, Cedric Antonio Kyles, Victoria Hill, Philip Ettinger

No roteiro de Táxi Driver, Paul Schrader versava sobre a condição humana e a alienação motivada pela densidade social e populacional. Não estamos na década de 70; no século XXI, a densidade se tornou habitual, mas as instituições estão ficando porosas, o próprio estado não consegue mais manter a crença de sua população.

Fé Corrompida é um filme sobre declínio de instituições. O reverendo que acredita em Deus, mas entra em um processo mental de conflito contra a religião organizada. A mística de Deus é intocável, as instituições do homem são viciadas. A compreensão do universo e do próprio divino se apresenta apenas quando o reverendo, interpretado por Ethan Hawke, se impõe em relação à estrutura dogmática conservadora, resultando em uma viagem que transcende o corpóreo, com o corpo flutuando em fundo verde, no melhor estilo donBrisseau. A verdade que existe na natureza é a verdade do indivíduo, logo a verdade Divina. — Fellipe José Souza

Ethan Hawke in First Reformed (2017)

6. Homem-Aranha no Aranhaverso (Spider-Man in the Spiderverse, 2018)

Direção: Bob Persichetti, Peter Ramsey, Rodney Rothman | Roteiro: Phil Lord, Rodney Rothman
Elenco: Shameik Moore, Jake Johnson, Hailee Steinfeld, Mahershala Ali, Nicolas Cage, Liev Schreiber, Jacqueline Pinol, June Christopher, Stan Lee, Courtney Peldon, Chrystee Pharris, Lake Bell, Darcy Rose Byrnes, Chris Pine, John Mulaney, Natalie Morales, Zoë Kravitz, Brian Tyree Henry, Michelle Jubilee Gonzalez, Shakira Ja’nai Paye, Kimiko Glenn, Mimi Davila

Em meio ao debate sobre a validade do cinema de super-heróis como arte, é difícil argumentar contra Homem-Aranha no Aranhaverso, um pedaço de cinema que explode em criatividade, excelência, significância cultural, brilhantismo narrativo. E, vale dizer, o filme dirigido em trio por Bob Persichetti, Peter Ramsey e Rodney Rothman não sente nenhuma necessidade de se declarar “por fora” do universo das adaptações de quadrinhos para ser a obra-prima que é. Ao contrário, abraça os elementos dessa linguagem, se delicia na riqueza de cultura pop que ela traz, e entende como nenhum outro filme a sua relevância.

Em Aranhaverso, o super-herói é um ícone de coragem de todas as formas certas. O filme se empenha em sublinhar elementos comuns entre a jornada do herói, tão cara ao cinema de quadrinhos, e a trajetória real dos espectadores de diferentes origens que podem assisti-lo e se espelhar nele. Nesse esforço, é um testamento à positividade do diverso, e um material de inspiração inesgotavelmente vivo. Tecnicamente impecável, o filme é também um caso importante para a valorização da animação e dos elementos finos (como montagem, direção de arte) que muitas vezes desconsideramos, nela, em relação ao live-action. O trabalho de nenhum profissional aqui deixa a dever, ou é menos digno de reconhecimento, do que o de suas contrapartes no mundo do cinema “de carne e osso”. O que conta do físico, aliás, eles têm de sobra: coração. — Caio Coletti

Shameik Moore in Spider-Man: Into the Spider-Verse (2018)

5. Nós (Us, 2019)

Direção & Roteiro: Jordan Peele
Elenco: Lupita Nyong’o, Winston Duke, Elisabeth Moss, Tim Heidecker, Shahadi Wright Joseph, Evan Alex, Yahya Abdul-Mateen II, Anna Diop

Jordan Peele certamente chegou com um estrondo, ocupando seu lugar no horror com o angustiante Corra!, em 2017. Desde então, todos os olhos se voltaram para o cineasta e para seu segundo longa-metragem, Nós. A divulgação do filme foi envolta em mistérios e teorias, e todos os fãs de Peele já estavam ávidos para amar o longa-metragem antes mesmo de seu lançamento. Ainda assim, o filme conseguiu nos surpreender. Como o projeto anterior de Peele, trata-se de um filme carregado de simbologias e críticas sociais, mas que também funciona na escala mais básica do horror psicológica. Nós certamente figura como um dos melhores filmes de terror, não apenas do ano, mas da década. E boa parte disso se deve à interpretação genial de Lupita Nyong’o — que aqui, faz dois papéis diametralmente opostos e divergentes (o que torna ainda mais revoltante sua exclusão do Oscar de Melhor Atriz deste ano). Um filme sobre dualidade, política, o medo do outro e o mistério do duplo. E sem dúvidas, mais uma obra-prima de Jordan Peele. — Gustavo Fiaux

Lupita Nyong'o in Us (2019)

4. Bacurau (2019)

Direção & Roteiro: Juliano Dornelles, Kleber Mendonça Filho
Elenco: Bárbara Colen, Thomas Aquino, Silvero Pereira, Sônia Braga, Udo Kier

Filmes bons existem aos montes. Filmes ótimos, em bom número. Filmes excelentes, o bastante. Filmes como Bacurau, no entanto, são artigo raro — não porque sua qualidade extrapola algum nível de sublime acima dos outros, mas porque sua linguagem é uma quebra fundamental com o discurso predominante no fluxo cultural em que ele foi criado. Ele é, literalmente, a frente (ou, ao menos, por fora) de seu tempo.

A dupla de diretores e roteiristas formada por Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles aproveita os clichês da ficção científica e do filme de vingança para escrever, nas entrelinhas, um manifesto de inversão moral. Aqui, os heróis são pessoas por quem não estamos acostumados a torcer em nenhuma narrativa de massa, nem mesmo no Brasil. Não só nordestinos, aliás, como pobres, negros, professores, indivíduos que atuam em áreas profissionais marginalizadas, pessoas LGBTQ+. Mendonça Filho e Dornelles, com a ajuda de um elenco afinadíssimo e trabalhos instantaneamente icônicos de caracterização e direção de arte, operam uma perversamente, deliciosamente acertada subversão narrativa. Não é exagero dizer que a potência e popularidade de Bacurau são revolucionárias. Filmes brilhantes são lançados todos os anos. Filmes como este acontecem uma vez (com sorte) a cada geração. — Caio Coletti

Sônia Braga and Luciana Souza in Bacurau (2019)

3. Dor e Glória (Dolor y gloria, 2019)

Direção & Roteiro: Pedro Almodóvar
Elenco: Antonio Banderas, Asier Etxeandria, Leonardo Sbaraglia, Nora Navas, Julieta Serrano, César Vicente, Asier Flores, Penélope Cruz

Quando um dos maiores cineastas vivo faz um filme legado como Dor e Glória, o mundo se desdobra para assistir, absorver, adicionar à memória afetiva de obras inesquecíveis da vida de cada um. O mais prazeroso neste caso, no entanto, é o quanto Dor e Glória é honesto, e sábio, e generoso — o quanto ele captura o melhor do seu autor, Pedro Almodóvar.

Esparramado aqui está não só tudo de evidente e notório, mas também tudo de sutil e subliminar, na obra do mestre espanhol. A direção de arte em cores e formas vivas é tão destaque quanto o espectro riquíssimo de arrependimentos, entregas, saudosismos, celebrações, perdões, ressentimentos e alegrias que florescem e se encerram nela.

Um filme cuidadoso e completo, Dor e Glória eterniza o retrato genuíno da experiência LGBTQ+ que Almodóvar trouxe para o glossário cinematográfico, sempre de maneira tão franca e particular. Transbordando sensualidade de maneira integral (visual e afetiva), é um filme de sangue quente, sim, mas também de caso pensado. E tem um Antonio Bandera soberbo, que, nas suas próprias palavras em entrevistas durante a temporada de premiações, deixa de lado truques e técnicas para dar espaço para a verdade. É mesmerizante acompanhá-lo em tela, com a desenvoltura de quem faz de si veículo para o autorretrato de um grande artista que é também um grande amigo. — Caio Coletti

Antonio Banderas in Dolor y gloria (2019)

2. A Favorita (The Favourite, 2018)

Direção: Yorgos Lanthimos | Roteiro: Deborah Davis, Tony McNamara
Elenco: Olivia Colman, Emma Stone, Rachel Weisz

Desde o começo da década, o grego Yorgos Lanthimos veio se mostrando um dos cineastas mais promissores ao fazer a transição do cinema grego para o circuito de língua inglesa. Conhecido por seu estilo nada ortodoxo, sempre trabalhando no limite do bizarro e propondo um tipo de atuação quase robótica, não seria uma escolha natural para uma produção de época sobre a realeza britânica. Ao invés de priorizar a encenação de acontecimentos históricos, o filme desenvolve um estudo das relações humanas, focando nas disputas de poder entre duas damas de companhia (Rachel Weisz e Emma Stone) pelo favoritismo da Rainha Ana do Reino Unido, papel que rendeu uma série de prêmios à Olivia Colman.

Com um roteiro ágil e repleto de diálogos ácidos e marcantes, uma fotografia que valoriza a luz natural dos ambientes e exagera a distorção com o uso de lentes olho-de-peixe, uma direção de arte carregada no estilo Barroco em contraste com os figurinos numa paleta de cores bicromática, opondo o branco ao preto, e a montagem que equilibra o trio de protagonistas e se vale de sobreposições e fusões para criar sentidos, não há nada no âmbito técnico que não se destaque ou fique sobrando. É um filme que tinha tudo para ser uma grande confusão espalhafatosa e exagerada, porém graças à orquestração de Lanthimos ele se tornou uma obra-prima singular e que merece destaque na década. — Rafael Bürger

Rachel Weisz and Olivia Colman in The Favourite (2018)

1. Parasita (Gisaengchung, 2019)

Direção: Bong Joon-Ho | Roteiro: Bong Joon-Ho, Jin Won Han
Elenco: Kang-ho Song, Sun-kyun Lee, Yeo-jeong Jo, Woo-sik Choi, So-dam Park, Jeong-eun Lee, Hye-jin Jang, Ji-hye Lee, Ji-so Jung, Myeong-hoon Park, Seo-joon Park

Parasita é o filme que simboliza como a Coreia do Sul se profissionalizou ao longo da década para comercializar uma imagem positiva do seu país e chamar a atenção de turistas (o k-pop também foi fundamental nisso). O que, curiosamente, serve como ironia sendo Parasita o filme que é. O longa se tornou um sucesso internacional estrondoso, incluindo nas premiações nos Estados Unidos e Reino Unido, ao narrar uma história que subverte as expectativas do espectador, transita entre gêneros, é conduzido como se fosse uma orquestra ou uma ópera, com primor técnico invejável e criatividade de sobra. Acima de tudo isso, é uma obra com uma história sólida e que denuncia um lado não-comercializado da atual Coreia do Sul nos mercados internacionais; um país que acumula grandes riquezas, porém nas mãos de poucas pessoas (os 10% mais ricos do país possuem 45% da renda), criando assim uma crise de desigualdade que faz pessoas pobres morarem em locais no subsolo na capital do país e com pouquíssimas oportunidades de ascensão social. Para se ter ideia, segundo pesquisa de 2015, mais de 860 mil sul-coreanos, de uma população total de 51,4 milhões, vivem nesse tipo de moradia onde reside a família Kim. Sim, Parasita é impecável em todos os sentidos de execução, mas certamente o que fez o filme ressonar no mundo inteiro é o fato de retratar algo notado em todo o planeta: a falência do capitalismo. — Rodrigo Ramos

Fizeram parte desta eleição:
Breno Costa
, roteirista.
Caio Coletti, jornalista e colaborador do site UOL.
Carissa Vieira, roteirista, formada em Cinema e Audiovisual.
Diego Benevides, jornalista, crítico, curador e pesquisador de cinema. Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal do Ceará (PPGCOM-UFC), membro da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine) e sócio-fundador da Associação Cearense de Críticos de Cinema (Aceccine). Pela Abraccine, participou como autor de cinco livros, entre eles Trajetória da Crítica de Cinema no Brasil (Editora Letramento, 2019).
Diego Quaglia, cineasta, roteirista e crítico de cinema e audiovisual.
Fellipe José Souza, estudante de Cinema e colaborador do Previamente.
Gustavo Fiaux, formado em Cinema e Audiovisual pela Universidade Federal de Pernambuco, crítico, roteirista, diretor de arte, e redator do portal Legião dos Heróis.
Luis Carlos, administrador do grupo Crônicas de Séries.
Rafael Bürger, bacharel em Imagem e Som pela UFSCar e cineclubista.
Renan Santos, formado em cinema, crítico e newsposter no site Cine Eterno.
Roberto Sadovski, jornalista e crítico de cinema, escreve sobre cinema para o site UOL.
Rodrigo Ramos, jornalista, editor do site Previamente, foi programador de cinema na Cineramabc Arthouse.

Textos por Breno Costa, Caio Coletti, Fellipe José Souza, Gustavo Fiaux, Luis Carlos, Rafael Bürger, Renan Santos & Rodrigo Ramos

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