Melhores Séries (Drama) da Década de 2010

Mad Men, Breaking Bad, Rectify, The Good Wife e The Leftovers estão presentes na lista. 

Trazemos para você a lista definitiva do que houve de melhor na TV durante a década de 2010, entre episódios, atuações e séries.

Confira abaixo as melhores séries (drama) da década de 2010.

MELHORES SÉRIES (DRAMA)

11. Feud: Bette and Joan

Quando saiu a notícia de que Ryan Murphy seria responsável por uma série antológica que falaria sobre tretas famosas, pensei: “amiga, você tá bem?”. Murphy é flamboyant demais e isso parecia o tipo de projeto que daria muito errado. Quando Feud: Bette and Joan finalmente estreou, fui assistir, mais por curiosidade mórbida e pela admiração por Jessica Lange e Susan Sarandon do que esperando algo com substância de fato. É claro que Murphy e sua equipe não deixam de lado o glamour, mas episódio após episódio nota-se que a série (que hoje é considerada minissérie já que o autor desistiu de contar novas tretas) tem realmente uma proposta que vai além do superficial e genuinamente leva a algum lugar.

Feud aborda como a indústria hollywoodiana, dos estúdios aos tabloides, trabalham para fomentar a rivalidade feminina e lucrar com isso. E como duas mulheres, Bette Davies e Joan Crawford, ambas talentosas, cada uma do seu jeito, passaram a vida se digladiando por conta de uma sociedade machista que busca isso — e infelizmente pouca coisa mudou nesse sentido. A série não está interessada apenas em mostrar as farpas entre as duas (há tempo para isso, rendendo cenas engraçadíssimas), mas também entendê-las, ver como cada uma se sentia, suas vidas pessoais minadas em detrimento à carreira, como lidavam com a indústria do jeito que era, o ageismo que enfrentaram, as mágoas e os arrependimentos. Feud toma todo cuidado para fazer o retrato mais justo possível dessas duas figuras e alcança a excelência em produção, execução e atuação. Feud: Bette and Joan é de partir o coração. Um trabalho excepcional, o melhor de Murphy até aqui. — Rodrigo Ramos

10. Fargo

Esta é uma lista das melhores séries da década, contudo acho necessário começar falando de um filme: Fargo, de 1996. Defenderei essa obra incrível até a morte. E o fato de que Noah Hawley conseguiu trabalhar em cima de algo que já era perfeito, e aperfeiçoar… Bom, não sei nem se existem adjetivos para melhor do melhor. Hawley pega o conceito, tom e parte da trama do filme original, para construir esta que é, ao meu ver, a série de antologia mais bem estruturada como tal. Levando a seu máximo potencial, o conceito de temporadas conectadas por uma temática ou um local, e com novos elencos e personagens a cada iteração. Apropriando-se de uma história que tem em seu cerne o absurdo da violência até nos espaços mais ermos da sociedade, ele constrói um universo próprio e uma saga de crimes que costura por, pelo menos, os últimos 50 anos de história americana. Mas que encorpasse também todo o passado mítico da fronteira oeste, conquistada em meio a banhos de sangue, extermínios tão ou mais bizarros quanto o Massacre em Sioux Falls, centro da segunda temporada da série, evento o qual só chega a seu fim com a misteriosa e inexplicável aparição de alienígenas.

E é exatamente nessa segunda temporada, já sem obrigações formais ou narrativas com o seu “material de origem”, que Fargo cresce e solidifica seu posto nesta lista de melhores da década. Construindo a origem da máfia de Fargo em um pitoresco 1979, onde Regan faz sua campanha presidencial por Minnesota, enquanto uma cabeleireira presa na cidade pequena sonha com seus filmes ao assisti-los na televisão e com uma fuga para a última fronteira nacional, a Califórnia, essa temporada resume todo o conceito da série em momentos e personagens icônicos: falhas de comunicação que geram guerras ininterruptas, sonhos que muito excedem nossas possibilidades, e pessoas comuns jogadas em meio ao terror descontrolado da luta por poder, tudo isso em um envelope de farsa e absurdo que apenas revela a falta de sentido de nossas vidas diárias, em meio a um esquema cósmico desconhecido, e nossas tentativas inúteis de procurar explicações para uma existência cuja única certeza é a morte (estou apenas citando a jovem Noreen, uma adolescente de Minnesota que acaba de descobrir a obra do autor francês Camus).

Se o que ocorre no universo de Fargo parece irracional, a série não nos deixa esquecer que, apesar de seu tom absurdo e, por vezes, cômico, ela está sim presa a uma realidade. Talvez mais bem costurada, com fios narrativos vivos mais bem tramados do que estamos acostumados, mas que, por fim, tudo é baseado em fatos, onde nomes são mudados para preservar os que sobreviveram, mas a história é mantida, em respeito aos tantos que morreram na jornada. — Mariana Ramos

9. Watchmen

É dezessete de dezembro de 2019; dois dias atrás, a série Watchmen terminou sua primeira temporada. É outubro de 2015; a HBO considera Zack Snyder para a adaptação de Watchmen para a TV. É setembro de 2020; Watchmen perde o Emmy de Melhor Série Dramática, trazendo ao showrunner Damon Lindelof mais uma derrota nas premiações. É vinte de outubro de 2019; Watchmen acaba de ser lançada e fãs reclamam de não entender nada. É setembro de 2017; Damon Lindelof se descobre branco em uma sala de roteiristas cheia de pessoas negras. É setembro de 2004; o vôo 815 da Oceanic Airlines desaparece. É vinte e quatro de novembro de 2019; o melhor episódio de 2019, “This Extraordinary Being”, acaba de ser lançado, trazendo mais uma vez a hashtag #wokemen às primeiras posições do Twitter. É novembro de 1985; uma lula gigante cai sobre Nova York. É dezesseis de dezembro de 2019; uma segunda temporada de Watchmen é incerta. É quinze de maio de 2021; a versão de diretor de Liga da Justiça finalmente é lançada e é um dos grandes cotados para o Oscar de 2022 em direção. É quinze de março de 2078; Regina King é uma deusa azul. É catorze de outubro de 2011; dois por cento da população mundial desaparece. É dezembro de 2019; quem lacra não lucra, mas a Variety chama Watchmen de “sucesso boca a boca” e uma das melhores temporadas da década. É vinte e três de maio de 2010; Jack Sheppard morre. É abril de 2022, a segunda temporada de Watchmen, sob o comando de Zack Snyder e Jonathan Nolan, é um fracasso de audiência e a HBO decide não renovar a série para uma terceira temporada. É vinte e quatro de abril de 1973; a música “Tie a Yellow Ribbon Round the Ole Oak Tree”, de Dawn com participação de Tony Orlando, é um sucesso nas rádios. É setembro de 2020; Regina King perde o Emmy de Melhor Atriz para Ellen Pompeo, por Grey’s Anatomy. É setembro de 2054; Watchmen é lembrada como um marco televisivo e Damon Lindelof ganha um Emmy pelo conjunto da obra. É fevereiro de 2022; Zack Snyder ganha o Oscar de direção pela versão de diretor de Liga da Justiça. — Breno Costa

8. The Good Fight

Mesmo havendo bons exemplos de spinoffs que deram certo, nem sempre é o caso. E quando você faz algo tão bom em primeiro lugar, talvez seja melhor não mexer mais naquilo. Ainda assim, esta década foi marcada por revivals, reboots e spinoffs. Com o final de The Good Wife (grande série, porém finale medíocre), não se esperava um novo caminho para seus personagens (ou parte deles) no futuro. Mas foi o que aconteceu. Robert e Michelle King se juntaram para continuar a narrativa de Diane Lockhart (Christine Baranski) e, em tese, seria algo muito parecido com a série que a originou, todavia as circunstâncias do planeta fizeram com que no meio do caminho (de maneira mais notável a partir do seu segundo ano) a série tomasse outros rumos e ganhasse personalidade própria, exatamente o que fez dela única. Devido ao clima político de extremos e personalidades poderosas infantis que mais do que flertam com o autoritarismo, os roteiristas decidiram incorporar esses paralelos da vida real na trama. Sim, The Good Wife conseguia trazer esses elementos da atualidade para dentro da narrativa, mas The Good Fight faz isso com mais frequência, ficando até longe de tribunais e seguindo seu rumo. Para alguns, o tom político e crítico contra republicanos e a direita burra pode acabar incomodando. Dentro do possível, os Kings até tentam se manter isentos (como no episódio em que traz um caso de assédio baseado naquele reportado envolvendo o ator/roteirista/diretor Aziz Ansari, de Master of None), e até creem que é possível dialogar com os dois lados (o relacionamento de Diane e Kurt e de Marissa com Julius são prova disso), mas desde que seja fogo amigo e não pura insanidade (caso da presença de Roland Blum, o advogado interpretado por Michael Sheen na terceira temporada).

Em três anos, The Good Fight experimentou muito, em especial na terceira temporada, inserindo monólogos quebrando a quarta parede, personagens cantando, curtas musicais dentro dos episódios (nem sempre necessários, mas digamos que 70% deles contribuem de fato), Gary Carr (ator conhecido por Downton Abbey) interpretando uma versão de si mesmo, uma espécie de Taylor Swift (ou Anitta, trazendo à nossa realidade brasileira) isentona politicamente, uma suposta Melania Trump, ASMR (sim!). Além disso, os Kings, com uma sala de roteiristas mais diversa do que no passado e também um elenco igualmente diverso (e excelente, diga-se de passagem), aprendeu a trabalhar com questões que eram altamente problemáticos no passado, como privilégio branco, brutalidade policial, racismo puro e o estrutural. O spinoff desafia o espectador a separar o que é real e o que é ficção e isso é lindo demais, especialmente quando nota-se que bater em nazistas não é apenas justificável ou aceitável, é o correto a se fazer. The Good Fight é uma série inesperada, atual, audaciosa e extremamente competente em 95% do que se propõe a fazer. — Rodrigo Ramos

7. Downton Abbey

Downton Abbey é uma das melhores séries da década. Ponto. Não só pelo seu apreço à estética da época que representa, como por exemplo no uso das roupas, trejeitos e expressões, mas pelo roteiro escrito ao longo de seis temporadas exclusivamente pelo seu criador, Julian Fellowes. Fellowes entende bem a aristocracia que quer repassar nas telas, mas, mais ainda, o quão risível ela pode ser. Ao dividir sua história entre a rica família cuja propriedade dá nome à série e seus empregados, Fellowes dosa bem as questões quase sempre fúteis da aristocracia e os desafios das classes mais pobres, quase sempre funcionando uma como espelho da outra. Ao mostrar a constante perda de prestígio de uma classe que vem durando tempo demais, o autor ainda passeia por questões importantíssimas à época da série, mas que também refletem os tempos atuais, como exemplo a participação da mulher na política e nos negócios, a possibilidade de as classes mais pobres ascenderem socialmente, e a constante batalha de costumes entre gerações que não entendem os anseios umas das outras. Contando ainda com atuações memoráveis, como Maggie Smith (que faz a incrível e ácida Violet Crawley), Downton Abbey possui cenas e diálogos memoráveis, que mais do que explicam como a série alcançou o posto de uma das melhores da década. — Breno Costa

6. The Good Wife

Ok, o final de The Good Wife é péssimo. Tenebroso. Um desastre. Daqueles que a gente tem que esquecer que aconteceu para não correr o risco de arruinar a série inteira. Que fez a gente se perguntar se os King entenderam a história que estavam contando mesmo e se sabiam o que estavam fazendo. Que me deixou totalmente resistente a The Good Fight, de modo que eu só comecei a assistir o melhor drama da atualidade depois da segunda temporada. A última temporada como um todo é bem inconsistente e passa longe do genial. A segunda metade da sexta temporada idem, várias boas possibilidades frustradas por decisões narrativas equivocadas. Então o que The Good Wife está fazendo nesta lista? Bom, ela está aqui por suas outras cinco temporadas e meia, e os gloriosos 120 episódios de 156, o que está longe de ser uma “boa fase”. Nada contra séries curtas, inclusive Fleabag, eu te amo, mas é inegável que sustentar seis, 12 ou 18 episódios no total é muito diferente (e sem dúvida mais simples) do que segurar a peteca por 120 (com temporadas de 22/23). Ainda mais quando a atriz que faz a protagonista é uma pessoa uó e resolve que não vai mais contracenar com a atriz que interpreta sua melhor amiga porque ela ganhou um prêmio. Mas durante esses 120 episódios, The Good Wife foi quase impecável. Não é necessariamente a série que eu considero a melhor que já vi falando friamente, mas foi sem dúvida a que mais me moveu e mais me deixou obcecada. Eu literalmente contava meu tempo em episódios de The Good Wife (“essa fila de banco tá demorando quase dois episódios já”). Eu revi a maior parte da série com uma amiga, e depois revi boa parte com outra (porque, sim, eu enchi o saco para todos os meus amigos verem). E há construções narrativas dentro de The Good Wife que figuram entre as melhores coisas que eu já vi na televisão (como da metade da quarta até a metade da quinta, ou seja, 22 episódios sem defeitos). É uma série que soube ir se adaptando, tocando em temas relevantes para cada momento e trazendo debates para a televisão aberta que poucas obras teriam coragem de sustentar (como a violência sexual contra prostitutas logo no segundo episódio da série, ou a brutalidade policial contra a população negra no momento em que o Black Lives Matter surgia, ou ainda o caso da loja que se recusou a fazer um bolo para um casamento LGBT, pouco depois do caso real), assim se mantendo fresca mesmo sendo tão longa. O mesmo aconteceu na forma: os casos da semana foram perdendo força e dando espaço cada vez maior para uma narrativa de arco de temporada. The Good Wife está aqui porque foi e continua sendo uma das obras mais relevantes para qualquer pessoa que trabalha com TV, que estuda narrativa e mercado televisivo, ou que simplesmente viveu um caso de amor com Alicia, Will, Diane, Kalinda, Cary, Eli (você não, Peter) por gloriosos 120 episódios. — Luiza Conde

5. Rectify

Rectify, a série do SundanceTV que estreou em 2013 e encerrou em sua quarta temporada em 2016, é indiscutivelmente um dos melhores dramas da década (pra mim, o melhor). Criada pelo ganhador de Oscar Ray McKinnon, Rectify nos conta a história de Daniel Holden, um homem que viveu 19 anos no corredor da morte por ter se declarado culpado pelo estupro e assassinato da sua namorada aos 16 anos. O nosso ponto de partida é quando a série começa com ele ganhando a chance de sair em liberdade para esperar pelo rejulgamento depois que sua irmã, Amantha (Abigail Spencer), consegue que a corte faça teste de DNA nas roupas da vítima e não encontra compatibilidade genética com Daniel. Mas só porque nada foi encontrado, não quer dizer que Daniel não é culpado.

A série é um retrato muito bonito, denso e muitas vezes amargo de uma história que mostra um protagonista conturbado por passar 19 anos achando que iria morrer tendo o vislumbre de uma chance de viver novamente, mostrando como essa transição não é nem um pouco fácil para Daniel, nem para a sua família e nem para os habitantes da sua cidade natal. A trama conta com um roteiro irretocável e com um equilíbrio preciso entre momentos extremamente silenciosos e contemplativos com monólogos e diálogos longos e filosóficos, e que diferente do tom de muita série por aí, Rectify consegue entregar tudo isso de forma muito natural, sem parecer que está tentando demais ou que está forçando a barra, e muito do mérito disso, além da escrita de Ray McKinnon (que escreveu 17 dos 30 episódios da série), vai para o elenco que é extremamente afiado e comprometido com a história e suas personagens.

Rectify é um dos grandes tesouros escondidos da televisão (inclusive, acho importantíssimo ressaltar que a quarta e última temporada da série é a temporada com maior nota no Metacritic), e talvez permaneça escondida, o que é uma pena, mas é uma jornada que impactou a televisão como arte de forma que poucas séries impactaram. — Régis Regi

4. The Americans

The Americans é aquele artigo dos mais raros na década da Peak TV. Uma série que não quer impressionar com pirotecnias ou ousadias narrativas, que só busca contar a sua história da maneira mais competente possível, e deixar que o poder dela fale por si próprio. E a história de Elizabeth (Keri Russell) e Philip (Matthew Rhys), espiões soviéticos que posam como uma família norte-americana qualquer em plena Guerra Fria, falou alto durante as seis temporadas em que ficou no ar.

A produção criada por Joe Weisberg e Joel Fields trouxe um tratado de complexidade em tempos de analfabetismo político e emocional. O preço pago por pessoas que entregam tudo o que têm a uma causa (“Nós temos o direito de ter uma vida, sabia?”, diz Philip no final da quinta temporada. “Eu não posso, eu simplesmente não posso”, responde Elizabeth), o amadurecimento e o envelhecimento que levam a uma desilusão com a ambiguidade moral da vida adulta (“Às vezes, você não deseja voltar a ser uma criança?”, pergunta a filha mais velha do casal, Paige, no fim do quarto ano) — tudo está aqui, borbulhando abaixo da superfície, mascarado nas artificialidades do subúrbio norte-americano.

The Americans nunca deixou que o seu apuro visual se sobrepusesse ao trabalho narrativo, mas a direção brilhou quando foi preciso: nomes como Daniel Sackheim (“Baggage”, 3×02), Larysa Kondracki (“Stingers”, 3×10), Stefan Schwartz (“Harvest”, 6×07) e até o ator Noah Emmerich (“Lotus 1-2-3”, 5×05) mostraram que um trabalho brilhante não se faz com truques de câmera ou elaborações cenográficas épicas — que, ao contrário, tudo precisa servir à história. Em uma era de TV encapsulada (infelizmente) por Game of Thrones, é uma atitude que precisamos celebrar. — Caio Coletti

3. Mad Men

No primeiro episódio de Mad Men, “Smoke gets in your eyes”, somos testemunhas pela primeira vez de um dos momentos mágicos de criação e revelação que fazem de Don Draper um dos melhores publicitários de Nova York. Ao mesmo tempo, em suas palavras, ele nos entrega toda a jornada emocional da série. “A publicidade é baseada em uma coisa, felicidade. E vocês sabem o que é felicidade? Felicidade é o cheiro do carro novo. É estar livre do medo. É um outdoor na beira da estrada que grita, reconfortante, que o que você fizer, está certo. Que você está certo”. Essa busca pela felicidade e pela forma mais atrativa de vendê-la, enquanto afirma-se que qualquer coisa que se faz para atingi-la é correto, é parte integral da série. É uma busca que envolve e escapa a todos os personagens.

Mad Men existe em um espaço de reconstrução, mudança e turbulência social, na qual uma certa América precisa morrer para dar lugar a uma nova nação, mais jovem, mais deslumbrada, mais visual, mais perdida dentro de si. E nesse cenário, Don Draper existe mais como uma ideia do que uma pessoa em si: ele é o homem que se reinventa, que renasce dos restos do primeiro conflito americano da Guerra Fria, rouba a identidade de outro homem e passa a viver a vida com a qual acha que sempre sonhou, e que tenta encapsular e (re)criar com suas campanhas. Mas essa vida é apenas uma fachada, um outdoor como qualquer outro. De forma brilhante, com texto e atuações primorosos, a série nos leva pelos anos 60, através de eventos que marcaram a década e forjaram o ideal americano. Os momentos mais inspirados da obra eram aqueles nos quais a sua fórmula básica — funcionando quase como um procedural, com uma campanha por semana –, conseguia se misturar e refletir perfeitamente a busca diária por felicidade de seus personagens. Seja Lucky Strike, nos encobrindo sob uma cortina de fumaça, que não nos permite ver a realidade dos personagens, ou Samsonite, que precisa vender o ideal de deslocamento e força em meio a negação da perda dos rastros de um passado, somos lembrados constantemente que tudo não passa de um slogan, com uma arte apropriada para o momento, tentando dissimular as fissuras e problemas da vida normal, em um faz de conta perfeito.

Todos os personagens buscam pela felicidade e tentam se reconstruir em meio aos destroços do passado, escondendo as pessoas que foram e que querem esquecer, assim como suas campanhas tentam dar novas roupagens às marcas que atendem. Mas, se a agência de publicidade que está no centro da série consegue fornecer esse serviço para seus clientes, não é algo que está disponível para os seus protagonistas. Sempre haverá um Dick Whitman, filho bastardo e pobre de uma prostituta, uma Peggy que nunca saiu do hospício, uma Betty iludida e em frangalhos, uma Joan que foi estuprada pelo homem com quem ia se casar. É dessas pessoas que eles tentam fugir, e é a impossibilidade que os move diariamente em seus trabalhos, e que faz dessa uma das séries mais perfeitas, filosóficas e melancólicas da década. — Mariana Ramos

2. Breaking Bad

Até onde você é capaz de ir pela sua família? Essa é a questão inicial de Breaking Bad, mas que aos poucos começa a modificar-se e se transforma. Até onde você é capaz de ir pelo poder? Qual é o limite da moralidade? Breaking Bad é uma espécie de teste de caráter para seu protagonista Walter White e que muita gente se depara no dia a dia, ainda que guardadas as devidas proporções. É fácil dizer que é honesto e apontar dedos, mas se dada a oportunidade, você roubaria, trapaçaria, enganaria? A maioria talvez não o fizesse, mas digamos que a vida real está cheia de exemplos contrários, a exemplo da corrupção política, que não é pouca, desde as câmaras municipais de vereadores até o mais alto escalão federal.

No começo de tudo, o intuito de Walter White vem de um lugar muito positivo. Professor de química de escola pública, ele descobre que tem câncer e que logo deve morrer. Isto porque graças ao sistema de saúde dos Estados Unidos, seria impraticável ele se tratar da enfermidade, pois a conta seria quase milionária. Ele deixaria um filho com alguns problemas, uma esposa grávida e desempregada, sem nenhum tostão. A partir daí começa a fazer metanfetamina, mas só até angariar um valor suficiente para deixar uma vida confortável para a família. Entretanto, ao longo das cinco temporadas, Walt vai deixando a fome de poder tomar conta dele. Pouco a pouco, ele vai trilhando um caminho sem volta de um jeito que a pessoa que um dia foi simplesmente não está mais lá. A cada escolha imperdoável (ver Jane tendo uma overdose e se afogando com o próprio vômito, envenenar uma criança, matar o adversário, entregar o próprio companheiro para ser torturado), Walt vai se despindo da decência humana e é tomado pela ganância. De figura frágil, pai de família e amável com todos, ele se torna dissimulado, imponente, implacável, refém do próprio ego. Mas assim como a série mostra sua ascensão, ela também exibe sua queda e, não sendo moralista, condena e entrega as consequências das escolhas desse personagem.

No meio disso, também temos espaço para refletir sobre relacionamentos abusivos (visivelmente é isso que acontece entre Jesse e Walt), enquanto a série faz um excelente trabalho em costurar perfeitamente essa grande narrativa, fazendo de cada personagem um estudo de caso. Breaking Bad também ajudou a popularizar a alta qualidade técnica na TV, empregada mais no cinema até então. O trabalho caprichado em fotografia (sabe, tem cor!, diferente das séries da HBO no início dos anos 2000), curadoria musical, direção, além de um elenco cujo cada ator entrega tudo de si foram marcas registradas da série, que criou identidade própria e facilmente é reconhecida. Seja você fã de carteirinha do todo ou apenas mero apreciador das atuações, é inquestionável a importância da série para a evolução da TV nesta década. — Rodrigo Ramos

1. The Leftovers

O ser humano encontra diversas formas de lidar com a dor. Enquanto alguns conseguem seguir em frente por conta de uma perda ou de alguma situação traumática, outros não têm o mesmo sucesso. Por mais que o tempo tenha passado desde a Partida Repentina — quando 2% da humanidade simplesmente desapareceu da face da Terra — ainda há os resquícios das dores. The Leftovers mergulha na psique humana sem o intuito de criar várias explicações, mas faz questão de desenhar esses personagens complexos, suas crenças e como lidam com a dor. De Laurie à Kevin Sr, de Matt à Nora, cada um deles acredita em alguma coisa e a fé é que os alimenta — religiosa ou não. Na terceira temporada, por exemplo, uns creem que Kevin Jr representa o novo Jesus Cristo, Nora acredita que uma máquina irá levá-la para seus filhos que partiram, e há aquele que alega ser Deus encarnado. Já na segunda temporada, Erika e John preferem acreditar que sua filha tenha sido levada em uma nova onda da Partida e não que ela simplesmente fugiu. Tais crenças têm a ver com a necessidade do ser humano de se agarrar a algo, buscar alguma razão para explicar o que não entendem, ter alguma motivação ou sentido para sobreviverem. Independente de elas serem verdade ou não, os indivíduos são responsáveis por suas ações, sempre, mas é mais fácil se escorar em livros escritos há mais de 2 mil anos, suposições e teorias não comprovadas. O conforto, afinal, vem de várias formas, e esses personagens estão em constante procura de se curarem de feridas abertas. The Leftovers dá abertura para várias interpretações e isso a torna extremamente fascinante.

The Leftovers conseguiu provar que uma série pode se renovar a cada ano, trocando de ambientação, mas sem perder a identidade e a qualidade. E, de algum jeito, conseguiu ir se superando ano após ano. Programada para ser finalizada em seu terceiro ano, Damon Lindelof e Tom Perrota souberam dar vida aos personagens, construir seus arcos narrativos e entregar um final satisfatório para cada um deles, dando-lhes sustentação, motivação e relevância. Cada episódio tem sua cara própria, desde o primeiro até seu derradeiro ano, e toda a equipe parece estar se superando, desde o elenco até os profissionais técnicos (fotografia, direção de arte, efeitos visuais, maquiagem e trilha sonora são apenas alguns dos destaques que atingem a excelência ao longo dos três anos, além do roteiro e direção). A série se foca em contar histórias e não em explicar os motivos da Partida, deixando este entre outros mistérios em aberto para interpretação e imaginação do espectador, e se encerra de maneira sublime, delicada e inesperada. Trabalhando constantemente com a dor que é estar vivo e machucado (ou seja, ser humano), The Leftovers termina como uma história consistente e coesa, e que se encerra em sua nota mais alta, deixando uma mensagem de redenção, amor e esperança. Por ser tão eficiente, inventiva, contar com elenco impecável (Carrie Coon merece uma estátua de monumento histórico da TV por sua performance na série) e colocar seus personagens acima dos mistérios e a grande narrativa é que The Leftovers se consolidou como referência no meio audiovisual (ainda que as premiações não tenham dado o devido valor) e se consolida como o melhor drama da década de 2010. — Rodrigo Ramos

Menções honrosas: Better Call Saul, SuccessionThe NewsroomThe CrownHannibalFringe.

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O corpo de jurados citou, durante a eleição, 57 atores coadjuvantes, 60 atrizes coadjuvantes, 46 atores, 40 atrizes, 73 episódios, 19 séries de não-ficção, 52 séries de comédia e 47 séries de drama. Na lista final apareceram 48 séries ao todo:  The Leftovers (8 menções), The Good Wife (6), Breaking Bad (6), Mad Men (5), The Americans (4), Veep (3), Feud: Bette and Joan (3), BoJack Horseman (3), American Horror Story (2), Parks and Recreation (2), Fleabag (2), Rectify (2), Downton Abbey (2), Atlanta (2), The Handmaid’s Tale (2), Watchmen (2), American Crime (1), Seven Seconds (1), Better Call Saul (1), The Crown (1), Fringe (1), Brooklyn Nine-Nine (1), Game of Thrones (1), Orange is the New Black (1), True Detective (1), When They See Us (1), Pose (1), Hannibal (1), Sherlock (1), RuPaul’s Drag Race (1), America to Me (1), Full Frontal with Samantha Bee (1), Making a Murderer (1), The Jinx: The Life and Deaths of Robert Durst (1), O.J.: Made in America (1), Last Week Tonight with John Oliver (1), Patrick Melrose (1), The Comeback (1), American Crime Story: The People v O.J. Simpson (1), Barry (1), The Good Place (1), Master of None (1), Community (1), Enlightened (1), Fargo (1), The Good Fight (1), Homeland (1), Top of the Lake (1).

Fizeram parte do júri
Alynne Carvalho, farmacêutica, mestre em Fisiologia, já colaborou nos sites LoGGado e Cine Alerta. Angelo Bruno, estudante de Letras — Licenciatura em Português. Ana Bandeira, publicitária, mestre em Comunicação Social, colunista do site Ligado em Série. Breno Costa, roteirista. Caio Coletti, jornalista e colaborador do site UOL. Carissa Vieira, roteirista, formada em Cinema e Audiovisual. Cristian Dutra, administrador do grupo Crônicas de Séries. Dana Rodrigues, editora do site Diário de Seriador. Diego Quaglia, cineasta, roteirista e crítico de cinema e audiovisual. Diogo Pacheco, colaborador do Série Maníacos. Douglas Couto, fotógrafo e estudante de áudiovisual. Fillipe Queiroz, estudante de Psicologia, aficionado em séries. Geovana Rodrigues, sommelier de séries. Gustavo Marques, produtor de conteúdo e entusiasta de televisão. Leonardo Barreto, editor do Quarta Parede Pop. Luis Carlos, administrador do grupo Crônicas de Séries. Luiza Conde, roteirista. Mariana Ramos, roteirista, mestre em Cinema e Audiovisual, host do podcast Maratonistas. Rafael Bürger, bacharel em Imagem e Som pela UFSCar e cineclubista. Rafael Mattos, estudante de Jornalismo e administrador do grupo Crônicas de Séries. Rafaela Fagundes, sommelier de séries. Régis Regi, bacharel em Cinema, roteirista, host do podcast Maratonistas. Rodrigo Ramos, jornalista, editor do site Previamente, foi programador de cinema na Cineramabc Arthouse. Valeska Uchôa, cientista da computação, ex-colaboradora do Série Maníacos e do falecido Lizt Blog. Zé Guilherme, farmacêutico, mestre em Fisiologia, já colaborou nos sites LoGGado e Cine Alerta.

Textos por Breno Costa, Caio Colletti, Carissa Vieira, Cristian Dutra, Diego Quaglia, Diogo Pacheco, Douglas Couto, Luiza Conde, Mariana Ramos, Régis Regi, Valeska Uchôa, Zé Guilherme, André Fellipe, Rafael Bürger, Leonardo Barreto & Rodrigo Ramos

Produção, edição e redação final por Rodrigo Ramos

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