The Americans, The Good Fight, Pose e BoJack Horseman estão entre os destaques da TV no ano.
Com 495 séries roteirizadas somente em 2018, a TV bate mais um novo recorde de produção. No próximo ano, Disney e Apple também terão seus próprios serviços de streaming e devemos encarar um número ainda maior. Com tanta coisa para assistir, nada mais justo do que ajudarmos você a separar o joio do trigo, certo? Os sites Previamente e Quarta Parede, juntamente com o podcast Maratonistas, criaram esta humilde lista com as nossas 10 melhores séries de 2018, além de algumas menções honrosas que não poderiam ser totalmente esquecidas no churrasco. Será que a sua favorita ou aquela produção altamente pedante e pretensiosa sobreviveu ao corte? Confira abaixo!
10. The Marvelous Mrs. Maisel (Amazon Prime Video)
9. Kidding (Showtime)
O retorno de Jim Carrey à televisão não poderia ter sido melhor. Kidding é o tipo de produção capaz de envolver o espectador de uma maneira profunda e sensível. Nessa dramédia criada por Dave Holstein, Carrey interpreta Jeff Pickles, um ícone dos programas da TV infantil, que luta para manter sua sanidade enquanto sua família desmorona. Com pitadas de existencialismo, trazendo a reboque o fardo da fama e o impacto que isso tem nas relações sociais e familiares do protagonista, a série da Showtime ainda consegue reunir elementos como humor e drama com um raro e intenso equilíbrio. Por trás de Kidding estão ninguém menos que o diretor Michael Gendry (Brilho eterno de uma mente sem lembranças), o produtor-executivo Jason Bateman (Ozark), além do robusto elenco que reúne Frank Langella (Frost/Nixon), Judy Greer (Homem-formiga e a Vespa), Catherine Keener (Quero ser John Malkovich), e é claro, um impecável Jim Carrey. Todos estão muito bem e a direção de Gendry conduz a narrativa de forma muito envolvente, com destaque para um plano sequência incrível, que além de ser esteticamente lindo, diz muito sobre o estado de espírito do protagonista. O sucesso, porém, era uma aposta segura, embora muitas vezes seja comum não haver garantia de sucesso apenas pelo fato de um astro de Hollywood ser o protagonista (Sean Penn em The First e Woody Allen em Crisis in Six Scenes que o digam). Porém, dessa vez a Showtime acertou em cheio e Kidding é uma das melhores coisas que a TV ofereceu em 2018. O Emmy de Jim Carrey está mais próximo do que nunca. Oremos por isso. — Leonardo Barreto
8. Superstore (NBC)
Fico muito feliz que uma representante da TV aberta tenha aparecido na lista. Observando o panorama televisivo, e vendo a TV paga e a ascensão dos serviços de streaming dominando grande parte das conversas, buzz midiático e premiações, acho que mais do que nunca a TV aberta precisa se equiparar ao seu nível de qualidade predominante no mercado para sobreviver e se manter relevante. The Good Place apareceu em várias listas gringas de melhores do ano, mas aqui no Previamente porém a consistente companheira de emissora, a série Superstore, ocupa o oitavo lugar da lista.
A comédia de ambiente de trabalho criada por Justin Spitzer (ex-roteirista de The Office) narra o dia a dia de um hipermercado e as aventuras de seus não tão eficientes funcionários e obviamente tem muitas semelhanças com The Office, mas ao mesmo tempo sabe reproduzir as semelhanças de uma forma muito própria, e muitas vezes política também. Superstore aborda temas como imigração, a pílula do dia seguinte, banheiros com neutralidade de gênero, e principalmente como grandes empresas exploram seus funcionários para maximização de lucros com um senso de humor extremamente certeiro. Mas, sobretudo, uma característica da série que tem recebido elogios especiais é o “will they/won’t they” do casal protagonista — o que, convenhamos, não é nenhuma novidade, já vimos com o Jim e Pam em The Office, ou Leslie e Ben em Parks and Recreation, e também vimos essa dinâmica estragar muitas séries (né, Nick e Jess de New Girl?). Mas em Superstore, o casal Amy (America Ferrera) e Jonah (Ben Feldman) é um dos principais destaques em relação à qualidade de escrita e desenvolvimento da série que acontecem de forma muito fluída e nem um pouco cansativa. E te digo mais — não é só o Seattle Grace Hospital que é um ambiente de trabalho que tudo pode acontecer com seus desastres naturais, queda de avião, atiradores, etc., porque o hipermercado Cloud 9 em Superstore tem tudo isso também, então pode ir preparando a maratona da melhor comédia da TV aberta da atualidade, porque é diversão na certa. — Régis Regi
7. Homecoming (Amazon Prime Video)
O fato de ter Julia Roberts como protagonista já é um motivo para você prestar atenção em Homecoming, série do Amazon Prime Video criada por Micah Bloomberg e Eli Horowitz, criadores do podcast homônimo que deu origem a série. Junte a isso à direção diferentona do criador de Mr. Robot, Sam Esmail, e pronto: o resultado é um drama de meia hora (isso mesmo) que usa e abusa de recursos visuais, incluindo razão de aspectos diferentes para passado e presente, para contar uma história repleta de suspense, tensão e paranoia. A série acompanha Heidi Bergman (Julia Roberts) em dois momentos distintos: em seu passado, trabalhando em um centro de recuperação para ex-soldados das forças armadas que buscam ajuda se ressocialização e ajuda com os traumas da guerra; e alguns anos mais tarde, trabalhando como garçonete, vivendo com sua mãe em outra cidade.
O elenco da série merece destaque. Além de Roberts, que dispensa comentários por praticamente interpretar duas versões de uma mesma personagem, temos a energia quase espalhafatosa de Bobby Cannavale, como Colin, o chefe insuportável de Heidi; Shea Whigham no papel do burocrata Thomas Carrasco, em um misto de comicidade e seriedade involuntária; Stephan James, muito bem como um ex-soldado e peça-chave da trama; e a ótima Sissy Spacek, mãe de Heidi, responsável por momentos deliciosamente cômicos e pontuais. A pergunta que paira no ar em todos os episódios é como o futuro foi influenciado pelo passado. E mais, Homecoming eleva os níveis de tensão através de diálogos e não há grandes sequências de ação. Nem mesmo o roteiro nos leva a algo totalmente imprevisível. Porém, o destaque vai para a jornada de Heidi, acompanhada sempre pela trilha sonora enervante e a fotografia do colaborador de Esmail em Mr. Robot, Tod Campbell, que está sempre colada no rosto da personagem. Destaque também para o característico deslocamento de enquadramento da dupla Campbell/Esmail, e a ambientação puramente hitchcockiana. — Leonardo Barreto
6. GLOW (Netflix)
Revendo o piloto de GLOW para escrever esse texto, me lembrei de tudo que mais me fascinava nesta série: é uma comédia (dramédia, ou seja lá o que esteja se esteja chamando esse espaço híbrido de gêneros) estranha, com um tom meio seco, arte e fotografia sujas, um humor um pouco alto depreciativo. Todo o visual da série parece “sofrer” da mesma falta de orçamento que a própria série dentro da série. Seus personagens meio “brutos” e “toscos” não tem o brilho que o título sugere, no entanto, existe outro brilho que vai para além de uma superfície polida e que claramente emana de GLOW desde seus primeiros episódios e que apenas se reforça durante essa segunda temporada: as mulheres que compõem esse grupo de lutadoras desajustadas são verdadeiras pérolas dentro de um panorama televisivo ainda muito masculino, na frente e por trás das câmeras, e esse é exatamente um dos motes de toda a série.
Seguindo a história de Ruth (Alison Brie), uma aspirante a atriz dramática que se vê há mais de 10 anos em Los Angeles sem qualquer perspectiva, em um ambiente onde os únicos papéis femininos são de secretárias e esposas, tomando diversas decisões erradas como dormir com o marido de sua melhor amiga, e encontra na luta livre um espaço para finalmente expressar sua arte. Ruth é insistente ao ponto da chatice, mas ela traz à tela uma situação muito real, uma mulher quase que desesperada por aprovação externa, especialmente de todos os homens que lhe cercam, o que lhe coloca em constantemente relações abusivas, seja com o Sam (Marc Maron), um diretor fracassado de filmes de gênero e viciado em cocaína, ou com Debbie (Betty Gilpin), a melhor amiga acima mencionada. E é na tensão constante da relação entre elas, duas mulheres colocadas em competição por uma cultura machista e masculinista, que a segunda temporada decola e que muitos dos subtemas são explorados. Debbie se utiliza de seu poder de barganha para obter um título de produtora na série, mas logo se vê distante das demais colegas e, ao mesmo tempo, excluída pelos “garotos”. Sem amigos e qualquer poder real, em meio a um divórcio doloroso, ela fica cada vez mais fragilizada. Ruth, por sua vez, tenta, de todas as formas erradas, obter a aprovação de Sam e recuperar a amizade perdida com Debbie.
Em meio à estes dramas, momentos de extrema potência, como a trama de Tammé (Kia Stevens), uma mulher negra de meia idade, mãe solteira como tantas, que já fez de tudo um pouco para se sustentar e criar seu filho, um dos únicos negros de sua turma de Stanford, e cujo personagem em GLOW é o estereótipo da “Welfare Queen” (Rainha da Assistência Social, mais ou menos), um emblema extremamente preconceituoso que persegue mulheres negras até hoje. A beleza e singularidade de GLOW está exatamente na difícil negociação que cada uma de suas personagens precisa fazer: mulheres que se empoderam em um espaço onde seus corpos são espetáculo e “armas”, mas que, para isso, precisam encarnar e abraçar os preconceitos que lhes cercam. É uma negociação complicada. De um lado, vemos a emergência de símbolos de resistência, um show que foi realmente um sucesso nacional e internacional durante boa parte das décadas de 80 e 90 (no Brasil, GLOW foi exibido pelo SBT) e que deu para essas mulheres uma projeção inesperada em um ambiente televisivo dominado por homens, em um tipo de entretenimento ainda mais masculino; por outro lado, vemos a fragilidade final de suas posições, tendo seus roteiros e destinos na mão dos homens que operam as câmeras, dirigem o show e controlam as emissoras. GLOW tem uma opacidade rara que nos leva a um ambiente ambíguo, um show claramente “feel good” com traços de um drama profundo que cerca as personagens e o próprio mundo do entretenimento que lhes entrega como espetáculo de luzes e brilho, enquanto lhes coloca em situações limite de dor e humilhação: uma reflexão a respeito das dificuldades e prazeres de ser mulher no entretenimento, onde os 30 anos que se passaram viram poucas mudanças ou quase nenhuma, entre ciclos breves de leve empoderamento que rapidamente se perdem em meio ao turbilhão da cultura pop e nossa curta memória. — Mariana Ramos
5. Insecure (HBO)
O quão alarmante você acharia se eu dissesse que Issa Rae é a primeira mulher negra que criou e estrelou a sua própria série de comédia? Bastante? Pois é, ela não é a primeira (como muitos sites tem noticiado), porque a Wanda Sykes criou e protagonizou a série da Fox Wanda at Large em 2003, fazendo dela a segunda. Mas ainda alarmante, não acha?
A terceira temporada da dramédia Insecure estreou este ano, e aparentemente (e injustamente) foi engolida pela animação dos críticos e do público com o fenômeno Barry, além de ter ido ao ar em um momento em que todos canais sofrem para reter audiência, que é o verão norte-americano. Apesar de silenciosa, ouso dizer que foi a melhor temporada da série até então. Consistência nunca foi um problema para Insecure, porém desenvolvimento de personagem talvez. Como espectador, sempre tive a impressão que Issa tinha pouco desenvolvimento, até mesmo quando comparada com a personagem de sua melhor amiga, Molly (a maravilhosa, Yvonne Orji), mas a terceira temporada não apenas soube muito bem equilibrar comédia com o drama, mas trouxe desenvolvimento de plot e personagem para literalmente todo mundo da série. Personagens secundárias como Tiffany e a ladra de cena Kelli, que nunca tiveram muito destaque e eram basicamente acessório pras duas protagonistas, agora até possuem algumas (poucas) cenas sem a presença de Issa ou Molly, e com abertura para conflitos e com possibilidade de crescimento. Issa Rae, que já possui duas outras séries em desenvolvimento na HBO (Sweet Life e Him and Her), diz que “só queria ver a si mesma e as amigas refletidas na televisão, da mesma forma que pessoas brancas são permitidas e que ninguém as questiona”. Sem mesmo sem a pretensão, conseguiu fazer uma das séries mais relevantes da atualidade e que precisa urgentemente ser assistida! — Régis Regi
4. The Americans (FX)
“START”, último episódio de The Americans, foi ao ar no FX no dia 30 de maio de 2018. Na mesma noite me juntei com um dos meus melhores amigos para fazer aquilo que só as melhores séries merecem: tiramos horas para rever alguns dos episódios que mais gostávamos de todas as temporadas, beber, conversar e chorar. Desde o início da temporada, já podíamos perceber que essa despedida seria dolorosa. O primeiro episódio da sexta temporada, “Dead Hand”, começa melancólico e sombrio — em mais um de seus momentos musicais maravilhosamente orquestrados, ao som de “Don’t Dream It’s Over” –, o ano de 1986 está sendo cruel com os Jennings. Elizabeth está claramente se desintegrando na nossa frente, uma pessoa fraturada entre pedaços, personas e disfarces, tão pouco tempo, e tamanha a tensão em seus olhos cansados, enquanto Phillip encontra uma paz conturbada no cotidiano suburbano que já não é mais apenas um disfarce, mas sua vida, suas vidas: o próprio sonho americano forjado entre mentiras, sofrimento e sentimentos suprimidos, mas uma bela imagem, mesmo assim.
Muito mais do que um drama de espiões e política, uma história de Guerra Fria, morte e idealismo, The Americans sempre se destacou como um dos dramas familiares mais pungentes da televisão americana. Pois para os Jennings, o disfarce perfeito é o pináculo de tudo contra o que lutavam, a missão que os guiava, e precisavam mantê-lo a qualquer custo, como tantas outras famílias que se vêem obrigadas a manter as aparências muitas vezes às custas da própria felicidade. Nesta sexta e última temporada, Keri Russell e Matthew Rhys mostram, e nos dão a graça de ver, mais uma vez o que fez de suas performances algumas das mais brilhantes e cheias de nuances já vistas no audiovisual. Impecáveis, eles nos conduzem por essa tragédia moderna, duas pessoas que carregam em suas costas o peso de uma guerra travada em segredo e todo um modo de vida prestes a entrar em colapso e desaparecer. E no fim do dia, duas pessoas extremamente cansadas e perturbadas por escolhas que lhes sufocam e caminhos que não parecem levar a canto nenhum, uma história de violência e desconfiança aparentemente interminável. É impossível, ao menos para mim, dissociar ambos, os Jennings funcionam exatamente nessa unidade conturbada, nas trocas ácidas e dolorosas, um casal que, apesar de e por causa de tudo, aprendemos a amar. Vê-los mais distantes do que nunca, o culminar de personagens com compassos morais e ideológicos estranhamente alheios e ao mesmo tempo tão próximos, Elizabeth fumando pelos cantos, Phillip observando sua dor a distância, ambos sem saber lidar com essa nova ordem gravitacional que lhes atinge, é a certeza que o fim é inevitável, que o presente é insustentável. E aqui, mais do que nunca, The Americans nos mostra ao que veio e todo o poder de sua complexa narrativa, construída ao longo e através de um passado histórico que ainda assombra o mundo — extremamente atual nos dias de Trump, Bolsonaro e Putin — uma obra que consegue nos atingir pelo pathos e ultrapassá-lo, atravessando-nos, em uma análise das ambiguidades do caráter humano, de nossas paixões, desejos e lealdades, todo um mundo encapsulado em sua confusão entre as paredes do lar de uma família americana como qualquer outra, frente a escolhas impossíveis que os coloca dia a dia no centro de uma trama sobre a qual pouco ou nada sabem. The Americans e os Jennings deixaram saudades e marcaram para sempre o panorama televisivo, uma série que merece ser vista e revista em saudação à toda a jornada que nos proporcionaram. — Mariana Ramos
3. Pose (FX)
Ryan Murphy é um dos maiores produtores de conteúdo para a TV nesta década. Há acertos irrefutáveis (a primeira temporada de American Crime Story e FEUD) e há erros difíceis de defender (segunda temporada de ACS e mais da metade de American Horror Story). Um consenso na sua lista de produções é que a ideia inicial geralmente é boa, falta apenas saber se o plot consegue sobreviver mais de uma dezena de episódios. Se a longo prazo Pose manterá a qualidade, ainda é um mistério, porém seu primeiro ano é um grande presente em termos de storytelling e representatividade. Pose abre espaço para atrizes trans (e de cor!) serem grande parte do elenco, algo inédito até o momento em obras audiovisuais. O co-criador, Steven Canals, é um gay latino, e as outras duas roteiristas são trans, Out Lady J (que já trabalhou no posto em Transparent) e Janet Mock — que também dirige três dos oito episódios da temporada. Por si só, esses fatores já seriam de uma conquista imensurável. Entretanto, a série vai além da mera representatividade em frente e atrás das câmaras. A sua trama consegue explorar temas importantíssimos como a AIDS e transfobia/homofobia, as relações interpessoais dos personagens, as dificuldades de vencer na vida sendo LGBT+ — especialmente na época em que se passa a trama –, criando no meio disso um vínculo emocional primoroso com os personagens, explorados com o devido respeito e nuances — não pense que os gays e trans aqui são tratados como ser super-heroicos e perfeitos, pois os roteiristas entendem que a representatividade se faz retratando que somos cheios tanto de virtudes quanto de defeito, e que nosso comportamento é reflexo de uma soma de fatores que ocorrem dentro de nossas vidas. As engrenagens giram em sincronia porque o elenco é excelente, desde Billy Porter até as atrizes trans MJ Rodriguez e Indya Moore. Além disso, a série conta com uma trilha sonora oitentista deliciosa e o mergulho na cultura dos ballrooms é fascinante. E não menos importante, a série prega que família de verdade é aquela que nos ama, nos acolhe e nos respeita sendo quem somos. Em 2018, essa parece ser uma lição que precisa ser lembrada e dita mais vezes. — Rodrigo Ramos
2. The Good Fight (CBS All Access)
Há males que vêm para o bem. Prova disso é a existência de The Good Fight. É difícil imaginar os rumos que a série tomaria caso Hillary Clinton tivesse vencido as eleições presidenciais nos Estados Unidos em 2016. Por mais danoso e preocupante seja a eleição de Donald Trump, definitivamente The Good Fight seria um programa completamente diferente sob a presidência de democratas — portanto, há algo a ser grato na situação. Enquanto outras séries (cof, cof, The Handmaid’s Tale) insistem no terror e na violência para representar o medo da era republicana/conservadora, The Good Fight escolheu outro caminho. Com o humor cínico, por vezes sarcástico, abraçou o absurdo e incorporou de tal forma em sua narrativa que às vezes é difícil separar o que é realidade e o que é ficção. Há várias menções diretas a acontecimentos de fato e outras suposições. Se por um momento pudesse soar apenas uma crítica vazia, a série transforma isso em algo a ser aproveitado para ditar o rumo de sua trama e de seus personagens, e o faz de maneira tão natural que é quase preferível que Diane Lockhart fosse aquela que lutasse pelos nossos direitos. Mesmo que pareça, à primeira vista, um produto da esquerda frustrada, muitas vezes The Good Fight apenas levanta questionamentos que não quer tomar partido, e prefere que as pessoas tirem suas próprias conclusões, até porque não há nem de perto um consenso sobre o que é o certo e o errado — a exemplo do episódio em que traz um caso de assédio baseado naquele reportado envolvendo o ator/roteirista/diretor Aziz Ansari, de Master of None. Tomando partido ou não, The Good Fight incorpora (assim como The Good Wife já fez inúmeras vezes, e com êxito) questões do mundo real (fake news, armamento, parcialidade do sistema judiciário e força policial excessiva, entre outros) e de modo algum parece forçado ou gratuito. Quando a temporada chega ao fim, nota-se uma preocupação em toda a estruturação deste segundo ano para que não houvesse arestas. Além dessas questões, a série continua mesclando o bom humor e a tragédia de modo ímpar, fazendo rir mais que muita comédia por aí. Ela contém alguns dos diálogos mais memoráveis do ano, conta com um elenco que está cada dia melhor em cena, e ainda põe a união e o poder das mulheres em evidência. Após a eleição daquele-que-não-deve-ser-nomeado para presidente do Brasil, a série pode servir como um consolo, um guia de como se comportar diante desses momentos difíceis que estão por vir. The Good Fight pode não ser a série que você estava pedindo, mas é a série que nós precisávamos. — Rodrigo Ramos
1. BoJack Horseman (Netflix)
Menções honrosas
Apesar de 2018 não ter sido um ano tão consistente na TV quanto foi em 2017, ainda assim uma lista com apenas 10 séries não seria tão justo. Entre nossos votantes, algumas produções quase beliscaram nosso top, portanto nada mais justo do que citarmos produções que também valem algumas horas da sua atenção.
Depois de uma terceira temporada praticamente impecável, Better Call Saul investiu seus dez episódios da quarta temporada para mostrar de vez a chegada de Saul Goodman — e ele surge nas pequenas ações de Jimmy McGuill, que precisou se virar nos 30 enquanto não recupera seu registro de advogado. Entre os já conhecidos pequenos delitos do Jimmy Sabonete e os passos mais ousados do advogado picareta que conhecemos em Breaking Bad, a série não deixa a menor dúvida sobre quem é, agora, o protagonista. Embora não tenha sido uma temporada com o mesmo brilho que a anterior, muitos foram os destaques. Rhea Shehorn e Jonathan Banks tiveram a oportunidade de dar a Mike e Kim Wexler o melhor, elevando seus personagens, enquanto Bob Odenkirk manteve o nível elevado de sempre. A trama não se moveu tanto quanto deveria, mas, mesmo não figurando na lista acima, a série criado por Vince Gilligan e Peter Gould continua sendo um dos melhores dramas da TV na atualidade.
Uma das grandes surpresas no ano foi a Netflix. O serviço de streaming tem produzido cada vez mais, mas já sabemos que isso não é sinônimo de qualidade. Inclusive, várias das produções feitas a toque de caixa pela Netflix eram alvo de críticas duras, gerando inclusive memes de que a marca dá o sinal verde pra toda e qualquer ideia. Pois é. Em 2018, parece que houve uma movimentação contrária e o serviço passou a ser, de fato, sinônimo de qualidade e não só quantidade. Além das duas presentes no top 10, há outras ótimas séries lançadas neste ano, entre novatas e veteranas, como American Vandal, One Day at a Time, The Kominsky Method, Chilling Adventures of Sabrina, The Haunting Hill House, Dear White People, Big Mouth, Maniac, She-Ra and the Princesses of Power, Queer Eye, Wild Wild Country, Making a Murderer, The End of the F***ing World, Wanderlust (as duas últimas em co-produção com Channel 4 e BBC One, respectivamente), só para citar algumas. Torçamos para que o alto nível se mantenha em 2019.
Ainda na onda dos streamings, o Facebook Watch fez a sua estreia e dentre seus títulos lançados, Sorry For Your Loss é o que ganha o holofote. Um drama de meia hora (amém! que se torne tendência!) que lida com delicadeza e inteligência o luto, trabalhando desde o sentimento em si, como as pessoas lidam com ele e como o processo de superação é diferente para cada um. É um trabalho interessante, sem ser melancólico demais e conta com uma atuação precisa de Elizabeth Olsen.
Por algum motivo, muita gente passou reto ou nem sequer soube da existência de Patrick Melrose. A minissérie de cinco capítulos da Showtime (que resolveu que sabe fazer série de novo) é uma loucura visual e narrativa, que trata sobre família, casamento, a experiência de ser pai, alcoolismo, vício em drogas ilícitas, abuso e traumas. É o melhor papel da carreira de Benedict Cumberbatch, que é desafiado a cada episódio de uma maneira diferente e entrega-se de corpo e alma. Dá até uma dor no coração de vê-lo perdendo todos os prêmios da temporada para Darren Criss, mas é a vida.
Por fim, é importante citar que a HBO estava produzindo dramas neste ano, ainda que pouca coisa tenha se sobressaído. Um dos casos é Sharp Objetcs, dirigido por Jean-Marc Vallée (Big Little Lies) e estrelado por Amy Adams e Patricia Clarkson. A minissérie é um thriller arrebatador, perturbador, inquieto e com toques de filmes de terror. De forma lenta e por vezes contemplativa, é uma história sensível, que causa empatia, medo e um misto de sentimentos no expectador. O segundo caso e incontestavelmente a melhor série dramática do canal neste ano é a italiana, L’amica geniale (My Brilliant Friend), que conta a história de duas amigas que se conheceram na escola no início dos anos 1950, em Nápoles, na Itália. É uma ótima obra sobre coming of age, retratando uma amizade de maneira belíssima e verossímil, com um elenco precisamente escalado (e dirigido), mas também um recorte interessante da época e seus costumes, ficando evidente que a sociedade patriarcal (e todo seu machismo) é uma herança maldita.
Participaram desta eleição
Mariana Ramos, roteirista, mestre em Cinema e Audiovisual, host do podcast Maratonistas.
Regis Regi, bacharel em Cinema e Audiovisual, host do podcast Maratonistas.
Luiza Conde, roteirista.
Leonardo Barreto, editor do site Quarta Parede.
Rodrigo Ramos, jornalista, repórter do Jornal O Navegantes, editor do site Previamente.