O dia que burlei a entrada do Psicodália

O guia incompleto da invasão sorrateira no festival multicultural.

Neste ano o Psicodália recebeu em sua casa quase sete mil pessoas, mais do que em qualquer outra edição, e no meio de tanta gente encontramos G.G, que entrou clandestinamente no festival. Mas se você está lendo esse texto pensando que vamos entregar a receita da entrada secreta, pode parar por aqui. O Psicodália é um dos maiores festivais alternativos de música do Brasil, nós o amamos e vamos protegê-lo.

Quando abriu a compra dos ingressos esse ano foi uma correria só e muita gente ficou de fora. Ao mesmo tempo o Lollapalooza lançava sua line-up, o que gerou uma certa indecisão. G.G estava nesse combo de pessoas que não sabiam o que fazer da vida. De um lado sua namorada falando maravilhas do Psicodália e do outro a falta de grana e incertezas. Quando a ida estava decidida os ingressos esgotaram. Muitas histórias sobre as entradas clandestinas do Psicodália rolam por aí, e esse ano os organizadores estavam bem atentos a isso, afinal o que a gente precisa fazer com um evento cultural é incentivar e não burlar as regras. Quem entra sem pagar e ainda se acha o bonzão não merece a felicidade plena que um evento desses tem a oferecer.

Então G.G estava na frente do Psicodália, às 2 e alguma coisa da madrugada, vivendo a ansiedade do rolê clandestino definido por ele como “aventura de moleque, mas aquilo que tu se bota pra viver de verdade”. Seguindo as informações básicas, entrou no caminho que todo-mundo-faz, no mato, de noite, com várias teias de aranha, até que um latido de cachorro entrega tudo e em seguida “uma lanterna na minha cara. Eu não sei cara, eu não corro, fui pego, não vou fugir, falhei na minha missão que era entrar de fininho. O cara me pegou, baixei a cabeça e ele perguntou:

— O que cê tá fazendo?

— Tô dando um passeio.

O guarda levantou o walkie talkie e passou o número do posto. Em seguida, uma moto chegou. Outro guarda fez a mesma pergunta e disse “se quiser eu te acompanho até a saída, se sair correndo a cachorra vai avançar em ti”. Foram caminhando até a entrada.

Quando G.G saiu dos portões viu um cara fumando alguma coisa perto de um carro e foi pedir um cigarro. O homem disse que não tinha. Eis que este cara chama a sua atenção e oferece um palheiro descrito por G.G como “um palheirão sinistro”. Na adrenalina com um fumo de verdade na boca a conversa acabou no fatídico evento de ter sido pego na entrada. “Contei toda a história pra ele, ele escutou, aí ele vira pra mim e diz – Pô, mas você deveria ter entrado pelo outro lado, aí eu, comé que é cara?”

O cara passou todas as coordenadas, com várias referências, contou a mesma história diversas vezes até G.G gravar tudo e não esquecer um detalhe e no final ele disse “ali, cara, vai dar certo, pode ter certeza que ninguém vai te encontrar”. Mas quem faz uma, faz duas e era isso que G.G achava que os guardas estavam pensando. Com um corte de luz feito pelo carro G.G entrou na mata onde os guardas já não viam mais. “Ele até se ofereceu pra me levar de carro, mas eu achei que ia ser muita folga minha. Devia ter aceitado a carona na real, teria me poupado muito tempo, mas beleza né. Eu perguntei o nome dele, esqueci, perguntei outra vez e falei ‘ah, beleza’”.

Mas um nativo dando referências é uma coisa. Ele conhece todo aquele espaço perfeitamente. Por mais que o espírito aventureiro de G.G estivesse bem aflorado, não tem como negar o nervosismo e o caminho era muito longo. “Eu andei no meio da mata fechada durante muito tempo até conseguir encontrar algo que eu pudesse associar com o que ele tinha me falado, e nessa hora o psicológico te pega e eu pensei ‘cara, o que eu tô fazendo andando numa estrada escura, sem iluminação, com uma lanterninha no meio da noite em Rio Negrinho?’. Aí tu começa a alimentar esse pensamento e é o pior erro, porque tu começa a querer desistir. E pensei ‘vou voltar pra casa, foda-se isso aqui’. E eu lembro que andei tanto ao ponto de dizer ‘não pode ser aqui porque eu já andei demais eu fui muito pra frente, não é possível que essa porra seja tão grande’”.

E o caminho é mesmo bem longo, mas toda a paranoia falou mais alto e G.G fez esse caminho várias vezes, ele ia e voltava até encontrar algo. Tentou entrar pelo lago onde os guardas quase o pegaram novamente e fez esse trajeto umas três vezes até se acostumar com o lugar. Até que ele encontrou dois postes que acendiam e apagavam no meio do mato, as referências estavam aparecendo e nisso já tinha se passado mais de uma hora. “O mato dava na minha cintura. Pô, se tem uma cobra ali, um escorpião do mal, uma aranha voadora, sei lá, qualquer coisa, eu comecei a pensar nisso e pensei ‘caraca meu, se eu cair aqui morto ninguém nem vê, tô fodido’. Cara, eu não tinha nem celular porque perdi. Tinha cem pila no bolso, uma lanterna e só. E eu me via questionando esse dinheiro, pra você vê como o dinheiro é uma viagem porque o que tu faz com o dinheiro nessas situações? Não faz nada, nem fogo tu faz”.

Quando G.G começou a escutar a música e viu as luzes do festival foi a certeza do caminho certo. A previsão do tempo para aquele final de semana era chuva, e em alguns momentos o céu fechava e raios e trovões surgiam. Seguindo o trajeto a mata foi diminuindo de tamanho e o coração ficando mais calmo. Essa tinha de ser a direção e já eram umas cinco e meia da manhã. A odisseia tinha começado umas três e pouco. O sentimento estranho de se sentir perdido no meio do mato, sem saber se estava indo para a direção certa e deixando de dar atenção pras paranoias que a mente criava G.G seguiu a emoção e deu de cara com o final do lago, onde não tinha como passar. Ele volta pro caminho e procura um novo lugar até que encontra a última referência dada pelo cara do palheiro e seguindo ele avista as primeiras barracas. “Os caras podiam me expulsar agora, foda-se, eu entrei nessa parada, eu consegui, eu consegui passar a noite inteira nessa porra, eu não desisti, eu tô aqui nessa merda e eu consegui”.

A primeira coisa foi procurar a namorada. Sentado na arquibancada em frente ao palco dos Guerreiros as pessoas vinham perguntar se tava tudo bem. “Eu tava com uma cara de acabado e os caras perguntando se tava tudo bem, e tava tudo bem, e eu disse pros caras ‘não desistam da sua vida, a tua mente vai querer que tu fique na tua bolha de conforto pra sempre, tu tem que acreditar no teu coração e ir atrás. Porque em muitos momentos que eu pensei em desistir alguma coisa me motivava a continuar. Eu lembrava da minha namorada e eu sei que ela queria muito viver aquilo comigo e eu também queria e isso me motivava pra não desistir'”.

Essa era a primeira vez que G.G participava do Psicodália e todo esse role de entrar clandestinamente não era mais do que uma prova que ele resolveu se colocar. Isso tudo não aconteceu porque ele não queria pagar a entrada, pelo contrário. “Eu com certeza pagaria, o festival é ótimo, fantástico. E eu não sei o que aconteceu mas eu me senti como se tudo aquilo que eu passei só me botou lá, não me deixou melhor nem pior, eu tava curtindo como todo mundo. Não tava com aquela sensação de ‘ah, economizei 400 reais, que massa eu tô aqui’ não, em momento algum eu pensei assim. Eu pensei ‘porra, que pico massa, eu não pude nem incentivar, pena, porque eu não tinha a grana e quando eu tinha não tinha mais ingresso, mas eu quis participar fui desse jeito. O festival é muito bom, a sensação é muito boa, é uma paz, uma liberdade, uma convivência, todo mundo junto se ajudando. Vale a pena pagar, não me arrependo de ter feito isso… Acho que eu precisava disso na minha vida, na real'”.

Depois de ter aproveitado o festival, a música, a galera, todo esse evento incrível que é o Psicodália, G.G conversou com a sua namorada sobre o lendário Wagner. Ela explicou sobre as várias lendas que rolam e uma delas é que ele se perdeu na mata, mas há quem diga que não é Wagner e sim Fagner. “Quando ela falou Fagner, na mesma hora, lembrei eu na frente do carro perguntando o nome do cara do palheiro”.

— Ô como que é o teu nome?

— Fagner — ele respondeu.

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O Psicodália deste ano ainda contou com as ilustres apresentações de Liniker e os Caramelows, Erasmo Carlos, Ney Matogrosso, Céu, Trombone de Frutas, Di Melo e tantos outros artistas independentes que envolveram o evento com sua energia.
Confira a cobertura dos shows no palco Lunar na nossa galeria abaixo. Clique nas imagens para vê-las em tamanho maior.
Por Eliza Doré

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