Amok | Still Life | Crítica | IV Festival Internacional Lume de Cinema

Em tom político/social, filmes da Macedônia e da França são os pontos altos do festival.

Dentro do IV Festival Internacional Lume de Cinema, alguns filmes tiveram posicionamento político claro. Jovens Infelizes… atacou o capitalismo com suas crenças comunistas; A Linha falou sobre ditadura; e O Anjo Ferido tratou da ineficiência do governo e os reflexos na vida das pessoas. Amok é mais uma obra política no festival e trabalha com uma abordagem que se aproxima mais do terceiro exemplo, porém bem mais incisivo e gráfico.

O longa-metragem da Macedônia retrata um orfanato público que abriga apenas garotos. Um deles é Philip, um jovem introvertido, deslocado e marginalizado pelo sistema. O garoto não é de levar desaforo pra casa, contudo o verdadeiro ponto de virada de sua conduta e da narrativa é quando ele sofre nas mãos do sistema e fora dele também, por terceiros — os adultos sem escrúpulos. A sociedade encara esses meninos como problemáticos, não passando de ratos, conforme é ressaltado ao longo da película. Eles não são nada. Por isso, ninguém se importa com eles.

Quando o sistema falha com eles, os garotos decidem agir, sob a liderança de Philip, contra a sociedade — no caso, quem os feriu de alguma forma. É implantada então uma espécie de anarquia e as dívidas são coletadas.

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O diretor Vardan Tozija consegue estabelecer essa realidade com a crueldade e franqueza que a realidade demanda. Ainda que Philip seja o protagonista, ele dá espaço para tramas paralelas ocorrerem, porém todas se conectam e ajudam a montar o quadro de que lutar contra a desigualdade e o sistema dificilmente resulta em algum resultado positivo. Em certo momento, o professor dos garotos questiona a uma jornalista os motivos pelo qual ela não irá reportar um caso de abuso sofrido por um dos adolescentes, e ela responde que é um ano eleitoral e que nenhum grande jornal faria isso. O dinheiro fala mais alto e os marginalizados continuam sendo postos pra escanteio. Ainda que as atitudes dos órgãos sejam retratadas de maneira extrema, é até compreensível a medida que tomam, já que não têm nada a perder e, na ótica deles, alguém precisa pagar pelo sofrimento que lhes foi causado.

A violência presente na película não é uma forma de fetiche. Ela tem propósito, peso e a cada tipo de agressão sofrida pelos garotos ou cometida por eles, sente-se uma carga por trás disso, o que é extremamente importante para a condução da produção, que não erra a mão no tom imprimido.

Amok chega a ser dolorido por ser tão preciso. É uma estória universal e, infelizmente, fiel com a realidade no que se refere às questões políticas e sociais.

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Still Life, por sua vez, também dá voz a uma questão política, mas nem próximo do que representam os filmes citados anteriormente. O filme francês é basicamente um conto sobre o holocausto animal que ocorre na indústria alimentícia para que as pessoas possam consumir todos os tipos de carne disponíveis.

O longa-metragem é um híbrido entre documentário e ficção, sendo este apenas aproveitado para dar alguma tridimensionalidade ao protagonista, que pouco fala ao longo da projeção. Boa parte da película é ambientada no interior de um matadouro. O protagonista trabalha neste local e é o responsável por cuidar de diversos animais, de bovinos à suínos. Ironicamente, a única companhia do rapaz fora do trabalho é um animal: seu cão.

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A diretora Maud Alpi sabiamente permite que seu longa seja naturalista, deixando as imagens falarem mais do que as palavras. Ela sabe onde colocar a câmera para captar os olhares, os movimentos, a apreensão dos animais, e todas as situações desumanas pelas quais passam. A decisão de não exibir o momento da morte dos quadrúpedes é acertada. O objetivo não parece ser chocar, mas sim conscientizar, lembrar ao espectador que a carne que se come todo dia no almoço, na verdade, é um ser vivo, assim como um animal de estimação.

Dentro desse naturalismo, Alpi permite que o cão seja o principal ator de sua obra. Do lado de fora do matadouro, o cachorro ouve as execuções dos demais animais, ouve seus gritos desesperados, sente a angústia de longe, e cria-se uma conexão emocional. Em uma cena, das mais belas e simbólicas da película, o cão entra no local e aproxima-se de uma vaca. Ali se conectam e ela lambe o canino. Minutos depois, ela dá a luz a um bezerro e, em seguida, é sacrificada.

É uma obra desconfortante, densa, mas necessária. Ela não serve para doutrinar o espectador e transformá-lo em vegetariano ou vegano, porém ela serve de lembrete de que o ser humano tira vidas para satisfazer seu prazer. Tudo tem um custo, afinal.

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AMOK
Macedônia, 2016 – 100 min
Drama

Direção e Roteiro:
Vargan Tozija
Elenco:
Martin Gjorgoski, Deniz Abdula, Nikola Ristanovski

STILL LIFE
(Gorge Coeur Ventre)
França, 2016 – 82 min

Direção e Roteiro:
Maud Alpi
Elenco:
Virgile Hanrot

Por Rodrigo Ramos

 

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