Esquadrão Suicida | Crítica

Ao tentar agradar todos os públicos, novo filme da DC/Warner acaba ficando sem identidade.

Suicide Squad posterCarregado por alta expectativa, gerada ao longo de 12 meses de campanha publicitária, Esquadrão Suicida era o filme mais esperado de 2016 e a esperança do jovem Universo Cinematográfico da DC Comics engrenar, agradando boa parte do público e também crítica. Infelizmente para os espectadores, críticos e a própria Warner Bros, o longa-metragem é uma decepção extraordinária.

Em Hollywood, é quase uma arte criar um trailer e este vídeo de divulgação pode vender um produto bem diferente do que aquele anunciado. Se filmes que diferem do anunciado nos trailers pudessem ser motivo de processo, o Procon estaria formando filas desde quinta-feira passada e os cinemas teriam que dar o dinheiro de volta pra muita gente. O tom soturno anunciado no primeiro trailer lançado em julho de 2015, após sua exibição na Comic-Con de San Diego, some sem deixar rastros em Esquadrão Suicida. Até mesmo o clima brincalhão, ainda que ligeiramente tenso (nas partes envolvendo o Coringa), presente nos demais trailers lançados a partir deste ano também não marcam presença nos 123 minutos de metragem. Afinal, o que aconteceu? Que filme é este que chegou ao cinema? Em uma grande reportagem publicada antes mesmo da estreia do longa, o Hollywood Reporter trouxe detalhes sobre o que teria acontecido ao longo da produção da película, o que explica muito do que se vê na tela.

Em suma, o diretor e roteirista David Ayer (Corações de Ferro) teve apenas seis semanas para entregar o roteiro à Warner e iniciar a produção do longa. Após ter feito exatamente o filme que, em tese, queria, possivelmente com aquela pegada mais dark presente na primeira prévia do longa, o estúdio resolveu pensar duas vezes se queria mesmo pôr na rua este filme, especialmente após a recepção negativa de Batman vs Superman: A Origem da Justiça e o retorno abaixo do esperado em bilheteria. Enquanto Ayer queria um filme mais sisudo, num caminho mais parecido com o apresentado em BvS do que em Os Vingadores, a Warner foi atrás de uma versão mais leve e descontraída.

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Ambas as versões foram exibidas em sessões testes em maio, e a mais light, preterida pela Warner, foi a que chegou aos cinemas na semana passada. De acordo com o Hollywood Reporter, a versão escolhida foi editada pela mesma empresa que criou os trailers e fez toda a campanha de marketing do longa-metragem, chamada Trailer Park. Quando a montagem do filme estava completa, diversos editores teriam trabalhado em cima do longa, mas apenas John Gilroy recebeu os créditos. Contudo, uma fonte conta que nos trabalhos finais de edição, o editor final fora Michael Tronick.

Nem sempre tamanha batição de cabeça é notada na tela, porém a confusão é evidente no resultado mostrado em tela. Em primeiro lugar, Esquadrão Suicida peca miseravelmente na construção de sua narrativa principal. Amanda Waller (Viola Davis) quer montar uma equipe para poder resolver problemas e não se preocupar em as autoridades se responsabilizarem caso algo dê errado — afinal, a trupe consiste em diversos vilões. A desculpa é a de que Superman era um metahumano bacana, mas o próximo a surgir pode não ser tão bonzinho. A ideia em si serve, porém a forma como o grupo é manejado dentro da trama é pobre, e Ayer não foi capaz de elaborar um motivo que atraísse de fato o interesse dos protagonistas em realizar tal tarefa. Sim, eles são obrigados a fazer o que lhes mandam, porém não há conexão alguma entre o esquadrão e a grande ameaça. A partir do momento em que se escolhe o vilão do longa, ele está fadado a dar errado, especialmente no que consiste a motivação do próprio antagonista, que é cartunesco (na forma pejorativa da palavra) e sem apelo.

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Um grande defeito da escolha do vilão é a vontade que ele tem de destruir o planeta. Uma ameaça apocalíptica não é nenhuma novidade em filmes de super-heróis e até outros longas de ação. A questão é que todos os integrantes do esquadrão, exceto por Diablo (Jay Hernandez), não possuem super-poderes, a não ser que atirar bumerangues, dar tiros no alvo e bater com bastões sejam habilidades supernaturais. O roteiro erra por criar um vilão genérico e transformar os membros do esquadrão em pessoas com mais responsabilidade do que os Vingadores e os X-Men em seus filmes. Não combina uma ameaça a nível mundial com esses vilões, que deveriam ter um antagonista com quem se relacionar, a exemplo do próprio Coringa (Jared Leto), que poderia ter sido utilizado para tal finalidade.

Ainda dentro da própria confusão nos bastidores, a questão da edição é algo que realmente incomoda. A montagem feita pelos editores da Trailer Park causa incômodo desde os primeiros minutos. O longa-metragem parece uma colcha de retalhos com diversos momentos acontecendo rápido demais; cenas diminuídas ou encaixadas dentro da montagem sem nenhum contexto ou sentido dentro da narrativa; músicas populares no volume máximo atiradas em cima de cenas sem relação alguma; sem contar a ausência de desenvolvimento dos personagens. Exemplos não faltam. Em determinado momento, exibido nos trailers, os vilões são levados até certo local para se prepararem, vestirem-se e partir para sua missão. Nos vídeos de divulgação, este é o instante em que Arlequina (Margot Robbie) alega que as vozes em sua mente estão lhe dizendo para matá-los e, logo em seguida, que não é isso que dizem de verdade. É engraçado. Tem timing cômico. Porém, dentro do filme, a cena é jogada em montagem rápida, com “Seven Nation Army”, do White Stripes, tocando alto e tirando o foco do que está acontecendo na tela, ocasionando na destruição da graça da piada. Outro momento estrelando a personagem é a cena, presente em um dos trailers, em que ela quebra uma vitrine para roubar uma bolsa e diz “nós somos os vilões, é isso que fazemos”. Divertidíssimo, mas só no vídeo. Dentro da película, a pequena sequência (presente em sua totalidade nos trailers) é jogada no meio da projeção, sem conexão alguma com o que estava acontecendo antes e menos ainda no take seguinte. Não faz sentido. É o tipo de edição ágil e picotada que vemos em trailers, até videoclipes, mas que não servem para um longa-metragem. É outro timing, do qual os editores do Trailer Park obviamente não têm domínio.

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Em se tratando da edição equivocada, a versão do filme que foi ao cinema aposta em mostrar uma ficha de quem é cada um (ou boa parte, ao menos) dos personagens dentro do esquadrão. A decisão é uma tentativa de trazer mastigadinho aos espectadores quem são eles, mas sem precisar de fato desenvolvê-los. Tentem pensar se apresentassem Rey, Finn, Poe e Kylo Ren com uma ficha cheia de informações logo nos primeiros minutos de Star Wars: O Despertar da Força, para simplificá-los e não deixar o espectador curtir o mistério de quem são e descobri-los pouco a pouco dentro da construção narrativa. É desta forma que o longa acredita não precisar trabalhar nada de Magia (Cara Delevingne), Rick Flag (Joel Kinnaman), Capitão Bumerangue (Jai Courtney) e Crocodilo (Adewale Akinnuoye-Agbaje). Enquanto estes dois são alívios cômicos (daí saem boas tiradinhas, mas nada extraordinário), Rick e Magia dão vida a um casal desprovido de qualquer carga emocional apresentada na tela para fazer com que os espectadores se relacionem ou se importem com eles. Katana (Karen Fukuhara) também é brevemente explicada, mas sem desenvolvimento além de um mero recurso para cenas de ação, enquanto Amarra (Adam Beach) sequer se justifica dentro da trama.

Os personagens com mais tempo em tela e que têm desenvolvimento são Pistoleiro, Arlequina e Amanda Waller. Viola Davis interpreta mais uma vez uma mulher empoderada, que basicamente manda na bagaça inteira. Ela não se amedronta diante dos perigos e dos homens engravatados. Ela não pede, ela simplesmente ordena e consegue o que quer. Para a surpresa de ninguém, Davis entrega mais uma atuação em altíssimo nível. O Pistoleiro de Will Smith também tem seus bons momentos. Sendo o protagonista ao lado de Arlequina, a trama mostra seu passado e explora o lado sentimental do personagem com sua filha, o que dá a oportunidade de Smith mesclar seu estilo engraçadão com nuances dramáticas quando lhe é requerido.

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Arlequina, por sua vez, é a grande atração de Esquadrão Suicida. Se tem algo em que o filme acerta o tom é a personagem. Margot Robbie entendeu quem é essa mulher e acerta com precisão. Arlequina é o fruto de um relacionamento altamente abusivo. Ela se apaixona por Coringa, que tira tudo dela, a ferindo tanto emocional quanto fisicamente. Ele a destrói e deixa apenas os pedaços. A loucura e a dependência dela são resultado disso. Ela não responde mais por si e se deixa levar pelo namorado obsessivo e agressor, como se fosse propriedade dele. Diferente de alguns comentários desde o lançamento do longa, não enxergo que ele enalteça esse amor abusivo. Pelo contrário. Ele mostra os malefícios de uma relação como essa e como Arlequina ainda sofre com isso, sendo aquele tipo de mulher que não consegue se desvincilhar do seu abusador — uma situação lamentável, mas ainda corriqueira. A própria Robbie deu entrevista dizendo que Arlequina não é uma mulher forte e tampouco é sinônimo de girl power — porque de fato não é. Ela é um exemplo do estrago psicológico que uma pessoa pode fazer à outra. Justamente por isso é que faria mais sentido se Coringa fosse o antagonista da produção, com Arlequina podendo dar uma espécie de troco ao personagem vivido por Jared Leto.

Robbie é engraçada, louca, violenta, em partes ingênua, frágil e sem capacidade de discernimento e distinção da realidade. Ela não abusa da sensualidade, ainda que seu curto shorts evoque um lado sexy, mas que não fica em evidência. E ainda que a atriz seja perfeita para o papel, sente-se falta de mais do passado da personagem, e parte disso são as diversas cenas deletadas do longa. Devido à versão mais light da película, muito material ficou no chão da sala de edição, enquanto takes tiveram mudanças no roteiro e no tom (como aquela dos trailers em que Coringa diz a um homem que irá mostrar-lhe seus brinquedos, mas na versão do cinema a frase muda completamente), outras novas cenas surgiram, possivelmente oriundas das refilmagens foram anunciadas no final de março.

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Diversas sequências presentes nos trailers não estão na versão final e o personagem que mais sofreu com isso fora o Coringa de Jared Leto. O personagem não tem sequer 15 minutos no filme, tendo diversas cenas cortas, diminuídas ou reescritas, retirando muito da relevância do personagem para a história. Ele orbita em torno de Arlequina, sendo mais um incômodo dentro da trama do que um recurso agregador ou assustador. É tão pouco tempo em tela que fica difícil julgar a atuação de Leto, que parece uma mescla de gângster com Voldemort (definição criada por Marcelo Hessel e que eu concordo), com seus grunhidos e sons estranhos. Tudo leva a crer que Coringa tinha um papel maior no filme, havendo mais espaço para seus flashbacks com Arlequina. Um motivo para poupar o personagem é que a Warner buscava uma versão mais família, acessível, e o palhaço do crime certamente não é uma figura tranquila para assistir no cinema na companhoa de sua avó ou sobrinho de 10 anos. A tese se reforça ainda mais porque fotos do set mostram Coringa agredindo a Dra. Harleen Quinzel — e bater numa mulher é mais soturno do que o resultado almejado pelo estúdio.

Por fim, Esquadrão Suicida é uma tremenda confusão, não sendo assustador, tenso, cheio de adrenalina ou divertido. O longa tem bons atores, alguns bons momentos perdidos e só. Podem acusar BvS de diversas coisas, porém o longa de Zack Snyder ao menos tem personalidade (ainda que nem todos gostem de sua assinatura) e os personagens possuíam motivações plausíveis. Infelizmente, Esquadrão Suicida não tem nada disso. O que é uma pena não só para a Warner, que pode amargurar mais uma vez nas bilheterias, mas especialmente para o espectador, que sai do cinema iludido e decepcionado.

Imagens: Warner Bros.
Imagens: Warner Bros.

Esquadrão Suicida
Suicide Squad
EUA, 2016 – 123 min
Ação

Direção:
David Ayer
Roteiro:
David Ayer
Elenco:
Will Smith, Jared Leto, Margot Robbie, Joel Kinnaman, Viola Davis, Jai Courtney, Jay Hernandez, Adewale Akinnuoye-Agbaje, Cara Delevingne, Ike Barinholtz, Karen Fukuhara, Adam Beach, Ben Affleck, Scott Eastwood

2 STARS

Por Rodrigo Ramos

 

One thought on “Esquadrão Suicida | Crítica

  1. Sua revisão é muito boa, no entanto, penso que é importante mencionar que a adaptação de quadrinhos foi bastante boa. Arlequina e Coringa foram bem interpretados por Margot Robbie e Jared Leto. Acho que falar do Margot Robbie significa falar de uma grande atuação garantida, ela se compromete com os seus personagens e sempre deixa uma grande sensação ao espectador. Para mim Esquadrão Suicida é um dos melhores filmes de super-heróis.

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