A era dos bons filmes baseados em games não começa com ‘Warcraft: O Primeiro Encontro de Dois Mundos’

Mesmo com visual arrojado, filme dirigido por Duncan Jones é uma oportunidade perdida.

Warcraft posterApesar do lançamento de diversos filmes baseados em HQs, 2016 deveria ser o início da era de bons longas-metragens baseados em games. Em dezembro nos Estados Unidos (e em janeiro de 2017 no Brasil), Assassin’s Creed vem para tentar provar que é possível respeitar o jogo em que se baseia e ser também uma boa obra para aqueles que não são fãs da franquia. Warcraft: O Primeiro Encontro de Dois Mundos deveria abrir o caminho para esta nova era já no meio do ano. Contudo, apesar da pretensão e do alto investimento da Universal, a película que estreou na última quinta-feira (2) no país mostra-se visualmente estonteante, porém vazia em seu interior, jogando toda a responsabilidade de volta para Assassin’s Creed.

Warcraft era uma aposta arriscada, mas poderia preencher a lacuna de filmes de fantasia, já que não há mais nenhum longa que se passe na mitologia de O Senhor dos Anéis. A estratégia de marketing até tentou invocar a criação cinematográfica de Peter Jackson, porém fracassou de antemão ao lançar trailers que falhavam ao interessar os fãs dos games e dos filmes de fantasia pela ausência de personalidade e detalhação. Numa realidade em que se precisa levar milhões de pessoas ao cinema para se ter lucro, a maioria delas não tendo nenhum conhecimento prévio do que se trata a história do jogo, os vídeos de divulgação fizeram um péssimo trabalho ao não agradar nenhuma das duas vertentes de espectadores. O resultado pode fazer com que a Universal pague caro por isso. Se a publicidade falhou, talvez tenha sido até mesmo pela falta de estruturação no roteiro do longa, que também falha ao contar uma história que tenha sustentação e profundidade. Os trailers eram uma amostra do que seria visto na telona.

Warcraft 03

Em tese, Warcraft deveria mudar o senso comum de que filme baseado em games é ruim. Mesmo sendo arriscado apostar tanto dinheiro (cerca de US$ 160 milhões na produção) em uma marca de jogos, os produtores trouxeram pra direção Duncan Jones (Lunar, Contra o Tempo), fã incondicional da franquia de games. Ele tinha a intenção de ser extremamente fiel, tanto no visual quanto na história. Em certas circunstâncias, isso pode ser positivo. Mas, no caso de Jones, não foi. Dar controle criativo a ele acabou se tornando um erro — ele divide o roteiro com Charles Leavitt, baseado na história de Chris Metzen. Tão fascinado por aquele universo, Jones mostrou não saber deixar de lado seu amor para conduzir uma narrativa que atraísse um público mais amplo e que tivesse qualquer tipo de estrutura fora o plot genérico de uma guerra entre dois mundos.

O mundo dos homens (e outras raças) entra em batalha com o mundo dos orcs, já que este está prestes a acabar e, por conta disso, um orc detentor de poderes mágicos capazes de tirar a alma (e vida) de outros seres vivos conduz os demais de sua espécie para o plano dos homens, do qual pretendem tomar conta. Em meio ao confronto, há a apresentação de vários personagens, como o orc Durotan (Toby Kebbell), que quer apenas a salva-guarda de sua esposa e seu filho recém-nascido, e Lothar (Travis Fimmel), humano que defende o reino do rei Llane Wrynn (Dominic Cooper).

Imagens: Universal Pictures.

O grande problema reside no desenvolvimento desses personagens. Com exceção de um único personagem (e naquelas), as demais figuras da película não possuem tridimensionalidade. Lothar, por exemplo, explode em determinada parte do longa por conta de um episódio trágico para ele, porém seu desenvolvimento dentro da narrativa não faz com que o espectador sequer perceba que há um elo emocional entre ele e tal personagem. Não foi trabalhada uma experiência sensorial entre ele e o segundo personagem, a ponto de que quando a tragédia ocorre, o espectador chega até mesmo a se perguntar “quem é essa pessoa mesmo?”.  O envolvimento de Lothar com outra personagem também é absurdamente mal desenvolvido. Em poucas cenas e diálogos rasos e rápidos, cria-se uma relação forçada e tipicamente clichê em cinema de ação. Não há uma preparação de terreno para isso. Simplesmente acontece. Reza a lenda que existe uma amizade entre ele e o rei, mas não há demonstração de afeto a não ser pelo fato de Lothar ser irmão da rainha. O mesmo Lothar, no terceiro ato do filme, cai em uma daquelas armadilhas de roteiro — o protagonista é colocado em descrédito pelo antagonista, de forma rasa e estereotipada, com direito a chilique sob o efeito do álcool, para posteriormente se reerguer e provar seu valor.

Os personagens postos no jogo são apenas peões, sendo totalmente dispensáveis. Além disso, falta carisma e motivações convincentes a eles. Em tese, não deveria haver “mocinhos” e “bandidos” em Warcraft. Se a ideia é de que nenhum dos dois grupos representa o bem ou o mal, sendo totalmente carregados por uma ilusão criada pela magia e o poder, o que nos faz querer torcer pra qualquer um deles? Nota-se que a preocupação maior é criar cenas de ação e não desenvolver personagens. Exceto pela motivação de Durotan, todos parecem estar ali para preencher as lacunas dos momentos sem pancadaria. A narrativa é uma desculpa para que sejam feitas brigas entre orcs e homens. É mais fan service para os jogadores de Warcraft do que uma experiência cinematográfica completa.

Film Title: Warcraft

Se a intenção era preencher o vazio dos filmes épicos e de fantasia, Warcraft falha duramente. Cenas de ação não são o coração de produções como a trilogia O Senhor dos Anéis, o primeiro As Crônicas de Nárnia e o último Harry Potter. Personagens cativantes, bem escritos, antagonistas e protagonistas com motivações são o que verdadeiramente sustentam tais películas de fantasia. Ainda no âmbito de épicos, Gladiador só é vencedor do Oscar porque, antes da mera pancadaria, soube dar atenção aos seus personagens antes de qualquer coisa. Apesar de não ser unanimidade, 300 também consegue dar tempo para que as peças no tabuleiro tomem consciência de suas jornadas, suas motivações e suas decisões.

Jones acertou em cheio em termos visuais. Warcraft é mesmo de encher os olhos e não fica apenas nas paletas escuras, apostando em tons mais coloridos, como o azul e o verde. O trabalho com os orcs é digno de aplauso, em especial o resultado primordial de captura de movimentos. Porém, o peso desses acertos não é capaz de balancear o saldo final. Não é divertido, nem engraçado, ou tenso, tampouco emocionante. O filme não se preocupa com seus personagens, deixando diversas pontas soltas para possíveis sequências — Jones já disse ter uma trilogia em mente — e esquece de dar resoluções, satisfatórias ou não, aos espectadores. Para quem conhece de perto o universo dos games, é possível ter uma experiência melhor do que a maioria do público. De qualquer maneira, Warcraft jamais sobreviverá como uma franquia cinematográfica se focar apenas na memória afetiva dos fãs dos jogos. Jones errou feio, errou rude, e é uma pena.

Imagens: Universal Pictures
Imagens: Universal Pictures

Warcraft
EUA, 2016 – 123 min
Aventura

Direção:
Duncan Jones
Roteiro:
Duncan Jones, Charles Leavitt, Chris Metzen
Elenco:
Travis Fimmel, Paula Patton, Ben Foster, Dominic Cooper, Toby Kebbell, Ben Schnetzer, Robert Kazinsky, Clancy Brown, Daniel Wu, Ruth Negga, Anna Galvin

2 STARS

Por Rodrigo Ramos

 

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