The Good Wife – 7ª Temporada | Crítica

O melhor drama da TV aberta encerra sua jornada negligenciando seus coadjuvantes e perdendo tempo com plots desinteressantes.

[Este texto contém spoilers da temporada em questão]

The Good Wife season 7 CBSNos últimos 10 anos, The Good Wife foi uma das melhores — se não a melhor — séries da TV aberta norte-americana. Conduzir arcos narrativos de 22 horas é uma tarefa árdua e é fácil se perder em termos de consistência e coerência. O programa constantemente desafiou a lógica da TV aberta, passando de um mero procedural de tribunal para almejar objetivos ambiciosos. Semanalmente, ao longo de seus sete anos em exibição, o seriado explorava o relacionamento dos seus personagens tridimensionais, empoderou as mulheres dos mais variados estilos de vida, trazia temas atuais e até mesmo espinhosos para os casos da semana, contava com atores convidados de alto nível para participar (especialmente juízes e advogados), se moldava por novos desafios e viradas de roteiro sem (quase) nunca perder a qualidade, além de contar com um excelente elenco e que costumeiramente dá tudo de si. Em termos de feminismo, a série abriu caminho para o protagonismo das mulheres, e se hoje existe Olivia Pope e Annalise Keating, agradeça The Good Wife.

Toda essa introdução é para dizer que TGW nunca foi fácil de ser resumida e certamente ocupa um espaço importante na história da TV estadunidense. Se houve um ápice, certamente foi entre a quinta temporada inteira até o 10º episódio da sexta temporada, fechando a sequência impecável com “The Trial”, um dos melhores episódios de toda a série. Após isso, o seriado trilhou um caminho que terminou neste domingo, com um series finale controverso. Da metade da temporada passada pra cá, TGW transformou-se numa narrativa focada em servir Alicia Florrick (Julianna Margulies) e ninguém mais. Enquanto Cary Agos (Matt Czuchry) cresceu entre o quinto e o início do sexto ano, sua participação foi se tornando cada vez mais dispensável na segunda metade da temporada passada e se tornou inexpressiva nesta última temporada. Diane Lockhart (Christine Baranski), uma das principais coadjuvantes da série, também foi reduzida a plots insignificantes neste sétimo ano. Isso sem contarmos como Kalinda Sharma (Archie Panjabi) foi de uma das melhores personagens femininas da história da TV para uma figura que sequer sabia o que ainda fazia em cena sendo que não dividia uma cena com a protagonista da série há mais de duas temporadas. Em suma, TGW foi perdendo, pouco a pouco, parte do que a fazia brilhante e negligenciou seus coadjuvantes sem dó nem piedade.

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A sétima temporada de TGW certamente fora a que conteve mais altos e baixos. O quarto ano certamente não é unanimidade, porém os erros não foram tão grotescos quanto neste último. No final da sexta temporada, fomos deixados com o cliffhanger de que Alicia poderia formar um novo escritório com Louis Canning (Michael J. Fox), porém era apenas uma cortina de fumaça para esconder o que era a intenção deste novo ano. Alicia recusa a parceria e parte para o básico, agindo como advogada independente, conseguindo alguns clientes através do “bond court”, um tribunal nos EUA para rapidamente argumentar em defesa dos réus e firmar a fiança para que ele responda o processo em liberdade. Ali dentro ocorreram alguns dos melhores momentos da temporada, com Alicia tendo que se virar nos 30 e encontrando com Lucca Quinn (Cush Jumbo), a nova personagem. Era uma nova linguagem para a série, o que dava a sensação de frescor. Mas, como nada é perfeito, essa escolha não dura muito e, eventualmente, Lucca e Alicia partem para a parceria.

Nessa necessidade de resolver casos por si só, Alicia precisa de um investigador, e eis que surge Jason Crouse (Jeffrey Dean Morgan), um ex-advogado misterioso e com uma carinha de quem está paquerando todas as mulheres da sala o tempo todo.

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Entre os personagens já estabelecidos, Peter Florrick (Chris Noth) decide participar das primárias do partido democrata para as eleições presidenciais, deixando Eli Gold (Alan Cumming) de lado, optando pela experiência a nível nacional de Ruth Eastman (Margo Martindale), iniciando uma vingança pessoal por parte do ex-gerente de campanha de Peter.

De certa forma, todos os citados acabam passando pelo caminho um do outro, até porque os personagens orbitam em torno de Alicia. E tudo faz sentido até determinado ponto. A série deixou claro que o centro de tudo é Alicia, porém, ao distanciá-la do escritório de advocacia que lhe acolheu no piloto da série, os roteiristas distanciaram-na também emocionalmente dos personagens que ficaram por lá. Se a saída de Kalinda já fora um fiasco com aquela tela verde, Cary e Diane se tornaram irrelevantes para a história de Alicia. Ainda assim, os roteiristas incessavelmente tentam fazer algum tipo de ligação forçada e fora de mão entre Alicia e Lockhart, Agos & Lee. O erro principal desta temporada foi empurrar ao espectador, goela abaixo, que os plots paralelos de Diane, Cary, David Lee (Zach Grenier) e Howard Lyman (Jerry Adler) têm algum tipo de relevância enquanto eles sequer fazem sentido dentro do próprio caminho traçado por Alicia.

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As tentativas frustradas de tentar aproximar Diane e Cary da trama de Alicia mais desgastaram os personagens do que os fortaleceram. Não seria um erro decidir focar as forças nos dramas de Alicia e menos nos coadjuvantes, a exemplo da dupla de advogados. O erro é tentar inseri-los quando eles são irrelevantes. Já que o plano era levar, em algum momento, a protagonista de volta ao escritório de advocacia, traria um impacto emocional bem maior acompanhar seu regresso após oito episódios sem vermos Cary e Diane. Quem sabe dessa maneira voltaríamos a nos importar com eles. É deprimente ver Matt Czuchry e Christine Baranski, dois ótimos atores, em tramas desprovidas de emoção e conexão com o resto da série.

Duas novas adições ao elenco também ficaram devendo. Os espectadores não quiseram crer que Lucca e Jason seriam o step de Kalinda, com ambos servindo para ocupar a lacuna deixada pela ausência de Sharma. Apesar de funcionarem como auxiliares e ajudarem a movimentar a narrativa, suas personalidades nunca são completamente destrinchadas. Quem é Lucca, afinal? Quem é Jason, afinal? O espectador ficou na dúvida e, no fim, a dúvida vai morrer com ele. Se ao longo dos 22 episódios os dois serviram até mesmo como alívio cômico, certamente foi lamentável ver os últimos momentos de Lucca na série como a shipper oficial do casal Alicia e Jason. Na reta final, a série mostrou que realmente não estava disposta a desenvolver decentemente outro personagem a não ser Alicia em si. Jason também é um caso sério. É fácil se encantar pelo sorriso e olhar cafajeste de Jeffrey Dean Morgan, mas a verdade é que ele é apenas um interesse romântico — mas não significa que ele seja de se jogar fora. Ele cumpriu seu papel com eficiência e ajudou, de certa forma, para que Alicia continuasse sua evolução como personagem, finalmente percebendo que seu casamento de conveniências com Peter não faz mais sentido e ela precisa seguir com sua vida — com ou sem Jason, inclusive, mas de preferência com.

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A temporada também deixou algumas lacunas em aberto e não creio que todas tenham sido propositais. Possivelmente falta de atenção. Logo no início da participação de Jason, ficou evidente que ele tinha um passado problemático. A série induziu o espectador a imaginar que isso seria evidenciado em algum momento, porém o plot logo foi parar debaixo do tapete. O mesmo pode se dizer da revelação de que Peter ajudou a fraudar as eleições a favor de Alicia, o que a forçou a desistir da posse de promotora do estado. Já imaginaram como esse final de temporada teria um impacto significativamente maior se Alicia tivesse acesso a essa informação, sendo verdadeiramente a gota d’água para ela se separar do marido, além de pô-lo na cadeia, deixando-o falando sozinho na coletiva de imprensa de renúncia do cargo? Os próprios roteiristas deram as pistas, porém esqueceram ou simplesmente optaram por seguir outro caminho para finalizar a narrativa. Para Eli, é um fardo carregar aquela mensagem deixada por Will Gardner (Josh Charles) e que até esta temporada não havia compartilhado com Alicia, porém esconder dela que Peter ajudou a abreviar sua carreira política não parece ter pesado em sua consciência.

Em termos de reta final, a série mostrou força nos casos da semana, na construção de personalidade de Alicia e seu caminho, mas não se mostrou tão inspirada no julgamento que poderia condenar Peter. A série constantemente trouxe casos fascinantes, inclusive nesta temporada, mas a caça às bruxas focando o governador Florrick não trouxe nenhum frescor ou surpresa, até porque quem é que se importa ainda com o destino de Peter a essa altura do campeonato? Nem mesmo Alicia, conforme ela pontua no finale, sabe se ela se importa. O que acontece com Peter se torna tão irrelevante quanto o destino de Cary (um personagem jogado aos subplots irrelevantes, uma pena) e David Lee (que sumiu no finale e nunca foi importante a não ser para fazer encrenca e gracinha), por exemplo. O que interessa a essa altura é o destino de Alicia e mais ninguém, até porque os roteiristas nos obrigaram a nos importarmos apenas com isso. Infelizmente, “End”, o series finale, acerta no mesmo nível em que erra feio.

End

A aparição de Will Gardner, apesar de um tanto tarde demais (precisava mesmo ser no finale?), foram agradáveis no sentido de nos relembrar como a dinâmica entre ele e a protagonista era, talvez, a melhor coisa da série. Mesmo sendo em uma ilusão em meio ao seu pensamento, não dá pra reclamar do retorno de Will, que funciona como um conselheiro. Ao mesmo tempo em que foi ótimo revê-lo, foi preguiçoso e até mesmo estúpido que ele dê o conselho para Alicia correr atrás de outro homem. Aliás, se tem algo que o episódio erra, mas corrige o escorregão cometido ao longo de “End” no último minuto de exibição é resumir a saga de Alicia em três homens e que ela tem que escolher um deles para ser feliz. Isso é errado em níveis estratosféricos para tudo o que a série pregou ao longo de sete temporadas, colocando a independência de uma mulher acima de qualquer coisa. No entanto, o tapa de Diane serve para acordar Alicia e salvar a dignidade do roteiro.

Durante a coletiva de imprensa de renúncia de Peter, Alicia se recusa a dar a mão ao futuro ex-marido e corre em direção a quem ela pensa ser Jason, porém não passa de um engano. Após a agressão da colega de trabalho no corredor, Alicia sente a dor, chora e se recompõe. Ela não tem mais ninguém em casa, não tem um amor, não tem a amizade de ninguém, nem mesmo a relação com Peter. Ela tem somente a si mesma. E o tapa serve para ela enxergar tudo isso. Claro que ela, num impulso, quis perseguir Jason. Não porque ela precisa necessariamente de um homem para encontrar a felicidade, mas isso não significa que ela também não pode ser feliz ao lado de alguém. A relação dela com Jason serviu como evolução da personagem, com Alicia se tornando cada vez mais independente do casamento e aventurando-se despretensiosamente na cama com outra pessoa. Apesar de torcer por um final mais positivo para a personagem, o gosto mais amargo do que doce cabe melhor do que um “felizes para sempre” dentro do cinismo apresentado ao longo da série.

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O tapa de Diane, no entanto, tem menos impacto em termos emocionais do que teria se tivesse ocorrido na temporada passada, quando a advogada tinha plots interessantes e desenvolvimento condizente com o seu peso para a série. Mas, conforme já levantado ao longo do texto, o seriado negligenciou boa parte do elenco ao redor de Alicia e acabou perdendo parte de sua qualidade, atingindo o cerne do programa. Na reta final, até tentaram dar um pouco mais de vida para a personagem de Christine Baranski, que aproveitou a oportunidade para mostrar o quão absurdo é o seu talento na pele de Diane Lockhart. Infelizmente, veio em um momento em que já não havia mais a conexão emocional com o espectador. Sem contar que pintar, ainda que rapidamente, Diane como uma esposa ciumenta não condiz com sua personalidade até aqui. Apesar disso, o finale usa a relação dela com Kurt McVeigh (Gary Cole) para virar o jogo do julgamento de Peter e cessar a relação dela com Alicia de vez. Afinal, Alicia age pelas costas da experiente advogada. As duas já tiveram seus desentendimentos, mas nunca a protagonista atingiu tão em cheio os sentimentos da coadjuvante, usando um ente querido (independente se Kurt a traiu ou não, mas eu entendo que não o fez, porém tudo fica subentendido e cabe ao espectador tirar suas próprias conclusões) e humilhando o casal, tudo para salvar o seu marido, do qual Florrick sequer se importa. Se Diane não tivesse sido esquecida por tanto tempo, certamente o tapa teria doído mais no espectador.

Apesar das críticas pesadas ao sétimo ano, a série ainda sobreviveu com certa força em outras frentes. Os atores convidados continuaram a enriquecer o elenco, sendo Margo Martindale uma das melhores adições — ainda que tenha sido temporariamente, apenas. A série manteve o talento de mesclar drama com bom humor em quase todos os episódios, até mesmo ampliando as situações cômicas através da metamorfose de Alicia, cada vez mais não se importando com a opinião alheia. Em “Veredict”, penúltimo episódio da temporada, Canning conta à personagem que Peter a traiu mais uma vez e ela não esboça nenhuma reação. Ele questiona a frieza dela, Alicia pergunta se ele prefere que ela chore, então Julianna Margulies, em um dos diversos momentos incríveis ao longo desta temporada, faz uma cena de choro falso com lágrimas de crocodilo. “Deus, eu te amo”, diz Canning. Nós também, Louis, nós também. É esse tipo de escape que ajudou a temporada a continuar em pé, apesar dos pesares.

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Vale citar que a série manteve também a qualidade ao trazer assuntos do momento, muitos deles pontuais, para discutir através dos casos da semana. A vigilância do governo, controle de armas, limites de privacidade, drones, Segurança Nacional, injustiças e problemas no sistema judiciário, tecnologia, política, e muito mais. Nem todos os temas trazidos à pauta deram em algo positivo a longo prazo. É o caso do racismo dentro do ambiente de trabalho, que foi pontual quando surgiu, mas se estendeu de forma pobre e rasa dentro do Lockhart, Agos & Lee. Para o bem ou para o mal, a exemplo das temporadas de Game of Thrones (apesar de a escala não ser a mesma, haja visto o fenômeno cultural que é a série da HBO), sempre fora possível extrair algo para se comentar após um episódio de TGW.

Acima dos escorregões e até das coisas boas da série, uma coisa jamais foi posta em dúvida: a atuação de Julianna Margulies. A atriz não é daquelas que precisa gritar e gesticular furiosamente para provar-se. Com mudanças apenas no olhar, nas feições do rosto e no tom de voz, Margulies consegue extrair de si tudo o que o roteiro exige. Em momentos de catarse como em “Judged” e “Iowa”, de romantismo como em “Landing” e “Party”, até de cinismo como em “Driven” e “Party”, Margulies entrega em todos eles. Não sei se é possível que ela derrote Viola Davis após ter ficado de fora dos indicados ao Emmy no ano passado, mas não há dúvidas de que a interprete de Alicia Florrick merecia mais um troféu na estante depois de mais ano de desempenhos impecáveis.

Verdict

No final do dia, os pontos negativos não ofuscam a série a ponto de ela não brilhar quando se concentra para isso. A sétima temporada mostra que TGW se despede na hora certa, pois uma suposta oitava temporada, sem Eli e nem mesmo os criadores/showrunners seria o caminho para a ruína. Robert e Michelle King são os responsáveis pelo declínio do seriado, já que preferiram jogar seguro na metade da temporada passada até o final desta, mudando as coisas, mas não tão longe da zona de conforto. Era fácil elevar a série ainda mais, colocando Diane como juíza (passou da hora faz tempo), por exemplo, e ter deixado Alicia exercer um cargo público — pensem como tudo seria diferente se Alicia tivesse assumido o posto de procuradora do estado, conhecendo um ponto de vista completamente distinto de tudo que já vivenciou. Já pensaram que ela mesmo poderia ter de liderar um processo contra Peter? E eventualmente enfrentar Cary de igual pra igual em uma ação do Estado contra um determinado réu, enquanto Diane presidia o julgamento. Não seria incrível? Seria. Mas para o nosso azar, os Kings decidiram focar os seus esforços em outros projetos, como a nova série da CBS, BrainDead. Dos 53 episódios (dos 156 da série) escritos pela dupla, apenas dois deles foram nesta temporada. Com isso, eles parecem ter deixado o destino de TGW nas mãos de outros roteiristas, que apesar de manterem o alto nível nos diálogos e em Alicia, certamente esqueceram a importância que os coadjuvantes sempre tiveram no desenvolvimento do programa. Não é o adeus que gostaríamos, mas é o que recebemos.

De qualquer maneira, mesmo em seu pior momento, TGW ainda é uma das melhores coisas da TV aberta — na temporada 2015/2016, só Jane the Virgin a superaO final, por mais contraditório que tenha sido, não deixa de ser cínico e até mesmo ousado para o canal em que é exibido — a CBS é conhecida por Criminal Minds, franquias CSI e NCIS, além das comédias de Chuck Lorre, ou seja, aqueles seriados que se arrastam e costumeiramente terminam com um final clichê e muitas vezes feliz. Felizmente, TGW se distingue de tais programas. Aliás, a série, até o seu último momento, provou ser diferente de tudo o que há atualmente na TV aberta. Pena que acabou.

End
Imagens: CBS

The Good Wife: The Seventh Season
EUA, 2015/2016 – 22 episódios
Drama

Criado por:
Robert King, Michelle King
Elenco: 
Julianna Margulies, Matt Czuchry, Alan Cumming, Cush Jumbo, Makenzie Vega, Jeffrey Dean Morgan, Christine Barnski, Chris Noth

3.5 STARS

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