Sucesso improvável, o filme prova que o cinema e o gênero de super-heróis não devem ser levados tão a sério
Ryan Reynolds emplacou um fracasso atrás do outro interpretando personagens de quadrinhos. Blade Trinity, X-Men Origens: Wolverine e Lanterna Verde. Totalmente culpa dele? É claro que não. Afinal, o ator estava em películas que por si só eram fadadas à derrota devido ao roteiro. Porém, a impressão gerada após as três tentativas frustradas fizeram com que o público ficasse mais cético ao vê-lo interpretando um super-herói.
Após alguns anos de experiência em Hollywood, talvez Reynolds tenha aprendido a lição e tenha se focado em projetos que realmente lhe interessem. Deadpool sempre fora um deles, no qual ele e Tim Miller sonhavam em conceber. Porém, levar um personagem desbocado, com cenas de nudez e violência explícita talvez não fosse o caminho mais atrativo para a Fox, detentora dos direitos do mutante. Eles até fizeram um teste, aquele que caiu na internet há cerca de dois anos, mas o estúdio engavetou o filme, possivelmente pelos motivos citados, além do fracasso do personagem dentro de X-Men Origens: Wolverine. Mas o vazamento acabou gerando a comoção dos fãs, que basicamente forçaram a Fox a produzir o longa do jeito que eles pediam. Nestes casos é que se deve agradecer o poder da internet, pois Deadpool é um presente para os fãs de quadrinhos em geral e dá uma chacoalhada no cenário dos super-heróis no cinema.
Em um ano repleto de super-heróis nos cinemas, Deadpool é o primeiro a dar a cara pra bater e chega com certo frescor. Se você conhece o personagem, suas HQs ou pelo menos assistiu um dos trailers, o filme é exatamente o que você está esperando. Neste caso, isso é algo extremamente positivo. Deadpool dá um banho de sangue, sem dó nem piedade na hora de cortar membros e até mesmo impactar pela sua violência descabida. É, de certa forma, um retrato mais correto do que aconteceria em qualquer luta de um dos Vingadores contra seus vilões, caso a Marvel se preocupasse em deixar tudo mais realista, o que não é o caso.
O longa não tem medo de ser debochado e quase irritante com tanta gracinha. Em suma, Tim Miller mostra não ter nenhuma preocupação em se levar a sério. Pelo contrário, serve como uma espécie de antítese dos filmes de super-heróis. A Marvel constantemente injeta alívio cômico em suas películas, como Guardiões da Galáxia (o melhor do estúdio) e Homem-Formiga, mas nunca ousou ir tão longe. O filme é uma gozação extensa e ri de si próprio — especialmente no que se refere ao seu orçamento limitado –, dos fracassos anteriores de Reynolds como super-herói, e até dos X-Men. Numa das melhores tiradas, o protagonista questiona qual é o Professor Xavier da vez, Patrick Stewart ou James McAvoy, pois as linhas temporais dos filmes dos mutantes é muito confusa.
Além de não ter vergonha de ser violento e engraçado, o longa ainda consegue trabalhar em duas frentes importantes. Deadpool continua sendo uma história de origem, algo que já presenciamos diversas. A forma como a narrativa se desenvolve funciona por não se preocupar em manter uma linha temporal contínua. O protagonista vai explicando ao espectador como chegou a tal ponto, voltando ao passado para relatar o que lhe aconteceu. A edição caprichada não deixa as mudanças de flashbacks para o presente e vice-versa se tornarem entediantes e anticlimáticas, tampouco confusas ou fora de lugar.
A história de origem e o vai e vem da narrativa também são auxiliados por outro importante item. Justamente por não querer enganar o espectador, o filme quebra a quarta parede — uma característica vinda das HQs do personagem — e o anti-herói conversa o tempo todo com o público. Nem sempre essa conversa com a câmera traz resultados positivos, mas em sua melhor atuação da carreira, Reynolds conquista a confiança e simpatia dos espectadores. O recurso, além de agregar em termos de humor na película, traz o clima dos quadrinhos pra telona, o que nem sempre é alcançado no cinema.
Mesmo com o baixo orçamento (cerca de US$ 58 milhões), Deadpool não deixa a desejar em nada e provou nas bilheterias como um filme fiel às suas raízes e seus personagens, independente da classificação etária ou dinheiro injetado na produção, pode dar certo. Em um ano com sete títulos envolvendo super-heróis chegando aos cinemas (além deste, X-Men: Apocalipse, Gambit, Batman vs. Superman: A Origem da Justiça, Esquadrão Suicida, Capitão América: Guerra Civil e Doutor Estranho), Deadpool se destaca por não se levar em nada a sério, o que definitivamente é uma qualidade bem vinda. Ainda que não seja o filme definitivo dos heróis de quadrinhos, a produção deve ser celebrada. Em seu cerne, o longa é uma extensa piada, mas que não perde a graça em suas duas horas. Espera-se que não se torne uma tendência, pois há o risco de os produtores de Hollywood não terem entendido a piada.
Deadpool
EUA, 2016 – 108 min
Ação | Comédia
Direção:
Tim Miller
Roteiro:
Rhett Reese, Paul Wernick
Elenco:
Ryan Reynolds, Morena Baccarin, T.J. Miller, Ed Skrein, Stefan Kapicic, Brianna Hilldebrand