O caminho tortuoso de Leonardo DiCaprio ao seu primeiro Oscar em um filme cheio de pretensões e evocações a Malick
No próximo dia 28, Alejandro González Iñarritu pode fazer história no Oscar ao se tornar o terceiro diretor em 88 anos da premiação a conquistar o prêmio de melhor diretor duas vezes consecutivas. O Regresso, que estreou no último dia 4 no Brasil, é o longa que pode laurear o diretor mexicano, em sua obra mais desafiadora até aqui.
O Regresso retrata a história, baseada em fatos, do guarda da fronteira Hugh Glass (Leonardo DiCaprio), que acaba sendo atacado por um urso e é deixado para morrer por seus companheiros, em especial John Fitzgerald (Tom Hardy), designado a permanecer com ele, segundo ordens. Ambientado em 1823, o longa também retrata a exploração de estrangeiros nas terras de Montana e Dakota do Sul, incluindo aí o relacionamento problemático entre o homem branco e os indígenas.
Logo nos primeiros minutos, Iñárritu exibe seu talento em filmar planos sequências com êxito de sobra. A sequência inicial é tensa, com muito sangue e berros, do jeito que um bom faroeste deve ser. Não demora tanto para que a tão comentada cena do urso aconteça e ela é visceral, impactante, difícil de ser distinguida da realidade. Mérito do diretor, dos responsáveis pelos efeitos especiais e também de DiCaprio, que garante somente aí seu Oscar, com uma performance arrasadora.
Contudo, O Regresso começa a poupar o fôlego logo após a tal famigerada sequência. Assim como Glass fica impossibilitado de se mexer de qualquer maneira, a trama fica estagnada por vários minutos. O que resta é sofrimento por parte de Glass, sentindo dores física e emocional. A partir daí, o longa se respalda na luta pela sobrevivência no meio de terras geladas e nenhum recurso para o protagonista conseguir viver outro dia para obter sua vingança.
O sofrimento na cara de DiCaprio é evidente, talvez até mesmo pelo fato de Iñárritu provocar situações extremas ao protagonista ao submetê-lo às terras geladas do Canadá e Argentina, colocando-o dentro de uma carcaça real de um cavalo e até mesmo fazendo-o comer carne crua de animais. Em suma, o sofrimento é real. DiCaprio passa boa parte do filme gemendo, se arrastando, passando frio e comendo o que encontrar pela frente, refletindo sobre a vida e contemplando as paisagens de tirar o ar. Não dá para distinguir o que é atuação e o que é reação. O ator se esforça tanto para sentir a dor que o overacting é notável. Em uma cena chave, na qual ele presencia o assassinato de um personagem, DiCaprio revira os olhos, se contorce, espumeja e cospe. Não há sutileza alguma em sua atuação, numa das performances mais forçadas dos últimos tempos. Honestamente, acho uma pena que o seu tão aguardado Oscar venha em um papel que, sim, é desafiador, porém ele atua de forma exagerada e dificulta a conexão com o personagem, que tem pouquíssimo desenvolvimento e background para sustentá-lo.
Falando em falta de sustância, Fitzgerald, o antagonista da película, parece um vilão genérico. Sua rixa com Glass se inicia em um diálogo aleatório, em que Fitzgerald reclama da presença do filho de Glass, que é meio indígena. A partir disso, ele tem atitudes egoístas, provando ser capaz de causar tretas de graça, pensando unicamente em ganhar seu dinheiro. O personagem não tem nenhuma dimensão e Hardy se esforça para soar interessante e relevante para a trama, porém é apenas um dispositivo narrativo para o “mocinho” vencer o “bandido”, no melhor estilo faroeste – apesar de Iñárritu negar que o longa seja um, não se prendendo à gêneros, porque os “gêneros” vem da palavra “genérico”.
A jornada de Glass é quase uma desculpa para Iñárritu botar em prática aquilo que sabe fazer de melhor: ser pretensioso. Em uma clara ânsia de ganhar outro Oscar, catapultar sua nova obra em um clássico moderno e mostrar que é o melhor diretor de todos os tempos, em sua concepção particular, ele trouxe para a produção o diretor de fotografia Emmanuel Lubezki, que iniciou a parceria com Iñárritu em Birdman. Se tem uma qualidade inquestionável em O Regresso é o trabalho de fotografia. Os enquadramentos perfeitos e grandiosos, utilizando somente a luz natural em todos os takes, faz com que a experiência visual da película seja quase incomparável. O “quase” é porque Iñárritu claramente evoca Terrence Malick, possivelmente porque Lubezki trabalhou com este em suas últimas quatro películas, incluindo A Árvore da Vida.
Fica difícil definir o que é trabalho de Iñárritu ou de Lubezki, mas quem teve contato com a filmografia de Malick sabe que filmar com luz natural e ter enquadramentos que evidenciam o poder da natureza e quase emulam um sonho é algo corriqueiro nas parcerias entre o diretor de O Novo Mundo e o diretor de fotografia. Há ideias claras de outras películas de Malick com Lubezki presentes em O Regresso (veja nas fotos abaixo alguns exemplos). De uma forma quase bizarra, O Regresso parece uma continuação de O Novo Mundo, e consequentemente da história de Pocahontas e seu romance com um homem branco, principalmente pelo visual (graças a Lubezki) e a trama envolvendo o conflito dos brancos e dos indígenas – além do fato de Glass ter tido um caso com uma índia, o que resultou no nascimento de um filho. Também explica a sensação o fato de Iñárritu ter trazido para seu time a figurinista Jacqueline West e o desenhista de produção Jack Fisk, ambos companheiros de Lubezki em O Novo Mundo.
Com um visual grandioso, sacrifícios tanto da equipe quanto do elenco (foram nove meses de filmagem, com mudanças de locação e orçamento inchado) e a pretensão de ser o maior diretor da atualidade (afinal de contas, Iñárritu considera esta película excelente a ponto de ter que ser vista em um templo para ser apreciada), o estilo contemplativo agrega pouquíssimo para a narrativa, sustentando-se no talento do elenco e da produção do que de um roteiro propriamente dito – o que explica a ausência de uma indicação ao Oscar de melhor roteiro adaptado, apesar das 12 nomeações à premiação. Não que a escolha não seja interessante no ponto de vista artístico, o problema é que os cenários não ajudam a contar a história como possivelmente era o desejado — com o visual se sobrepondo à narrativa, sendo mais atrativo do que o protagonista — e a fluidez da película também atrapalha, se arrastando tanto quanto DiCaprio em cena. Em mais de duas horas e meia de duração, das quais não são justificáveis, o longa se preocupa mais em filmar belamente do que desenvolver sua narrativa, que na verdade tem uma trama simplória, a exemplo de qualquer longa sobre vingança (nomeie aqui qualquer filme estrelado pelo Steven Seagal).
Nas mãos de qualquer outro diretor, O Regresso seria apenas mais um filme, mas o hype em cima de Iñárritu cresce a cada ano, inexplicavelmente, tornando-o algo a ser aplaudido de pé, apesar de ser pomposo, rico em visual, mas ser vazio em seu interior. O diretor mexicano não está inventando a roda aqui. Ele apenas a gira como tantos outros já fizeram antes e ganha mais crédito por isso.
The Revenant
EUA, 2015 – 156 min
Drama | Faroeste
Direção:
Alejandro González Iñárritu
Roteiro:
Mark L. Smith, Alejandro González Iñárritu, baseado no romance de Michael Punke
Elenco:
Leonardo DiCaprio, Tom Hardy, Domhnall Gleeson, Will Poulter, Forrest Goodluck
As imagens comparativas presentes no texto foram extraídas do blog Pinnland Empire. Você pode ver mais detalhes clicando aqui.
Por Rodrigo Ramos