A falta de diversidade no Oscar e na indústria cinematográfica

Pelo segundo ano consecutivo, a Academia só indica caucasianos nas categorias de atuação, fazendo com que público e artistas de Hollywood exijam mudanças

Quando os indicados à 88ª edição do Oscar foram anunciados na última quinta-feira (14), foi difícil não notar a ausência de negros pelo segundo ano consecutivo nas categorias de atuação. Isso sem levar em conta os diretores e roteiristas. Somando as três modalidades, são 41 caucasianos (95,3% dos indicados), um asiático (2,3%) e um hispânico ou latino (2,3%). De lá pra cá, as críticas foram as mais diversas, tanto vindas do público, que lançou a hashtag #OscarSoWhite, quanto de artistas como Spike Lee, Jada Pinkett Smith, Will Smith, David Oyelowo, George Clooney, Mark Ruffalo, Lupita Nyong’o, Reese Whiterspoon, entre outros. A própria presidente da Academia, Cheryl Boone Isaacs, declarou estar “de coração partido e frustrada por conta da falta de inclusão”.

Por conta do barulho causado, a Academia pretende fazer mudanças no seu sistema de votação para incluir mais gente na maior festa do cinema nos próximos anos. De acordo com a Variety, na próxima quarta-feira (26), os membros do conselho da Academia vão se reunir para discutir como tratar a situação daqui pra frente. São esperadas duas decisões: o retorno de 10 filmes na categoria de melhor filme, como aconteceu em 2010 e 2011 — atualmente, o sistema de votação pode fechar a lista entre cinco e 10 nomeados — e aumentar o número de indicados nas categorias de atuação, chegando em até dez nomes — hoje são cinco. Fazem parte do conselho 51 pessoas da indústria.

Esses são alguns assuntos na pauta da Academia, mas também há a possibilidade de mudanças radicais, como excluir o direito de voto no Oscar de membros que estão há 10 anos ou mais sem trabalhar. Ser membro da Academia é vitalício e, atualmente, existem 6.261 associados.

Ainda que todas essas medidas sejam tomadas, não há garantias que haverá mais diversidade entre os indicados. Em 2011, os 10 longas-metragens indicados à melhor filme eram estrelados por caucasianos – incluindo o vencedor daquele ano, O Discurso do Rei. Não por acaso, todos os nomeados nas categorias de atuação também eram brancos.

Spike Lee, Will e Jada Pinkett Smith estão entre os artistas que irão boicotar o Oscar deste ano. Tyrese Gibson deu uma declaração pedindo que Chris Rock deixe de apresentar a cerimônia da premiação. O comediante não se pronunciou sobre.

Indicados ao Oscar de Melhor Ator Coadjuvante. (Divulgação)
Indicados ao Oscar de Melhor Ator Coadjuvante. (Divulgação)

Ao longo dos anos, o Oscar até vem premiando atores e atrizes negros, porém foi apenas em 2014 que um filme dirigido e produzido por um negro (Steve McQueen) e o primeiro escrito por um afro-americano (John Ridley) venceu na categoria de melhor longa-metragem, com 12 Anos de Escravidão. Naquele ano, conquistaram outros troféus para a película o roteirista e a atriz Lupita Nyong’o.

Talvez o alvo escolhido por algumas pessoas não esteja exatamente no local certo. É claro que a Academia poderia ter indicado filmes estrelados por negros como o excelente Creed: Nascido Para Lutar (apenas Sylvester Stallone foi nomeado), o sucesso de bilheteria Straight Outta Compton (a única indicação veio na categoria de roteiro, porém todos os roteiristas do longa são caucasianos), e até o primeiro longa-metragem de ficção da Netflix, Beasts of No Nation. Cheguei a ouvir que Idris Elba não ganhou uma indicação pelo papel na película porque os membros da Academia ainda estão preparados para indicar produções do serviço de streaming. Porém, o argumento cai por terra quando notamos que dois dos cinco dos nomeados à melhor documentário são da Netflix: What Happened, Miss Simone?Winter on Fire: Ukraine’s Fight for Freedom. Ou seja, esnobaram o ator porque quiseram mesmo.

Idris Elba em Beasts of No Nation, um dos fortes candidatos à melhor ator coadjuvante e esnobado pela Academia. (Netflix)
Idris Elba em Beasts of No Nation, um dos fortes candidatos à melhor ator coadjuvante e esnobado pela Academia. (Netflix)

Ainda que existam alguns exemplos que poderiam estar na premiação, tirando eles, quantos filmes de qualidade tiveram negros na frente e atrás das câmeras? Quantos outros longas com negros poderiam disputar uma vaga na premiação fora os citados? O problema não é o Oscar em si, mas a indústria como um todo. Homens, brancos e heterossexuais historicamente têm mais oportunidades e estrelam a maioria das produções feitas em Hollywood.

A falta de diversidade é tão gritante que um estudo divulgado em agosto de 2015 pela University of California’s Annenberg School for Communication and Journalism comprovou o que todos já sabíamos. Entre 2007 e 2014, 73,1% de todos os personagens que têm nome ou possuem alguma fala nos 100 filmes de maior bilheteria neste período eram brancos. Em 2014, dentre os 100 longas mais bem sucedidos nos EUA, apenas cinco dos 107 diretores, o que representa 4,7% do total, eram negros.

Chama a atenção outros dois dados. Apenas 26,9% dos personagens dos 100 filmes de maior sucesso de 2014 não são brancos, sendo que 17 dos longas não possuem um negro ou um afro-americano com falas. Os personagens asiáticos sem nenhuma fala estão presentes em mais de 40 filmes, enquanto apenas 17 películas tiveram um protagonista ou co-protagonista interpretado por um ator de raça ou etnia que não fosse branca. Enquanto isso, dos 779 diretores presentes nas 700 produções, apenas 45 eram negros (5,8%) e 19 eram asiáticos (2,4%). Isso sem nem entrarmos no mérito de idade, latinos, mulheres e comunidade LGBT.

O discurso de Viola Davis no Emmy Awards em 2015 foi preciso. Na ocasião, quando ela se tornou a primeira negra a vencer na categoria de melhor atriz em série dramática por How to Get Away with Murder, ela disse que não há como ganhar prêmios por papeis que não existem – e ela está certa. Com 50 anos e duas indicações ao Oscar no currículo, Davis encontra dificuldade em achar no cinema papeis de qualidade por conta de sua cor, sexo e idade. Na quinta-feira (21), a atriz comentou sobre a situação: “O problema não é o Oscar, o problema é com o sistema de Hollywood”.

Quanto à ausência de negros nas categorias de atuação, Davis disse que os votantes da Academia deveriam se perguntar algumas coisas. “Quantos filmes com negros estão sendo produzidos a cada ano? Como eles estão sendo distribuídos? Os filmes que estão sendo feitos, possuem grandes produtores pensando fora da caixa em termos de escalação de elenco? Você pode escalar uma mulher negra naquele papel? Você pode escalar um homem negro naquele papel?”. A atriz, que não estará na cerimônia neste ano — porque está de férias e não boicotando –, comenta que pode-se mudar a Academia, mas se não há filmes estrelando negros sendo produzidos, como os membros irão votar neles? A mudança necessária para que haja mais diversidade precisa ser profunda, nas entranhas de Hollywood. Aí a questão é a seguinte: será que Hollywood é capaz de mudar?

Por Rodrigo Ramos

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