Além do Tempo | Crítica

Novela das seis ousa, mas termina com um velho e bom clichê

“O que é já foi. E o que há de ser, também já foi. Tudo têm seu tempo determinado e há tempo para todo o propósito debaixo dos céus. Há tempo de nascer e tempo de morrer. Tempo de plantar e tempo de colher o que se plantou.”

E assim começa Além do Tempo, novela das seis da Rede Globo, escrita por Elizabeth Jhin, com direção de núcleo de Rogério Gomes e direção geral de Pedro Vasconcelos.

Ambientada na região fictícia de Campobello, no sul do Brasil, a trama tem como objetivo o espiritismo e se divide em duas partes, com o intuito de fazer analogias às vidas passadas, resgatar histórias inacabadas, amores perdidos, ou, em alguns casos, esquecer mágoas e recomeçar.

Tudo começa em meados do século XIX, movida inicialmente pelo amor impossível de Lívia (Alinne Moraes) e Conde Felipe (Rafael Cardoso), que está noivo de Melissa (Paolla Oliveira).

Mesmo no primeiro capítulo já é perceptível o cuidado com a fotografia da novela. As imagens no campo dão ao telespectador uma visão privilegiada, deixando a história moldada à sua época. Tanto nas cenas externas, quanto internas, se têm mais um ponto positivo. A iluminação dá a impressão de se estar no mesmo cômodo com os personagens, à luz de velas. Um fator que deixou as falas mais dramáticas e, em diversas ocasiões, muito românticas.

Apesar do enredo dos protagonistas, temos um desenrolar muito mais complexo e envolvente, quando Lívia descobre por sua mãe, Emília Diffiori/Allegra (Ana Beatriz Nogueira), que seu falecido pai, o Conde Bernardo (Felipe Camargo), é filho da cruel e amargurada Condessa Vitória (Irene Ravache). Com o intuito de saber mais sobre o pai, Lívia sai do convento para trabalhar no Casarão e tenta, com todas as suas forças, esquecer seu amor por Conde Felipe – o que acabou ficando cada vez mais difícil, para alegria de todos –, o então sobrinho-neto de sua avó paterna.

Como se não bastasse ser obrigada pela mãe a virar freira, a diferença de classes sociais e a noiva neurótica de seu amado, Lívia ainda tem de controlar a obsessão que Pedro (Emílio Dantas) nutre por ela. De início, o galã parece um romântico esquecido, mas, com o passar dos capítulos, constata-se seu verdadeiro caráter.

Entretanto, quando o assunto é Melissa, o telespectador já reconhece sua vilã favorita. Egoísta, má e dramaticamente cômica, a moça só consegue pensar nas coisas absurdas que seria capaz para ficar com seu noivo – como, por exemplo, despertar em Felipe a duvida da paternidade de seu filho.

Para facilitar o destino dos personagens, como se fossem personagens e telespectadores na mesma medida, estão os anjos Mestre (Othon Bastos), Cícero (Saulo Arcoverde) e o esperançoso Ariel (Michel Melamed), que não consegue suportar a dor humana – e com o decorrer da história acaba perdendo suas asas ao se envolver demais – e tenta adiar, ou acelerar, alguns acontecimentos.

Os demais personagens também garantiram seu espaço e adoração pelo público, como Massimo (Luis Melo), que não dá ouvidos para Salomé (Inês Peixoto), sua esposa e mãe da iludida Bianca (Flora Diegues) – a atriz teve de se afastar no início da segunda fase por problemas de saúde, sendo a única a não concluir o destino de sua personagem – e da astuta Felícia (Mel Maia).

Além de muitas cenas divertidas, a trama também mostra outros casos que tiveram de enfrentar problemas na sociedade da época, como Gema (Louise Cardoso), que abriga e se apaixona por Raul (Val Perre), um ex-escravo. Ou Anitta (Letícia Persiles), que engravida do mulherengo Roberto (Romulo Estrela), antes do casamento.

A primeira fase surpreendeu tanto com o alto índice de audiência que presenteou o público com mais capítulos que o programado. Quando o ápice da felicidade dos protagonistas estava para acontecer, chega, como um soco, a segunda fase. Era esperado que as coisas ficassem inacabadas para que pudesse ter uma continuação, porém, os telespectadores não esperavam uma cena tão bem construída e de tirar o fôlego.

Pedro, com todo o seu ódio, vai atrás dos mocinhos e os ameaça com espadas de esgrima, convidado Felipe para um duelo. Enquanto a ação acontece, Melissa empurra Lívia e Felipe corre para salvá-la. Com mais raiva que nunca, Pedro não acredita nas ações da vilã e a mata.

A cena tem uma trilha sonora maravilhosa, o que traz mais emoção e expectativas – e faz os telespectadores levarem a mão à boca, o coração bater mais forte e não desgrudar os olhos da tela.

Quando a câmera segue os olhos do vilão, vemos que Felipe e Lívia estão pendurados no penhasco. Ela implora para que Pedro os ajude e ele, confuso, passa as mãos nos cabelos e sai do local. Ao voltar, ele acerta o mocinho com sua espada, que perde as forças e cai do penhasco, levando Lívia consigo. Então, enquanto seus corpos perdem a vida embaixo d’água, é resgatada uma pequena conversa entre os protagonistas, fator que comove ainda mais o público.

“- Você sabe rezar? Reza comigo. Tem que ter fé.

– Eu não acredito em um Deus que parece se divertir com o sofrimento humano.

– Eu sei o quanto está sofrendo, eu, eu sinto muito, me dói muito vê-lo assim. Queria tanto que fosse diferente… Que tudo fosse diferente.

– Que Deus é esse, Lívia? Que parece se divertir. Que permite que os que se amam se separem. Que permite que você, que eu amava… Que eu nunca deixei de amar.”

Logo, a emoção da morte de Lívia e Felipe é substituída pela surpresa da chegada da segunda fase, o que faz o telespectador ter uma adaptação um tanto lenta. Afinal, quando se está falando de novela, ninguém está acostumado a ver seus personagens favoritos morrerem – mesmo com a consciência de que isso aconteceria.

O novo século chegou e com ele, novas histórias. A tecnologia, os figurinos e a linguagem utilizada, nos levam ao século XXI, assim como a nova abertura. A novela das 6, por se passar no Rio Grande do Sul, poderia ter evidenciado um pouco mais de sua cultura regional, como o chimarrão, o churrasco, o sotaque, as vestimentas, e as danças tradicionalistas, elementos que realmente fizeram falta.

O amor de Lívia e Felipe ressurge, mas perde um pouco do foco. O perdão de Emília por Vitória fica duvidoso até os últimos momentos, já que, nessa vida, as duas são mãe e filha, envenenadas pelas mentiras de Alberto (Juca de Oliveira). Algo que deu muito certo, e fez com que público ficasse interessado pelos próximos acontecimentos, foram algumas frases que apareciam no final de cada capítulo, dando ênfase aos sentimentos e nas ações dos personagens.

As histórias inacabadas, agora recebem seu merecido final. Com um enredo muito bem desenvolvido, um elenco incrível e personagens tão bons quanto, Além do Tempo ousou e agradou seu público, mostrando que é do clichê que a gente gosta, daquele amor impossível que, depois de todos os obstáculos, até mesmo ultrapassando outras vidas, se concretiza e nos dá um “felizes para sempre”.

Além do Tempo (episódio final)

Por Nadine Funck

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