Clint Eastwood estrela a famosa pentalogia que marcou o gênero policial entre as décadas de 70 e 80
Qualquer fã de cinema que se preze conhece o nome Clint Eastwood. Com um currículo invejável, tanto como ator como por trás das câmeras, é impossível não ter no mínimo uma memória onde ele esteja chutando bundas. Depois de fazer história com a trilogia dos dólares na década de 60, Eastwood chega na década seguinte com um novo personagem inesquecível: Harry Callahan. Hoje, no Previamente, observamos os cinco filmes da franquia do homem que limpa as ruas de São Francisco de qualquer bandido imaginável.
Perseguidor Implacável (Dirty Harry, 1971)
Direção: Don Siegel
Elenco: Clint Eastwood, Harry Guardino, Reni Santoni, John Vernon, Andrew Robinson
Dirigido por Don Siegel, o primeiro e melhor filme da franquia é uma excepcional mistura de estudo de personagens, cenas de ação tensas e exploração de um tema complicado. É admissível que um policial se comporte fora dos limites da lei para realizar seu trabalho? O filme claramente acredita que sim, enquadrando por diversas vezes o personagem de Clint Eastwood e o serial killer interpretado por Andrew Robinson em telhados de prédios com o resto da cidade abaixo para ilustrar os dois personagens como seres superiores às regras. O submundo perigoso de San Francisco, na realidade, funciona praticamente como um personagem, preenchido por um trabalho de direção e fotografia que abusa da escuridão para acentuar as ameaças da cidade e produzir ótimas sequências, como quando o protagonista corre pelas ruas escuras à noite para entregar o dinheiro do resgate de uma garota.
O encantador de um personagem como Dirty Harry é a exibição de um sujeito casca grossa completo de maneirismos e isolado do mundo cujo único objetivo é tirar das ruas assassinos, atirando pela janela a burocracia e o convívio com outras pessoas. Ele é uma máquina carregada pelo carisma do seu intérprete, que entrega uma performance memorável, compondo um policial que não responde à hierarquia e não quer conversa com seu parceiro dentro do carro. A fama de durão de Clint Eastwood não foi criada à toa. Ela é o resultado do trabalho de um ator que sempre consegue passar a ideia de que ele é a pessoa mais ameaçadora e influente dentro de uma sala, mesmo que esteja arrodeado por seus superiores.
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Magnum 44 (Magnum Force, 1973)
Direção: Ted Post
Elenco: Clint Eastwood, Hal Holbrook, Mitchell Ryan, David Soul, Tim Matheson
A sequência dirigida por Ted Post abandona o conflito psicológico entre serial killer e policial e incorpora com mais veemência a discussão levantada pelo primeiro filme. O clima claustrofóbico e sombrio abre espaço para um filme repleto com cenas de violência mais gráficas. Harry agora enfrenta um grupo de vigilantes da própria polícia que mata à sangue frio os bandidos mais perigosos e intocáveis da cidade, o que eventualmente passa a afetar também cidadãos inocentes. Com um roteiro que aborda uma temática interessante, colocando o protagonista em uma situação em que ele termina tendo que proteger o sistema que tanto abomina para evitar com que mais pessoas morram, Magnum 44 faz um trabalho competente em discutir isso. Depois de vermos Harry fazer de tudo para pegar um serial killer, o segundo filme o mostra como um ser sensato o suficiente para não acreditar no conceito de justiça com as próprias mãos, mesmo fazendo de tudo para proteger a população de São Francisco.
Porém, é uma pena que o potencial da premissa não seja aproveitada de forma eficiente, por ser preenchida por coadjuvantes caricatos e uma reviravolta em relação ao antagonista do filme que passa longe de chamar atenção. Além disso, a direção de Ted Post prejudica muito determinados momentos importantes, como a perseguição do final, que não tem um pingo de tensão dramática e é pouco criativa na hora de colocar frente a frente Harry e os vigilantes da polícia. Magnum 44 tem uma premissa suficientemente boa para chamar atenção e Harry Callahan, mas ainda sim mostra-se como uma oportunidade desperdiçada.
Sem Medo da Morte (The Enforcer, 1976)
Direção: James Fargo
Elenco: Clint Eastwood, Tyne Daly, Harry Guardino, Bradford Dillman
Depois de dois filmes que realmente buscavam ir além do comum no que diz respeito a filmes policiais, Sem Medo da Morte é um filme que se contenta em ser simples. Uma gangue de terroristas passa a aterrorizar São Francisco com explosivos e, claro, Harry está envolvido no meio. Mais uma vez, é perceptível o quão pouco os antagonistas adicionam ao filme. Os terroristas não possuem uma causa bem definida e parecem apenas como um conjunto de pessoas explodindo coisas e sequestrando pessoas para conseguir dinheiro. Até mesmo para os padrões de filmes policiais, a investigação aqui é decepcionante.
Mesmo não possuindo uma narrativa que se sustente por uma hora de meia, o filme dirigido por James Fargo é divertido ao explorar a relação entre o protagonista e sua nova parceira, Kate Moore, a melhor personagem coadjuvante da série, além de possuir sequências de ação mais divertidas que seu antecessor, como quando coloca uma bazuca na mão de Clint Eastwood.
É interessante ver uma personagem feminina que não seja vítima, prostituta ou definida exclusivamente pelo seu relacionamento com Harry, ainda mais em um mundo masculino. Além de proporcionar momentos divertidos – Sem Medo da Morte é o filme em que Harry passa a se comportar mais como uma caricatura de si mesmo para fins humorísticos – ao ter que lidar com o machismo do departamento de polícia e pessoas da comunidade negra, Tyne Daly é excelente ao incorporar uma policial em seu primeiro dia, completamente insegura e em busca de aprovação, destacando-se como o ponto forte do filme.
Impacto Fulminante (Sudden Impact, 1983)
Direção: Clint Eastwood
Elenco: Clint Eastwood, Sondra Locke, Pat Hingle, Bradford Dillman
Único filme da franquia dirigido por Clint Eastwood, Impacto Fulminante pode ter a memorável frase “Make my day” e um ou dois momentos visuais chamativos, como toda a sequência da perseguição no parque, que nos traz a bela imagem que ilustra esta parte do texto, mas não impede de ser o filme mais fraco de todos envolvendo o icônico personagem. Isso acontece especialmente porque o roteiro limita muito a participação de Harry, que se encontra em uma posição de coadjuvante, não tirando proveito do potencial do personagem. Harry não tem uma participação muito ativa na investigação, restringindo-se a observar o desenrolar dos fatos.
Quem recebe uma parcela maior do holofote é Sondra Locke, que interpreta uma vítima de estupro que, motivada por vingança, deixa uma trilha de assassinatos que passa por cada um daqueles que destruíram a sua vida e a da sua irmã. Torna-se entediante acompanhar essa história, considerando que a narrativa se resume a uma série de assassinatos semelhantes, seguidos por Harry na cena do crime. Por mais que flerte com a questão da justiça com as próprias mãos, não existe nenhuma construção dramática para que esse tema seja propriamente abordado, resultando em um final que, por mais interessante que seja, nos deixa pensando mais no que esse Impacto Fulminante poderia entregar.
Dirty Harry na Lista Negra (The Dead Pool, 1988)
Direção: Buddy Van Horn
Elenco: Clint Eastwood, Patricia Clarkson, Liam Neeson, David Hunt, Michael Currie, Jim Carrey, Evan Kim
Dirty Harry na Lista Negra é uma ótima despedida para a saga de Harry Callahan. Dirigido por Buddy Van Horn, o filme narra a investigação em busca do responsável pelos assassinatos de celebridades encontrados na Lista Negra, um jogo iniciado pelo diretor Peter Swan (Liam Neeson), em que são listadas oito famosos que morreriam em um período de tempo. Por mais que não se destaque demais em nenhum campo específico e possua uma estrutura narrativa padronizada demais ao ponto de ser previsível, o último filme é uma excelente mescla de ação, absurdos e humor, o melhor dos cinco na combinação de todos esses elementos. Além disso, tem um dos melhores antagonistas, um cidadão com problemas psicológicos que absorve diversas personalidades a partir do que vê nos filmes do personagem de Liam Neeson, o que a direção captura muito bem com os enquadramentos em primeira pessoa para não sabermos quem comete os assassinatos até a sequência final.
O maior feito de Dirty Harry na Lista Negra é conhecer o que faz de Harry uma figura tão popular e entregar isso mais uma vez ao público de forma criativa, complementando isso com críticas à cultura das celebridades realizada pela mídia – não poderia ser nada menos que hilário ver o protagonista ficando famoso e lidando com a imprensa, construindo alguns dos instantes mais divertidos que vemos aqui. No fim, Harry se livra do assassino com um tiro de arpão depois de ser perseguido por um carrinho de controle remoto cheio de explosivos (!!!). Depois de tudo que vimos ao longo desses cinco filmes, seria difícil termos uma despedida melhor.