Comédia vai além das piadas sobre Hollywood e mergulha nas relações interpessoais e na melancolia
“You come by it honestly, the ugliness inside you. You were born broken. It’s your birthright. And now you can fill your life with projects, your books and your movies, and your little girlfriends, but it won’t make you whole. You’re BoJack Horseman, and there ain’t no cure for that.”
Caso você tenha já tenha lido algo sobre ou ouvido falar de BoJack Horseman, animação da Netflix que teve sua segunda temporada de doze episódios lançada no último dia 17, a próxima frase não lhe surpreenderá: essa é uma série que precisou de tempo para se encontrar. É uma trajetória traçada por inúmeras séries de comédias. Inicialmente, a necessidade de conquistar o público (além de garantir que o piloto vá ao ar), faz com que a essência da série fique dispersa, como se ainda existisse uma distância entre a mensagem do roteiro e o resultado final que nos é apresentado.
BoJack Horseman foi vítima disso durante a primeira metade da sua temporada inicial. A paródia da futilidade de Hollywood e o humor sarcástico recheado de trocadilhos voltados a esse tema é colocada predominantemente como o motor de tudo que assistimos. Além de proporcionar risadas de forma inconsistente, isso dificultou o início ao fazer um desserviço aos personagens, envolvidos em situações clichês envolvendo celebridades, fazendo de seu protagonista um ser irritante, em vez de complexo.
A partir do momento em que a série respira rapidamente e decide dedicar mais tempo a nos aproximar dos personagens através de suas dificuldades, BoJack Horseman torna-se uma das melhores séries da atualidade.
Criada por Raphael Bob-Waksberg, a série acompanha a vida do personagem-título, estrela da sitcom de longa duração Horsin’ Around nos anos 80, um cavalo egoísta que está constantemente questionando suas ações, agindo de forma inapropriada por não ser capaz de se sentir bem consigo mesmo e buscando atenção. Agora, BoJack (Will Arnett) pretende lançar uma autobiografia assinada por Diane Nguyen (Alison Brie) em busca de recuperar a fama e admiração do público perdida após o fim da série. Além disso, contamos com a presença de sua empresária, Princess Carolyn (Amy Sedaris), sua empresária e ex, Mr. Peanutbutter (Paul F. Tompkins), um adorável e irritante labrador retriever que é uma espécie de amigo/arquirrival, e Todd (Aaron Paul), o melhor amigo que BoJack frequentemente se recusa a reconhecer como tal.
São inúmeras referências e participações especiais de estrelas de Hollywood que se equilibram com a vida pessoal dos personagens. No início complicado, essas referências que deveriam complementar o roteiro tomavam conta e a série parecia mais preocupada com one-liners do que em estabelecer uma relação consistente entre os personagens, sendo um caso marcante a inserção do Buzzfeed e o ex de Diane no quarto episódio, que se perde por ser mal estruturado.
Quando o roteiro começa a entrar nos eixos, BoJack Horseman se transforma em uma bola de neve de continuidade onde o protagonista passa a afetar profundamente a vida das pessoas ao seu redor. Guiados pelos problemas de autoestima de BoJack, os coadjuvantes também começam a perceber como suas próprias vidas não são aquilo que deveriam ser. A ilustração das dificuldades de achar paz consigo mesmo passa a ser acentuada com mais frequência e eleva os diálogos a um nível de reflexão e sinceridade que o roteiro administra muito bem. Por mais que você não passe pelos problemas encarados pelos personagens (caso você se encontre nesse grupo, parabéns pela vida perfeita), é impossível não sentir empatia. Um dos caminhos preferidos que a série toma é fazer BoJack e Diane pensarem que conseguiram seus objetivos enquanto eles próprios não entendem que se obcecar com o objetivo final – um tipo de estado de felicidade permanente que virá através da conquista de um sonho, é um fardo insustentável. E é de uma beleza ímpar vermos os pequenos avanços que eles fazem ao longo da segunda temporada, que se encerra com uma bela reflexão sobre aceitar o que você é e tentar melhorar aos poucos.
Contando com um design fantástico e piadas visuais envolvendo animais antropomórficos, BoJack Horseman é uma série divertidíssima que também questiona nossa necessidade de nos sentirmos completos e seguros, a busca por um significado maior para a vida, o valor da morte, encontrar o par perfeito e basicamente todo o tipo de pensamento que temos quando estamos cabisbaixos – ou quando estamos cabisbaixos e exageramos para parecer que não estamos cabisbaixos. Seu maior trunfo é não se contentar em fazer piadas com os bastidores de Hollywood, mas usar isso como pano de fundo para se arriscar em relacionamentos interpessoais e intrapessoais de uma forma que raramente se vê na televisão.
Ótimo texto