Game of Thrones – 5ª Temporada | Crítica

Entre estupros, dragões e zumbis, a série se distancia dos livros e vai na direção errada

Game of Thrones season 5 poster

[Este texto possui spoilers da temporada em questão]

O medo de todo leitor da obra de George R.R. Martin se tornou realidade: a série finalmente ultrapassou os livros. Não só isso, como passou por cima, rasgou e jogou no lixo a narrativa literária. A quinta temporada marca uma nova era para o seriado. A partir de agora, os roteiristas farão exatamente o que quiserem com o material, independente do que Martin decidir nos seus livros que ainda estão por vir e até os que já foram publicados. A escolha de David Benioff e D.B. Weiss é visível a cada episódio deste ano, o que desagradou profundamente os fãs dos livros. É bom sempre deixar claro é que uma adaptação, seja em qual mídia for, geralmente se distancia da obra de origem. E não há problema nisso desde que as mudanças sejam para aprimorar a história. Mas será que a temporada conseguiu ter uma visão mais criativa e consistente do que aquela imaginada por Martin?

A temporada começa com clima político, que de certa forma permeia os 10 episódios do quinto ano. Os primeiros episódios, como é de costume, são um pouco arrastados. Normal, afinal de contas no jogo dos tronos as peças se movimentam uma de cada vez, com cada jogada bem analisada antes de acontecer. Mindinho (Aidan Gillen) parece ser o jogador mais esperto dos Sete Reinos, se posicionando conforme a mexida do adversário. Uma pena que sua participação na série não tenha durado até o final, mas esperamos mais dele no ano que vem. A presença dele, aliás, tornou-se fundamental para a principal mudança de destino de uma personagem dos livros para as telas. Sansa Stark (Sophie Turner) tomou um rumo completamente distinto dos livros – vale lembrar, mudar o que está escrito na celuloide não é necessariamente ruim se for bem conduzido. Ela foi usada para se casar e os Boltons poderem clamar seu poder sobre Winterfell. Ela, então, se casou com Ramsay Bolton (Iwan Rheon). Psicótico e pervertido, era natural que ele não fosse ser o melhor marido do mundo para a garota. E aí entramos no terreno perigoso, o que causou grande indignação por parte de meio mundo.

Se Sansa vinha numa escalada de personalidade, mostrando que estava deixando de ser aquela coitada tapada, os roteiristas descartaram a evolução que eles criaram. Em “Unbowed, Unbent, Unbroken”, o episódio mais problemático da temporada, Sansa e Ramsay se casam e, naturalmente, vão consumar o matrimônio. Era óbvio que ele não seria gentil como Tyrion. A personagem obviamente sabia que teria de transar com o rapaz. Ainda assim, os roteiristas não deixaram barato. Além de fazer com que Theon (Alfie Allen) presenciasse o ato consumado, a cena foi perturbadora em demasia, com Ramsay fazendo a personagem se debruçar na cama, estuprando-a. Pior do que isso, só os créditos subindo com os gemidos da garota Stark servindo como trilha sonora. Mau gosto puro. Será que, assim, Sansa deixaria de ser indefesa e criaria forças para revidar ou escapar? Não. Quem esperava que ao menos a cena gratuita de uma personagem principal sendo violentada sexualmente fosse servir de escada para ela em algum sentido, não o fez. Apenas fez com que ela se mostrasse mais frágil e ressentida ainda. Ela sentia raiva, é claro, mas em momento algum nos episódios posteriores Sansa mostrou-se forte o suficiente para fazer qualquer coisa que não fosse andar de um lado pro outro. Até o instante final, em que Theon escapa com ela (a redenção, no fim das contas, é dele e não dela), Sansa continua sendo a menina perdida, indefesa, que precisa ser salva. Ou seja, o estupro, que os roteiristas criaram especialmente para a ruiva, foi em vão em termos de desenvolvimento para a personagem, criando um retrocesso na personalidade da filha de Ned Stark.

Não é de hoje que Game of Thrones trabalha com estupro como se fosse aqueles chocolates do lado do caixa do supermercado, impossíveis de resistir. Qualquer um consegue entender que naquela época (que ano é mesmo?) as mulheres eram consideras inferiores aos homens e eram violentadas pela sociedade misógina (só naquela época mesmo?). Atrocidades eram cometidas, e a HBO já deixou isso claro diversas vezes com cenas de sexo e violência gratuita. A história de George R.R. Martin traz algumas mulheres fortes, independentes e que já sofreram muito em suas vidas (e ainda sofrem), cada uma com sua particularidade. O problema é que, por algum motivo, na TV tentam tirar o pouco de força que elas possuem. E como fazem isso? Ah, com um belo estupro – todos injustificáveis e criados especialmente pela dupla de roteiristas. Daenerys Targaryen (Emilia Clarke) não é estuprada por Khal Drogo (Jason Momoa) nos livros. Enquanto isso, na série, ela é. E ainda pior: ela acaba se apaixonando por seu estuprador (!). Isso já tira um peso enorme da personalidade da Mãe dos Dragões. E o que acrescenta? Nada. Strike one.

Outra personagem importante estuprada foi Cersei (Lena Headey). Durante o funeral de seu filho, Jaime (Nikolaj Coster-Waldau) força a rainha regente a fazer sexo com ele, mesmo contra sua vontade expressa por vários “não”. A atitude dele não condiz com a crescente dele na temporada passada e tampouco tem a ver com a relação dos dois ao longo de toda a série. Os roteiristas negaram que tenha sido um estupro e não houve nenhuma menção mais no seriado e tampouco tivemos alguma reação ao caso. Serviu apenas para mostrar que Cersei é tão frágil quanto qualquer outra mulher. Strike two.

Por último, o estupro de Sansa não acrescentou nada à narrativa ou à personagem. Apenas a fragilizou ainda mais (como se fosse necessário) e tirou o pouco de poder que ela achou que tinha e que nós também achávamos que ela havia adquirido. Tudo por nada. Strike three. Apenas o estupro pelo estupro, um método funcional para os roteiristas, mas que prejudica as mulheres da série e também ofende a própria sociedade. A própria HBO já provou saber tratar o assunto estupro com urgência e sensibilidade, em The Sopranos, quando a Dra. Jennifer Melfi (Lorraine Bracco), psicóloga de Tony Soprano (James Gandolfini), foi violentada na escadaria do prédio onde trabalha. O mesmo não ocorre em Game of Thrones.

Game of Thrones s05e09 Dance of the Dragons

Infelizmente, na ocasião em que ocorreu a polêmica envolvendo Sansa e Ramsay, teve gente mais preocupada em dividir a discussão entre “foi ou não foi estupro” porque ela havia se casado, além de outros críticos por aí resumirem uma discussão séria como essa a “mimimi”. É lamentável, já que, de certa forma, Game of Thrones volta e meia traz um assunto relevante, nos lembrando que a nossa sociedade continua tão arcaica, preconceituosa, violenta e misógina.

O plot não fez bem e a temporada continuou seguindo com novos rumos. Morreu gente que não morreu ainda nos livros (ou talvez nem vá) e houve encontros que não rolaram no papel também. Depois de desgastarem a discussão de se Daenerys deveria ou não abrir o coliseu para as batalhas – e nesse meio tempo, muitos morreram -, fez muito bem para a personagem e seu plot o tão esperado encontro dela com Tyrion (Peter Dinklage). A conversa entre os dois em “Hardhome” foi uma das melhores coisas da temporada. O forte da narrativa de Daenerys sempre fora a política, mas focou-se por muitos episódios a discussão das arenas. Ainda assim, houve bons momentos, com a população ameaçando seu governo e atentando contra sua vida. Em tempos (ligeiramente) mais civilizados, haveriam protestos com placas de “Fora Daenerys” e “Impeachment pra Mãe dos Dragões” em Meereen. Já que citei Tyrion, vale ressaltar que Peter Dinklage continua sendo a melhor coisa do extenso elenco, mas, para tristeza de todos, as situações em que se encontra têm um impacto bem menor do que nos anos anteriores. Nada sequer chega perto da matança do finale da temporada passada e menos ainda da antológica cena de seu julgamento, também na quarta temporada. Tyrion vai pra lá e pra cá o tempo todo, mas não chega a fazer muito. Ainda assim, é dono das melhores falas da série.

Em se tratando de política, quem jogou bem com isso foi Cersei, que fez igualzinho ao senado e a câmara de deputados em Brasília. Querendo atingir Margaery (Natalie Dormer), a esposa do filho Tommen (Dean-Charles Chapman), afinal a rainha regente quer todo o poder só pra ela, Cersei fez uma mistura com ingredientes costumeiramente perigosos: política e religião. Trazer uma legião de fanáticos religiosos fez com que essa fosse a caminhada mais acertada da temporada. Margaery se dá mal, mas Cersei também provou do próprio veneno (finalmente!) e também passou por julgamento do Alto Septão (Jonathan Pryce) por conta de suas mentiras, fornicação e incesto. A inspiração na Igreja Católica é perceptível e a retratação é precisa daqueles tempos nebulosos do catolicismo. Cersei paga finalmente por seus pecados e passa pelo seu “walk of shame” em uma das melhores cenas de toda a temporada, no season finale. Lena Headey mostra mais uma vez seu talento cênico, em momentos de cinismo, tirania, dor, ira e sofrimento.

No lado mais gelado da trama, Jon Snow (Kit Harington) provou seu valor como líder, tomando decisões difíceis e, preocupado em salvar todo o planeta do inverno (que definitivamente chegou no Brasil, pelo menos), acabou deixando de lado as preocupações dos seus irmãos na Muralha. Snow foi primordial no melhor episódio de toda a série até aqui, “Hardhome”, quando os Outros (é Lost???) finalmente apareceram e mostraram que são mesmo perigosos – além de serem os melhores zumbis da TV, desculpa The Walking Dead. Toda a construção do arco no oitavo episódio da temporada foi fantástica e a batalha foi incrível. Infelizmente, os companheiros de Muralha de Snow não dão tanta importância para a sobrevivência do coletivo e não perdoaram o personagem, que chegou ao seu fim (ou não?) na série com uma morte anti-climática, sem nenhum preparo ou situação que pavimentasse o caminho de seu assassinato pelas mãos dos irmãos de preto. Não me incomoda a morte do personagem, mas a forma fria com que a série a conduziu, fechando a temporada em luto.

Stannis (Stephen Dillane), certo de que era o escolhido pelos deuses para sentar-se no trono de ferro, fez de tudo para chegar ao poder. Como governar, para ele, é mais importante do que qualquer coisa, sacrificou até a filha, num ato de frieza incrível, diferente do que a série tentou construir ao longo da temporada, mostrando até mesmo momentos afetuosos entre ele e a filhota, dando a entender que ali habitava um homem bom e que merecia nossa torcida. Talvez os deuses tenham o punido por ser capaz de colocar a filha na fogueira para reinar e lhe concedeu o desfecho que deu. Quem finalizou seu caminho (a gente supõe que sim, ao menos), foi Brienne (Gwendoline Christie), finalmente honrando a promessa de vingar seu mestre. Apesar deste fim, a cavaleira foi uma das peças do tabuleiro mal utilizadas pelos roteiristas. A personagem fica metade da temporada parada na floresta, sem nenhuma utilidade, esperando que Sansa dê algum sinal de socorro. Lamentável. Ao menos nos livros, sua odisseia é bem mais interessante e dá de cara com Lady Stoneheart, ainda inédita na TV e que, pelo andar da carruagem, pode nem aparecer.

Um plot que deu razoavelmente certo foi o de Arya (Maisie Williams), mas que foi lento, arrastado e demorou para valer a pena. Basicamente, tornou-se interessante no penúltimo episódio e sensacional nos primeiros minutos no finale, mas que acabou de maneira mal explicada e sem pé nem cabeça. Uma pena. Em termos de má execução, de longe, o pior plot da temporada foi a porcamente concebida Dorne. Se nos livros a narrativa por lá é muito mais instigante, não só focando na vingança da morte de Oberyn (Pedro Pascal), mas também na tomada do poder – afinal, todo mundo quer conquistar o lugar do trono. As mulheres de Dorne, na literatura, são tridimensionais, cada uma com sua história. Mas o que foi feito com Dorne, afinal? Na TV, o local transformou-se palco de novela mexicana. A briga de Jaime e Bronn (Jerome Flynn) com as Serpentes de Areia foi vergonhosa. Parecia uma paródia dos Trapalhões, um verdadeiro pastelão cômico. Os diálogos então, ultrapassam o limite do clichê. É quase A Usurpadora encontrando Kill Bill, mas no pior sentido possível. Ellaria (Indira Varma) foi muito mais relevante do que precisava ser, provando-se uma criança birrenta e malcriada. Todas as cenas em Dorne foram de ruim a pior, sendo um plot sub-aproveitado e mal concebido, fazendo até mesmo com que Jaime, personagem que evoluiu e ganhou mais espaço nas terceira e quarta temporadas, se tornasse inútil para a trama.

A quinta temporada, por fim, prova que os roteiristas não estão mais nem aí para o que George R.R. Martin escrever e farão o que bem entender com os personagens. Como dito no início do texto, o problema não é mudar. Afinal, se fosse assim, eu ficaria chateado pelo fato de Ultron não ter sido criado pelo Homem Formiga no filme Vingadores: Era de Ultron, já que no cânone dos quadrinhos é assim que ele é concebido. O problema é quando se muda para não aprimorar a narrativa, bagunçando toda a cronologia dos personagens. Ao mudar e escrever textos que não estão nos livros, David Benioff e D.B. Weiss produzem um material de qualidade duvidosa em muitos momentos ao longo da temporada. Em algumas situações até acertam, como é o caso dos diálogos entre Tyrion e Daenerys e a luta contra os Outros. Mas em grande parte dos episódios, a exemplo de Dorne, erram a mão. Faltou consistência e criatividade – parte por culpa do próprio Martin e parte por conta dos roteiristas. A temporada pecou com vários personagens e também escorregou em muitas tramas, acertando o alvo em ocasiões isoladas. Não dá pra dizer que foi ruim, pois a produção continua impecável e ainda há tempo para se redimir. No entanto, se a temporada passada elevou Game of Thrones como uma das cinco melhores séries da TV, este quinto ano a rebaixa, deixando-a fora desse top 5, mesmo sem grandes concorrentes como Breaking Bad e True Detective no ar. Dentro do gênero fantasia, GoT se mantém o melhor seriado, mas num sentido geral, houve um retrocesso como nunca visto antes. Para a salvação, talvez só mesmo os deuses sejam capazes disso.

Game of Thrones: Season Five
EUA, 2015 – 10 episódios
Drama / Aventura

Criado por:
David Benioff, D.B. Weiss, baseado em As Crônicas de Gelo e Fogo, de George R.R. Martin
Elenco:
Peter Dinklage, Nikolaj Coster-Waldau, Lena Headey, Emilia Clarke, Kit Harington, Stephen Dillane, Liam Cunningham, Carice Van Houten, Indira Varma, Maisie Williams, Sophie Turner, John Bradley, Hannah Murray, Nathalie Emmanuel, Michiel Huisman, Conleth Hill, Jerome Flynn, Alfie Allen, Iwan Rheon, Gwendoline Christie, Tom Wlaschiha, Iain Glen, Natalie Dormer, Aidan Gillen, Dean-Charles Chapman, Jonathan Pryce

3.5 STARS

Por Rodrigo Ramos

5 thoughts on “Game of Thrones – 5ª Temporada | Crítica

  1. Ótimo texto, muito bom mesmo, só pecou em um ponto, e pra mim um ponto principal. Se tu falastes que o Stannis queimou a filha por fazer de tudo pra governar, não entendestes nada deste personagem. Ele apenas condenou a filha ao sacrifício porque era a unica salvação para seu exercito. Ele sacrificou seu bem mais precioso em prol da vida de milhares, e isso faz um líder. O fim de seu arco na série foi o pior erro que D&D poderiam conceber, espero muito que no livro a história siga por caminhos diferentes.

    1. Só não concordo sobre o estupro de Sansa ser desnecessário. Sansa substituiu “Arya Stark” (Jeyne Poole) na série e sabemos que nos livros, Jeyne sofre até mais que Sansa, portanto, a cena e o que aconteceu não foi desnecessário.

Leave a Reply

Your email address will not be published. Required fields are marked *