A Educação de Alicia Florrick continua em um ano de mais altos do que baixos (apesar de presentes)
Como série procedural, The Good Wife já se destacava nos seus três primeiros anos. A quarta temporada vacilou em muitos quesitos, o que talvez tenha incentivado os criadores Robert e Michelle King a reinventarem o programa, deixando de focar nos casos de tribunais, colocando seus personagens como os verdadeiros donos dos holofotes.
A quinta temporada da série transformou The Good Wife em uma das melhores coisas da TV e, de longe, a melhor da televisão aberta dos EUA. O sexto ano tinha como objetivo, novamente, mexer nas estruturas do seriado e conseguir equilibrar todos os seus personagens e narrativas. Era uma tarefa árdua, porém os Kings não se apequenaram diante do desafio. Os primeiros 10 episódios da temporada formam uma sequência inacreditável de excelência televisiva, coisa que eu não via desde a última temporada de Breaking Bad.
A primeira metade do sexto ano foca-se em diversas vertentes. Alicia Florrick (Julianna Margulies) pensa se deve ou não concorrer ao cargo de Procurador Geral do Estado (State’s Attoney Office). Cary Agos (Matt Czuchry) é preso sob a acusação de ter auxiliado Lemond Bishop (Mike Colter) a burlar a lei em seu esquema de tráfego de drogas. Diane Lockhart (Christine Baranski) está catando os seus botões para se juntar à Florrick/Agos. Enquanto isso, Kalinda (Archie Panjabi) fica encarregada de colher provas para salvar a pele de Cary, ao mesmo tempo em que tem de prestar serviços para Bishop. Apesar de tantos elementos na trama, os roteiristas conseguem dar equilíbrio entre todas essas narrativas. Em cada um desses episódios, há mais viradas na trama e também mais desenvolvimento de personagens. Nesta primeira parte, a presença de Cary e Bishop se intensifica, tornando-se figuras com veemência, principalmente Agos, um dos protagonistas, que cresceu na quinta temporada, mas se tornou essencial para o andamento desses primeiros dez capítulos. Bishop está deliciosamente ameaçador e a cada diálogo entre ele e outros personagens dá pra sentir um arrepio na espinha.
Quem tem ganho o maior destaque é Alicia, que resolve trilhar o caminho político e nisso cria-se situações completamente diferentes das vivenciadas até então na série. The Good Wife sempre teve um cunho político, mas agora é o motor que move a narrativa da protagonista. Alicia precisa lidar com a necessidade de passar uma imagem que não a pertence, se depara com todos os seus podres através de uma pesquisa detalhadíssima de sua vida, convive com o lado político do marido Peter Florrick (Chris Noth), tem de aguentar seus assistentes de campanha – incluindo Eli Gold (Alan Cumming), tem de lidar com seu adversário Frank Prady (David Hyde Pierce), além de tentar encontrar um motivo para concorrer, sendo que este item acaba se tornando um problema dentro da história como um todo, já que em determinado momento nem mesmo Alicia sabe porquê está fazendo isso e tampouco acha ser a merecedora do cargo.
Os 10 episódios transmitidos ainda em 2014 são irretocáveis, terminando com “The Trial”, um dos três melhores capítulos da temporada. O retorno veio em janeiro com o excelente “Hail Mary”, mas logo após este a série, infelizmente, sofreu um declínio com alguns episódios com decisões duvidosas. “The Debate” se tornou polêmico por oferecer uma discussão entre brancos sobre os problemas raciais nos EUA. Chega a ser ofensivo discutir o evento de Ferguson com personagens caucasianos. Ao invés de utilizar pelo menos a única personagem de pele morena da série, que é o caso de Kalinda, nem isso os roteiristas se prestaram a fazer, pegando figurantes negros para se defender como não-racistas, mas o tiro por muito, mas muito pouco não saiu pela culatra. São ideias bem discutidas, mas que não precisavam ocorrer. The Good Wife tem histórico de utilizar contexto social e político dentro de suas tramas, porém não precisava usufruir desse fato em específico, polêmico em demasia para um programa que prioriza os brancos em seu elenco.
Depois disso, a temporada até se mantem interessante, porém ela sofre com alguns tropeços que a série foi causando, creio eu, por ter alguns episódios que enrolam e não desenvolvem a trama – coisa que The Good Wife não fez no ano passado, mas parece ter sido obrigada a fazê-lo agora. A trama de Alicia no meio político é ótima, contudo, demora demais para enfim chegar ao fim – entretanto, a virada tem um peso significativo na trama, que só não supera a saída de Will Gardner na temporada passada. Afinal, The Good Wife sabe surpreender. Enquanto a enrolação ocorre, nessa segunda metade do sexto ano, personagens fundamentais como Cary e Kalinda têm suas aparições reduzidas a quase nada. Matt Czuchry poderia muito bem ser indicado às premiações dedicadas à TV por sua performance nos 10 primeiros episódios, mas se torna invisível nos episódios posteriores. Enquanto isso, Diane também tem sua participação diminuída, mas ganha espaço em alguns episódios em específico, quando começa um duelo de ideais com um novo personagem, o conservador R.D. (Oliver Platt). Como já citado neste texto, é algo recorrente do seriado trazer assuntos que estão em pauta no cotidiano. Se o uso do caso de Ferguson foi executado de forma duvidosa, há outros temas que são bem utilizados, como é o caso da política como um todo, aborto, direitos dos gays, opinião pública, os black-sites em Chicago onde os policiais mantêm pessoas sem prendê-las oficialmente, tema utilizado no season finale e que se baseia em um fato real, entre tantos outros. Essa é uma das estratégias para The Good Wife se manter atual e instigante, até mesmo para aqueles que não acompanham a série semanalmente, mas que se pegarem um episódio isolado podem se entreter com a temática dele.
A segunda metade da temporada, apesar de alguns erros, há mais acertos no fim das contas. Contudo, o erro fatal é o que cometeram com Kalinda, a personagem que brilhou antes de todos e rendeu o primeiro Emmy ao programa, como melhor atriz coadjuvante, em 2010. Por algum motivo que foge do entendimento do público, Kalinda Sharma se tornou apenas um vulto na série. Foi compreensível quando ela e Alicia cortaram a amizade quando a protagonista soube do caso que Kalinda teve com Peter. O tempo não favoreceu a personagem de Archie Panjabi, que teve o pior plot da série durante a quarta temporada, com o seu marido bandido, jogando toda a caracterização dela por água abaixo. Parece que o golpe foi tão grande que ela nunca mais se recuperou. Na quinta temporada, virou ainda mais coadjuvante já que Alicia e Cary criaram sua própria firma. No entanto, nada justificou a distância entre ela e Alicia nesta temporada, algo que os fãs começaram a perceber de fato só em 2015. No total, foram 50 episódios sem Archie dividir uma mesma cena com Julianna Margulies, exceto por conversas telefônicas. Claramente, algo não estava certo e as duas atrizes, possivelmente, tiveram algum atrito nos bastidores – ou até mesmo algo com os produtores, não se sabe ao certo. A questão é que a ausência das duas em um mesmo take fez com que a personagem sumisse, resumindo-se na investigadora bissexual que veste couro e nada mais. Além de tentar provar a inocência de Cary, a outra função de Kalinda na sexta temporada é ser babá do filho de Bishop. E só.
A saída da atriz da série fora anunciada ainda em outubro do ano passado, o que dava oportunidade de os roteiristas levantarem a moral da personagem e se redimir dos últimos anos em que ela se tornou praticamente irrelevante para a narrativa. No entanto, desde o mid-season finale ficou claro o que levaria ela a se retirar do seriado. O penúltimo episódio traz flashbacks e nele há uma cena entre Alicia e Kalinda, mas era visível que as duas filmaram separadamente seus takes. No season finale, que trouxe algumas viradas na trama e um bom desfecho para o sexto ano, houve, enfim, o adeus de Kalinda, dividindo, de fato (ou será que não???) a mesma cena com a protagonista. Foi bonito? Foi. Mas não fez justiça perante a intrigante personagem criada pelos Kings, há tanto tempo mal tratada na série. “Eu queria que nós pudéssemos fazer tudo de novo”, Alicia diz à Kalinda. Nós também gostaríamos.
Apesar dos pesares, há muito a ser aproveitado na série. Além dos já citados, outro item positivo existente é como o seriado consegue mudar o modo narrativo quando deseja. Há dois excelentes exemplos disso. “The Trial” divide sua narrativa através do ponto de vista de personagens diferentes: o juiz do caso, a advogada da acusação, um dos júris e, por último, Kalinda. É uma forma perfeita para desconstruir um episódio tenso, que poderia ser totalmente focado no julgamento, mas consegue reverter essa obviedade, apostando em uma decisão ousada, mostrando com perfeição quatro óticas completamente distintas e desenvolvendo, ainda que em um curto espaço de tempo, esses personagens. “Mind’s Eye”, por sua vez, trabalha em cima da mente de Alicia, partindo de seu ponto de vista até mesmo vasculhando seus pensamentos, desejos e emoções.
Como conjunto, a sexta temporada de The Good Wife, apesar de alguns erros na sua segunda metade, ainda assim consegue ficar muito acima de boa parte das coisas atualmente no ar. Não chega a superar o ano anterior, mas não fica pra trás também. É possível considerar que o programa é um forte lutador que, no meio de tantas produções de canais (e sites de streaming) pagos, ainda consegue sobreviver e se superar em termos de formas de narrativa, atuação e enredo. Não é fácil fazer 22 episódios excelentes por temporada – nem mesmo a amada Game of Thrones, com somente 10 episódios por ano, consegue manter excelência em todos eles. The Good Wife é uma das melhores coisas da TV porque é atual, criativa, emocionante, divertida e ainda consegue surpreender, mesmo estando no ar há seis anos. É um feito e tanto conseguir manter-se relevante com tanto tempo em exibição, ainda mais com tantos capítulos por ano. Por isso que, mesmo com alguns tropeços nos episódios exibidos em 2015 e certos detalhes a consertar, a série ainda se mantém como a melhor série não só da TV aberta, mas da televisão como um todo. E a “Educação de Alicia Florrick” continua.
The Good Wife – Season Six
EUA, 2014/2015 – 22 episódios
Drama
Criado por:
Michelle King, Robert King
Elenco:
Julianna Margulies, Matt Czuchry, Archie Panjabi, Christine Baranski, Chris Noth, Matthew Goode, Zach Grenier, Alan Cumming, Makenzie Vega, Graham Phillips
https://www.youtube.com/watch?v=-EYaEsW5sE0
Um comentário sobre “The Good Wife – 6ª Temporada | Crítica”