Demolidor – 1ª Temporada | Crítica

O Homem Sem Medo da Marvel, desta vez sem erros, pelas mãos da Netflix

Demolidor Marvel Netflix posterO Universo Cinematográfico da Marvel parecia que tinha tudo bem arquitetado para o seu sucesso. Muito disso se deve à qualidade de suas produção, mas também como eles alinharam todos os seus filmes para desembocarem em Vingadores 1 e 2. Enquanto na telona parecia tudo estar indo bem, na TV não era bem assim. A segunda temporada de Agents of S.H.I.E.L.D. deu uma consertada, mas a primeira foi sofrível. Agent Carter veio para mostrar que dava para salvar a Marvel na tela menor. Então surgiu Demolidor, a primeira série em parceria da Marvel com a Netflix e o resultado não poderia ser mais satisfatório.

Se a sua única lembrança do herói é a versão cinematográfica estrelada por Ben Affleck, lá em 2003, pode esquecê-la em definitivo. A série, de 13 episódios, passa longe daquele longa-metragem e se mostra muito fiel às suas principais histórias na HQ, especialmente as escritas por Frank Miller, gênio por trás de Sin City, Batman – Ano Um e Batman – O Cavaleiro das Trevas, sendo esta última obra fonte de inspiração para Batman vs Superman: A Origem da Justiça, que estreia em 2016 nos cinemas.

MARVEL'S DAREDEVIL

Diferente de sua criação audiovisual anterior, um dos principais acertos desta série é conseguir entender o personagem com que se está trabalhando. Matt Murdock (Charlie Cox) não vive em busca de vingança por conta da morte de seu pai. A relação com o seu progenitor é fundamental para seu desenvolvimento, mas não é por isso que ele sai às ruas, em busca do assassino. O falecimento do pai de Murdock é apenas um dos elementos que constituem a violenta Hell’s Kitchen e se junta às demais, fazendo com que o protagonista queira que o local onde vive seja melhor e livre da violência e corrupção. Nada melhor para combater o crime do que ser um advogado, como é o caso de Murdock. Não é? Bem, ao menos o protagonista tenta crer nisso e passa o mesmo ideal para seu companheiro de faculdade e agora de trabalho, Foggy Nelson (Elden Henson), melhor amigo de Matt. A dupla de advogados só pegam casos de pessoas inocentes – nada de defender quem não merece. É por essa via que posteriormente, através da lei, eles começam a perseguir os corruptos da cidade. Enquanto, durante a noite, Murdock faz justiça com as próprias mãos.

Os episódios de Demolidor, em geral, possuem uma pegada muito pé no chão, algo que os longas e até mesmo as séries da Marvel até então não apresentavam. Em suas primeiras investidas como o herói mascarado, Murdock vai se descobrindo pouco a pouco. Se normalmente os super-heróis mal apanham e pouco sangram, aqui é o oposto. A pancadaria é real e voa sangue pra tudo quanto é lado. Murdock dá um soco e leva outro de volta. Ele não é exatamente super – tá ok, ele tem seus outros sentidos ampliados por conta da perda da visão, eu sei. Mas, ao meu ver, ele está mais para bem treinado, focado e insistente do que super-herói. Dá pra sentir cada golpe dado e recebido, o peso que tem os ataques e o impacto ao recebê-los.

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Por conta disso, as cenas são realistas ao extremo na maior parte do tempo. Um bom exemplo disso é no segundo episódio da temporada, intitulado “Cut Man”, em que Matt vai atrás do cativeiro de uma criança que fora sequestrada. Na cena é possível ver três minutos de pura porrada. Nada de malabarismos. A coreografia transforma tudo em um nível de encenação extremamente crível, dolorosa, pesada e suja. E a câmera acompanha tudo num corredor bem estreito. É nada menos do que incrível. Durante ela, é impossível não lembrar de uma passagem antológica do longa sul-coreano Oldboy, a quem a série deve muito em termos de ação, assim como ao filme indonésio Operação Invasão

 

A pancadaria é essencial, mas Demolidor não se resume a isso. Nós nos deparamos com um programa cheio de nuances, abrindo espaço para discussão política, investigação, casos de advocacia, fé, ética, jornalismo, terminando sempre na questão de onde habita o limite entre o certo e o errado e até que ponto o fim justifica os meios. Este último item se dá tanto na figura de Murdock quanto na do seu antagonista Wilson Fisk (Vincent D’Onofrio), também conhecido como Rei do Crime. Assim como o protagonista, Fisk cresceu em Hell’s Kitchen e vivenciou tudo o que há de ruim naquele pedaço da cidade. Por conta disso é que ele se tornou um empresário e um dos principais chefes do crime organizado. Em sua visão, para ter um futuro melhor, a cidade precisa começar do zero. Para ele e outros empresários, a destruição de Nova York proveniente da batalha final de The Avengers – Os Vingadores, foi uma oportunidade para lucrar e levantar novos prédios, deixando pra trás a velha Hell’s Kitchen, por mais que na maioria das vezes a violência, o tráfico de drogas e a corrupção sejam os meios para obter essa limpeza naquela região. Por sua vez, Murdock resolveu limpar sua terra natal ao tentar parar os crimes, um criminoso por vez, até chegar no cabeça de tudo.

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Por sua infância traumatizante, sua relação com Vanessa (Ayelet Zurer) e até mesmo sua vontade de transformar Hell’s Kitchen em um lugar melhor, é possível simpatizar com Fisk. Ou, no mínimo, compreendê-lo. É a humanização do anti-herói, algo que comumente vem aparecendo na TV, a exemplo de Breaking Bad, The Sopranos e Mad Men.

Em se tratando de comparações com grandes séries, Drew Goddard (criador, produtor executivo e roteirista) consegue fazer com que Demolidor, uma série de super-herói, se assemelhe ainda com The Wire. Isso acontece porque há um mergulho no mundo do crime, como uma teia de aranha, em que tudo está conectado. O tráfico de drogas, a imprensa impedida de publicar as sujeiradas envolvendo os grandões, os policiais comprados, e por aí vai. O principal desafio em pôr fim na criminalidade é que o problema está nas entranhas da sociedade e não é possível consertar facilmente o que fora corrompido durante centenas de anos. É até difícil conseguir confiar em alguém por conta disso – ou simplesmente manter a própria vida.

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É no meio do vendaval de problemas que se destrincham os personagens, cada um desenvolvido com extremo cuidado, com personalidades muito bem definidas e que não parecem estar ali apenas para preencher espaço. Todos eles contribuem para a narrativa e mostram sua relevância diante dela. Mas os destaques, é claro, são Murdock e Fisk, dois lados da mesma moeda.

Demolidor é uma espécie de Batman da Marvel nessa série, mas sem o mesmo investimento financeiro. Diante de tudo o que se esperava, os 13 episódios surpreendem tanto àqueles que aguardavam por um erro crucial ou um acerto incontestável da Marvel e da Netflix. Felizmente, o seriado mostra-se muito mais sério e consistente em todos os níveis. Definitivamente, Demolidor está entre das dez melhores séries na temporada 2014/2015 da TV e consolida a eficiência tanto da Netflix como criadora de conteúdo assim como o universo da Marvel na telinha.

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Fotos: Netflix/Marvel.

Marvel’s Daredevil
EUA, 2015 – 13 episódios
Ação | Drama | Policial

Criado por: 
Drew Goddard, baseado nos personagens criados por Stan Lee e Bill Everett
Elenco:
Charlie Cox, Deborah Ann Woll, Elden Henson, Vincent D’Onofrio, Rosario Dawnson, Toby Leonard Moore, Vondie Curtis-Hall, Bob Gunton, Ayelet Zurer, Wai Ching Ho

4.5 STARS

Por Rodrigo Ramos

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