Psicodália 2015: Mais que um festival, uma viagem sensorial

O Previamente esteve presente no evento que vai em direção oposta às celebrações tradicionais do Carnaval

IMG_1539 - psicodália 2015Ao nosso redor, partículas solitárias flutuam meio desorientadas pelo universo, assim como nós, na pista de dança da vida. Enquanto se movimentam num swing cósmico, esses corpos atraem-se, interagem entre si, compartilham carga energética e, desse modo, constituem-se moléculas, substâncias e toda a matéria existente.

Pode-se dizer que, aplicando a mesma lógica de formação, assim também surge o  Festival Psicodália: o encontro de indivíduos, com composições por vezes distintas, mas atraídos por uma mesma frequência, não apenas sonora, como também ideológica.

Todos os anos, enquanto milhares de pessoas saciam os prazeres da carne em meio à multidão, ruas agitadas e ao ritmo de marchinhas manjadas, há os que sobem a serra catarinense no contra fluxo do carnaval, e encontram no município de Rio Negrinho uma realidade paralela cercada por pinheiros, lagos e a serenidade do interior.

Nesse refúgio alternativo, regado à atrações musicais, oficinas, e todo tipo de intervenções artísticas, as portas abrem-se não apenas para os que fogem dos ruídos do cotidiano caótico, mas, principalmente, para os que buscam um lugar onde respeito mútuo, sincronia de ideais e a convivência harmônica, tanto entre as pessoas, como com a natureza, se fazem presentes.

O festival chegou em sua 18ª edição neste ano, e não é de se surpreender que o número de psicodálicos seja cada vez mais expressivo. Entre os dias 13 e 18 de fevereiro, cerca de seis mil pessoas, de todos os cantos do Brasil e arredores do mundo, armaram suas barracas sobre o manto verde da Fazenda Evaristo. Espíritos libertários que cursaram trajetos diversos, seja por terra ou pelo céu, a fim de vivenciar a experiência de estar cercado por semelhantes, tendo boa música como trilha sonora, e um ambiente sinestésico como plano de fundo.

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”A vida é isso aí, sapatear no rebosteio!”

Se a chuva é capaz de lavar a alma da mesma forma que produz lama, todos saíram com o lado interior transluzente. Do primeiro ao último dia de festival, poucos foram os períodos que o cair das lágrimas celestiais cessou. Apesar das roupas molhadas e sapatos enlameados, a água não desfez os rostos pintados de tintas e sorrisos vibrantes.

O entusiasmo das pessoas é onipresente nos olhares, abraços, risadas, conversas, e dancinhas epilépticas. Uma intensa catarse coletiva, onde o clima anti-solidão é invocado por corações e canções. Através da voz de Marco Polo, vocalista do Ave Sangria, uma das primeiras bandas a se apresentar no festival, foi possível escutar o refrão ”não se enterre na solidão” ecoando em coro uníssono pelas ruelas da Fazenda, como uma espécie de mantra a ser respeitado.

Além da pernambucana Ave Sangria, mais de quarenta bandas subiram nos palcos do Psicodália durante os seis dias de evento. A escalação contou com diferentes níveis de lisergia, estilos e gerações. Do trio instrumental porto-alegrense Quarto Sensorial ao Confraria da Costa, com seu som progressivo que nos leva a embarcar nos navios do século XVI, da polifonia extasiante da paulista Metá Metá, à contagiante performance dos palhaços da Bandinha Di Dá Dó, apresentando uma mistura bem humorada de ritmos ciganos com o bom e velho rock ‘n’ roll.

Outros nomes como o britânico Ian Anderson, vocalista e flautista da lendária Jethro Tull, Baby do Brasil, Júpiter Maçã, Arnaldo Baptista, Jards Macalé, Orquestra Contemporânea de Olinda, Molungo, Gaia Piá, Trombone de Frutas, O Terno, Central Sistema de Som, Tagore, Cadillac Dinossauros, Skrotes, Rosa Armorial e Apicultores Clandestinos também embalaram os corpos dançantes dessa edição.

Os palcos expandem-se para além das fronteiras da estrutura metálica. Não é preciso caminhar muito para escutar jam sessions surgindo em meio ao aglomerado de barracas e lonas coloridas. Baterias, guitarras, baixos, violões, flautas, saxofones, triângulos, acordeões e gaitas, todos numa orgia musical singular, onde acordes e vozes interagem em comunhão, transformando batuques e dedilhados divertidos em  expressões sonoras de qualidade.

Assim como as barreiras do espaço são ignoradas pelos viventes, a temporalidade também transcende-se em relação à realidade cotidiana. Ao imergir na atmosfera Psicodália, o tempo é ditado não mais pelos ponteiros do relógio, mas pela energia astral que move cada ser psicodálico. O momento de comer é anunciado pelos ruídos do estômago, e o início dos shows – que surgem sob os raios de sol da tarde e se infiltram madrugada adentro – guiados pelos passos excitados em direção ao palco. A relação dia/noite é igualmente desprezada. Movido por um roteiro que se estende sem tomar fôlego, o festival faz das 24h de rotação terrestre um roda cíclica de acontecimentos e experiências, tão lúdicas quanto loucas.

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Além dos shows, a programação conta com mostras de cinema, apresentações teatrais, intervenções artísticas, e as mais variadas opções de oficinas, entre elas a produção de tintas naturais, macramê, instrumentos, tie dye, mandalas, filtro dos sonhos, poesia surrealista, desenho de nu artístico, e os encontros matinais para a prática de meditação e Tai Chi Chuan.

IMG_1544 - psicodália 2015Imitando um planeta utópico, porém habitável, o festival conta com uma estrutura preparada para atender as necessidade de seus visitantes. Há praça de alimentação, bares, saloon, mercearia, cozinha comunitária, bazares e feiras de arte. A versatilidade de serviços é reflexo da pluralidade de seres. Palhaços equilibrados em pernas de pau, ninfas em seus vestidos brancos, homens vestidos de fada, idosos com cabelos moldados por dreads e crianças sorridentes correndo entre as árvores. Um mar de pessoas despidas de preconceitos, únicas em suas excentricidades, criando uma espontânea paisagem surrealista em constante movimento.

Após todo empirismo, um sincero adeus

Ao atravessar os portões da Fazenda Evaristo e notar os primeiros metros de asfalto, os tons verdes dissolvidos em meio ao cinza, fui tomada por uma enxurrada de sentimentos proporcionalmente inversos ao da chegada. O semblante refletido no retrovisor confirmava o cansaço, o sorriso desfeito, e aquele universo que havia ficado para trás. Enquanto me esforçava para lidar com a volta à realidade, um verso brotou, feito sussurro, na minha mente:

”Não, tristeza não!

Corre, anda, rasteja

Peleja sim, coração

Em busca da beleza”

A lembrança da voz imponente e adocicada da Juçara Marçal, vocalista da banda Metá Metá, veio como consolo e bom conselho. A beleza da vida não se encontra em endereço único, e certamente não está aprisionada nas fronteiras da Fazenda Evaristo. A beleza da vida se esconde nos lugares ao nosso redor,  no contato com as pessoas que nos fazem bem.

Por enquanto, o Psicodália ficará adormecido até o ano que vem, mas as belas memórias dessa vivência inesquecível permanecerão despertas dentro de mim. Agora, aqui fora, é hora de continuar a correr, andar, rastejar e pelejar – sim! – pois a beleza está por aí, basta procurar.

Fotos por Eliza DorÉ Milanezi
Por Alana Archer

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