É verdade que nunca vi um ano sequer em que os especialistas e os “especialistas” em cinema não tenham reclamado de uma lista de indicados ao Oscar. Toda e qualquer premiação é polêmica, comete injustiças e deixa alguma coisa boa de fora. É algo corriqueiro. Entretanto, há tempos a Academia não pisava tão feio na bola. É claro que 2011 não foi um ano inspirador, mas nem por isso ele deixou de ter obras criativas e originais. Então como perdoar uma premiação que ignora por completo os destaques do ano para, novamente, apostar em filmes que ninguém ou poucos assistiram?

Há anos a audiência do Oscar vem caindo e a Academia não consegue segurar esta brusca queda. Apesar de tentativas de colocar pessoas jovens para apresentar (Hugh Jackman, Anne Hathaway e James Franco), nenhum deles fez da cerimônia algo agradável. Depois do barulho ensurdecedor do público ao ver que os velhos votantes deixaram Batman – O Cavaleiro das Trevas de fora das categorias de melhor roteiro, direção e filme em 2009, provavelmente porque o protagonista é um super-herói, a Academia tentou uma nova opção a partir de 2010: colocar 10 indicados na categoria de melhor filme para poder abranger todos os gostos e agradar também a massa, com películas que eles assistem. Apesar de a intenção ser boa, a prática não foi tão boa quanto a teoria. Filmes de qualidade duvidosa (Um Sonho Possível), que ninguém nunca viu (Um Homem Sério) e superestimados (Inverno da Alma, Educação) pintaram nestas listas. Filmes desnecessários, que passam longe de qualquer lista de melhores do ano e que não alcançam o público de forma alguma. A estratégia que deveria mudar o jogo, apenas intensificou a caretice da premiação.

Este ano, para piorar a situação, não havia mais um número X de indicados por categoria. Na de melhor filme, há espaço entre 5 e 10. Para encontrar o número da sorte, os votantes escolhiam seus favoritos e, quem chegasse a uma quantidade certa de votos (seria uma espécie de média), entraria nos indicados. A mesma coisa ocorreu nas demais categorias, o que explica o fato de haver apenas dois nomeados à melhor canção, por exemplo. Isso tira a oportunidade de alguns filmes terem reconhecimento pela mera indicação, o que já é uma conquista para muitos realizadores. Mas o Oscar fez questão de tirar um pouco mais do brilho quase fosco que possui.

Não me recordo de um ano tão ruim entre os indicados à melhor filme. Dos 9 indicados, há contradições gritantes. Pra começar, temos Tão Forte e Tão Perto, um filme que não chamou a atenção do público e que a crítica desceu a lenha (com razão). De forma milagrosa, ali está entre os melhores. Além desta indicação, ganhou outra em ator coadjuvante. A explicação (que nem chega a ser) plausível é porque Stephen Daldry (O Leitor) o dirige. Outro perdido ali é a megalomania emocional e de clichês de Steven Spielberg, Cavalo de Guerra. Temos também o superestimado A Árvore da Vida, que quase ninguém mais lembrava. E com razão. Como explicar a inclusão destes longas, enquanto excelentes filmes como Drive, Melancolia e 50% ficaram de fora? Se quisessem algo diferente, deveriam ter posto Missão Madrinha de Casamento na lista, já que é uma das melhores comédias deste século. E a falta de Harry Potter hein? Ninguém esperava que o longa fosse ganhar o prêmio, mas só a indicação seria uma demonstração de reconhecimento por tudo o que a saga representa na história do cinema. Não só por isso, mas também pelo fato de o longa ser um excelente trabalho, melhor do que qualquer um dos indicados, exceto A Invenção de Hugo Cabret.

Mas ainda fica pior. No quesito de atuações, houve também as injustiças. A academia parece ter esquecido que 2011 foi o ano de dois nomes: Michael Fassbender e Ryan Gosling. Enquanto o primeiro ajudou a ressuscitar a franquia X-Men em Primeira Classe, além de polemizar em Shame e Um Método Perigoso, o segundo só entregou atuações acima da média tanto como um herói calado em Drive, abrindo os olhos na política em Tudo Pelo Poder ou de forma simpática em Amor a Toda Prova. Eles ficaram de fora. Como explicar também a falta de Albert Brooks em uma atuação fora do comum em Drive? E Leonardo DiCaprio em uma de suas melhores atuações da carreira por J. Edgar? Ao menos foram lembrados Nick Nolte (ator coadjuvante) por Guerreiro e Gary Oldman (ator) por O Espião Que Sabia Demais. Este, aliás, pela primeira vez indicado. Sim, você vive num mundo onde Sandra Bullock e Halle Berry já ganharam um Oscar, enquanto Gary Oldman nunca tinha sido ao menos indicado!

No quadro das mulheres, uma das que mais sofreu foi Tilda Swinton por Precisamos Falar Sobre o Kevin. Num filme contraditório, a personagem está fabulosa, mas não ganhou atenção da Academia. A mesma coisa vale para Kirsten Dunst por Melancolia. Sua atuação foi, de longe, a melhor feita por uma mulher no cinema em 2011. Ao menos, Rooney Mara (atriz) está indicada por Millennium – Os Homens Que Não Amavam As Mulheres, uma surpresa agradável e Melissa McCarthy (atriz coadjuvante) pelo hilário Missão Madrinha de Casamento.

É possível discorrer por horas sobre as injustiças, mas vamos parar por aqui. Nem adianta dizer a falta de vergonha na cara de não indicar As Aventuras de Tintim à melhor animação só porque é feito a partir de captura de movimento e, para os velhacos, isso não é animação de verdade. De qualquer forma, o que vemos aqui é um ano onde, mais do que nunca, o Oscar deixa a ousadia totalmente de lado para dar atenção aos filmes edificantes, bonzinhos, sem um pingo de maldade ou violência. É compreensível dar valor a filmes que homenageiam o passado do cinema (caso de O Artista e A Invenção de Hugo Cabret), mas não há como ignorar o modo arcaico com que a Academia tem tratado sua premiação. O Oscar, infelizmente, perdeu totalmente o seu brilho dourado e certamente não é Billy Crystal que o trará de volta.

O Oscar 2012 acontece neste domingo, a partir das 22h com transmissão ao vivo do canal pago TNT e depois do Big Brother Brasil na Rede Globo. Confira abaixo, os chutes nas categorias principais.

Bolão do Oscar
Melhor Filme – O Artista
Melhor Diretor – Michel Hazanavicius por O Artista
Melhor Roteiro Adaptado – Os Descendentes
Melhor Roteiro Original – Meia-Noite em Paris
Melhor Ator – Jean Dujardin por O Artista
Melhor Atriz – Meryl Streep por A Dama de Ferro
Melhor Ator Coadjuvante – Christopher Plummer por Toda Forma de Amor
Melhor Atriz Coadjuvante – Octavia Spencer por Histórias Cruzadas
Melhor Filme Estrangeiro – A Separação
Melhor Filme Animado – Rango
